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    Em 21 anos de sistema de metas, inflação nunca acertou exatamente o alvo

    Considerado resultado mês a mês, apenas uma vez o IPCA ficou exatamente no centro da meta em 258 meses desde 1999

    Juliana Elias, , do CNN Business, em São Paulo

    O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial de inflação do país, encerrou 2020 em 4,52%. O número ficou próximo, mas, mais uma vez, não cumpriu o centro da meta estipulado pelo governo e que deve ser perseguido pelas políticas econômicas do país. A meta para 2020 era de 4%, com uma margem de tolerância que poderia ir de 2,5% até 5,5%. 

    Além disso, o resultado do IPCA ao longo do ano só voltou a se aproximar dos 4% de referência por conta de uma arrancada que os preços dos alimentos tiveram de última hora. Só o grupo de alimentação subiu 14,09% em 2020.

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    Até meados de julho, a paralisia do consumo com a pandemia do novo coronavírus tinha derrubado o IPCA para a casa dos 2%, fazendo com o que o índice marcasse alguns dos resultados mais baixos de sua história. O risco, por um bom tempo, foi de que a inflação não conseguisse sequer chegar ao piso de 2,5% da margem de tolerância. 

    Mas por que é tão importante se aproximar do centro da meta? Quando a inflação fica acima do teto, isso implica em perda do poder de compra dos brasileiros. Os preços dos alimentos, por exemplo, ficam tão caros que os consumidores precisam fazer escolhas entre itens básicos da alimentação. Ou seja, há um empobrecimento da população.

    Já o contrário também é negativo para a economia. Se a inflação fica muito baixa, isso pode indicar que os juros no país estão muito altos, logo, isso dificulta investimentos e, em última instância, o empreendedorismo, já que empresas costumam financiar a sua expansão.

    O papel de calibrar a inflação com juros é do Banco Central. Desde 1999, o país usa um sistema de metas para a inflação, quando o câmbio deixou de ser fixo e o dólar passou a flutuar. Seu objetivo é definir limites para a variação de preços e evitar que eles fujam do controle.

    As bandas de tolerância existem para que o sistema não seja totalmente engessado e possa comportar eventuais choques de preços, como a disparada de algum produto nos mercados internacionais ou crises como a pandemia, que podem derrubar os preços demais e retroalimentar uma recessão

    O ideal em um país de inflação domada, porém, é que o resultado fique a maior parte do tempo o mais próximo possível do alvo central — e isso é algo que quase nunca aconteceu no Brasil. Nos 21 anos de regime de metas, o IPCA nunca fechou o ano exatamente no alvo. Em algumas poucas vezes chegou bem perto dele — o resultado mais próximo foi o de 2000, quando a meta central era de 6% e o IPCA ficou em 5,97%. 

    Na maior parte do tempo, o erro foi bem grosseiro: em 15 dos 21 anos, a distância do resultado final à meta original foi superior a 1 ponto percentual, quase sempre para cima. Em cinco anos, a inflação sequer conseguiu ficar dentro dos intervalos de tolerância, tendo ultrapassado o teto em quatro deles (2001, 2002, 2003 e 2015) e “furado” o piso em um (2017).

    Quando a meta é totalmente descumprida  — ou seja, o IPCA não consegue ficar nem dentro da margem de erro —, o presidente do Banco Central é obrigado a fazer uma carta aberta explicando as razões por não ter cumprido sua missão.

    Logo, isso tudo tem um custo para o bolso dos brasileiros e para as empresas. 

    Recessão com inflação alta

    “A intenção do regime de metas não é acertar na mosca, mas, no caso do Brasil, há pontos que precisam de atenção”, disse o economista Gesner Oliveira, sócio-executivo da consultoria GO Associados. “A nossa meta (4%) já é alta e o intervalo de tolerância é grande. Estamos na pior recessão de nossa história e a inflação ficou acima do previsto. A dificuldade em se manter estável dentro da meta mostra que ainda temos uma propensão inflacionária muito clara.”

    Limitações na indústria e economia muito fechada, que tornam difícil ampliar com agilidade a oferta de algum produto quando ela começa a faltar, são alguns dos fatores que Oliveira menciona para justificar a frequência com que os preços sobem mais do que o planejado no Brasil.

    Em 258 meses, inflação na meta só em um

    No Brasil, diferentemente de como é feito em alguns países, é observado o cumprimento da meta apenas ao fim de cada ano. Não há nenhuma exigência quando ela é estourada no meio do ano. 

    Se não fosse assim, os resultados seriam sofríveis. O CNN Business fez um levantamento para verificar em quantos meses a inflação de fato realizada ficou dentro da meta estipulada. A análise considerou julho de 1999 como ponto de partida, pois foi quando o regime de metas passou a valer. A conta levou em consideração o IPCA acumulado em 12 meses em cada mês.

    De lá para cá, foram 258 meses, dos quais apenas em um o alvo foi atingido em cheio: em julho de 2009, com meta e IPCA em 4,5%. Naquele ano de recessão, a crise financeira internacional atingiu momentaneamente os preços e foi o que ajudou a puxar para o centro uma inflação que vinha rodando a 6%.

    Em todos os outros meses, o indicador operou abaixo ou, com ainda mais frequência, acima do centro da meta. Em um terço do período — 80 meses —, o IPCA furou o teto tolerado. Em outros 19, furou o piso, quase todos eles de 2017 para cá. No total, foram 188 dos 258 meses com o IPCA rodando acima do alvo de referência: é 73% do total. Nos outros 69 meses, o resultado ficou abaixo do centro, o equivalente a 27% do período.

    Veja curiosidades sobre o regime de metas no Brasil:
    • A meta a ser perseguida pelo Banco Central já foi revista algumas vezes. A primeira e mais alta (considerado o centro) foi de 8%, em 1999. A mais baixa foi de 3,25%, em 2003.
    • A inflação ficou acima do centro da meta em 188 meses dos 258 considerados (72,8% do total)
    • A inflação ficou abaixo do centro da meta em 69 meses dos 258 considerados (26,7% do total). Nenhum mês entre 2011 e 2016 registrou inflação abaixo do centro da meta.
    • Dos 258 meses analisados, a inflação ficou a menos de 0,25 ponto do centro da meta, para mais ou para menos, em apenas 24 (9,3% do total)
    • 2009, 2010 e 2018 foram os anos com mais meses próximos do centro da meta: quatro meses cada (considerada a distância máxima de 0,25 ponto para mais ou para menos)
    • Em apenas um mês, de todos os 258, a inflação ficou exatamente no centro: julho de 2009 (meta e inflação de 4,5%). A inflação ficou a menos de 0,1 ponto do alvo em outros 14 momentos. 
    • A inflação descumpriu e furou o teto da meta em 80 meses; todos eles anteriores a 2016
    • A inflação descumpriu e ficou abaixo do piso da meta em 19 meses 
    • A inflação mais alta registrada foi de 17,24%, em maio de 2003 (a meta era de 4%, com piso de 1,5% e teto de 6,5%)
    • A inflação mais baixa registrada foi de 1,88%, em maio de 2020 (a meta era de 4%, com piso de 2,5% e teto de 5,5%)

    O que é o regime de metas

    O sistema de metas para a inflação foi um padrão estabelecido em diversos países no final dos anos 1990 e é usado até hoje para moderar os preços. Aqui, as metas são definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), colegiado ligado ao Ministério da Economia.

    É papel do Banco Central manter o país no centro dessa meta por meio, principalmente, da taxa de juros, a Selic, que é definida por ele: juros baixos estimulam o crédito e o consumo e fazem a inflação subir, enquanto juros altos servem para o oposto.

    A cada vez que o país fecha o ano com o IPCA furando o teto ou o piso dessa tolerância, o presidente do Banco Central deve fazer uma carta aberta explicando as razões por não ter cumprido sua missão. Desde 1999, isso aconteceu cinco vezes, sendo que as quatro primeiras foram por estouros para cima: 2001, 2002, 2003, 2015 e 2017. 

    A meta para o país vem sendo gradativamente reduzida pelo CMN desde 2018, numa tentativa de tentar convergir os patamares de inflação do país com o de outros emergentes parecidos. Em 2021 o centro passou a ser de 3,75% (com tolerância entre 2,25% e 5,23%) e, em 2022, chega a 3,5% (com intervalo de 2% a 5%). 

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