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    El Salvador tornou legal o uso do bitcoin: será que países vão seguir o exemplo?

    União Europeia, Japão e Coreia do Sul são alguns locais onde há regulamentações propositivas sendo avaliadas, mas há países indo na direção oposta

    Matheus Prado, , do CNN Brasil Business, em São Paulo*

    El Salvador se tornou o primeiro país a adotar o bitcoin como moeda legal depois que o Congresso aprovou a proposta do presidente Nayib Bukele de abraçar a criptomoeda. A decisão não passou incólume, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) mostrou preocupação com o impacto potencial. A dúvida é se o país latino-americano será um caso isolado ou se outras nações vão seguir o seu exemplo.

    No Brasil, o bitcoin não tem regulamentação específica, mas não é ilegal. Brasileiros não só podem possuir e negociar criptomoedas no mercado, como também devem declarar ganhos com o investimento dependendo do valor mensal movimentado. 

    Em 2021, a Receita Federal, inclusive, criou códigos específicos para utilizar na Declaração de Imposto de Renda, estabelecendo distinções entre bitcoin, altcoins (como é chamada a maioria das demais criptos) e stablecoins (criptomoedas com valor fixado ao preço de uma moeda fiduciária, como o real).

    Paralelamente, há projetos de lei em discussão no Legislativo. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a unificação dos PLs 2060/2019 e 2303/2015, que tratam da regulação de criptoativos, ambos de autoria do deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ). 

    O primeiro trata de penas para fraudes envolvendo criptoativos, enquanto o segundo propõe a integração das criptomoedas ao arranjo de pagamentos do BC. O PL unificado pode ser apreciado pelo plenário ainda em 2021, mas Ramos de Sousa acredita que o processo pode se arrastar mais.

    No Senado há outros três projetos que, desde maio de 2021, passaram a tramitar em conjunto: 3825/2019, 3949/2019 e 4207/2020. Eles propõem a regulamentação das exchanges (corretoras) e o controle via Banco Central, além de definir regras mais claras de atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entre outras mudanças que dialogam com os projetos que correm na Câmara.

    O Banco Central, por sua vez, classificou o bitcoin e outras criptos como “ativos não-financeiros produzidos”. Além disso, passou a incluir a compra e a venda dos ativos na balança comercial do país, e a atividade de mineração passou a ser classificada como “processo produtivo”.

    Enquanto isso, a CVM criou, em junho de 2020, um sandbox regulatório para explorar security tokens. Ali, instituições podem testar produtos ou serviços com clientes reais, sujeitos a requisitos regulatórios específicos. A entidade também chancelou a entrada de ETFs lastreados em criptos no país.

    Na China, no entanto, o cenário é mais nebuloso. Em maio, noticiou-se que o vice-primeiro-ministro da potência, Liu He, disse a um grupo de autoridades financeiras que o governo iria “reprimir a mineração de bitcoins e a sua atividade comercial” como parte de seu objetivo de alcançar estabilidade financeira. 

    Esse não é exatamente um papo novo por lá, já que o governo já limitou a operação das exchanges (bolsas de cripto). Mas cercear a mineração tem impactos práticos no ambiente de negócios. Isso porque, de acordo com uma pesquisa publicada pela revista científica Nature Communications em abril, o país é responsável por mais de 75% da mineração de bitcoin em todo o mundo. 

    Mas qual a relevância disso? Toda. Por exemplo, o valor do bitcoin é em parte determinado pelo número finito (21 milhões) de moedas que podem ser criadas. Nem todas as moedas estão em circulação, e os “mineradores” de bitcoins usam computadores para resolver quebra-cabeças complexos e “criar novas moedas” na cadeia.

    “A China tem ferramentas para controle de tudo, inclusive da própria moeda. As grandes exchanges chineses já foram fechadas há anos e migraram para outros países para continuar operando”, diz Marcos Viriato, CEO da Parfin, plataforma que consolida portfólios de criptos.

    “Isso não impede, no entanto, que a população continue utilizando bitcoin e outras criptomoedas para fazer remessas internacionais. O que não era proibido por lá era a mineração, mas o país viveu um período de seca e falta de energia, o que fez com que os reguladores tentassem apertar essas atividades.”

    Aqui talvez esteja um dos grandes riscos no momento: o gasto exacerbado de energia muitas vezes não renovável para minerar os ativos ser utilizado como razão para limitar o processo. O argumento foi utilizado inclusive por Elon Musk para suspender a utilização de BTC como forma de pagamento para carros da Tesla. 

    Entidades e empresas ligadas às criptos não tentam diminuir a complexidade da questão, mas argumentam que já existem diversas alternativas para anular essas emissões, como tokens verdes lastreados em blockchain, ou para a utilização de energias renováveis no processo de mineração.

    Moedas digitais de bancos centrais?

    A consolidação das CBDCs (moedas digitais de bancos centrais), apesar de não estarem diretamente ligadas às criptomoedas, também pode ter um peso narrativo na discussão. Aqui precisamos olhar novamente para a China, que avança rapidamente no estabelecimento do yuan digital.

    O governo chinês entende que o ativo pode aparecer como uma moeda futurística que tornará a compra de produtos mais conveniente e segura. As autoridades também dizem que isso pode ajudar aqueles que não têm acesso a contas bancárias e outros serviços financeiros tradicionais. E até aí, tudo bem.

    Alguns analistas temem, no entanto, que o produto seja apresentado como uma solução às criptomoedas, o que, na prática, não é verdade. “A grande questão aqui é se o Estado vai apenas ofertar mais uma solução de pagamentos ou vai utilizar isso como pretexto para rejeitar as outras”, diz Fábio Alves Moura, CLO da consultoria AMX Law.

    “Acredito que pode haver uma retórica de moedas digitais contra criptomoedas, mas obviamente discordo que sejam equivalentes. O dinheiro estatal é instrumento de política monetária e é controlado pelos governos. As criptos partem de um princípio inverso, de descentralização.”

    Restrições de valores mobiliários?

    Na mesma linha, a senadora americana Elizabeth Warren pediu na última quarta-feira (9) que o Congresso dos Estados Unidos agisse contra os “problemas apresentados pelo uso crescente de criptomoedas”, enquanto dizia que uma moeda digital apoiada pelo Federal Reserve (BC dos EUA) mostra “uma grande promessa”.

    “A criptomoeda criou oportunidades para enganar investidores, ajudar criminosos e piorar a crise climática”, disse ela em uma audiência. “As ameaças postadas mostram que o Congresso e os reguladores federais não podem continuar a se esconder, esperando que as criptos desapareçam. Não vão. É hora de enfrentar essas questões de frente.”

    A SEC, CVM americana, havia dito em um comunicado em maio que “encoraja qualquer investidor interessado em investir em um fundo mútuo com exposição ao mercado de futuros de bitcoin a considerar cuidadosamente o risco do fundo, a própria tolerância a risco do investidor e a possibilidade, assim como todo investimento, de perda”.

    “Investidores devem considerar a volatilidade do bitcoin e do mercado de futuros de bitcoin, bem como a falta de regulação e possibilidade de fraude ou manipulação do próprio mercado de bitcoin.” A autarquia ainda não deixou claro, no entanto, como pretende regular a negociação dos ativos.

    Bruno Ramos de Sousa, diretor jurídico da Hashdex, que oferece um ETF lastreado em criptomoedas no Brasil, contemporiza o movimento. Ele afirma que vários países já andaram para frente e para trás quando o assunto é regulamentação de criptoativos, mas acha improvável qualquer medida mais drástica, por se tratar de um mercado trilionário.

    O presidente de El Salvador, Bukele, sabe bem do potencial do bitcoin, tanto que elogiou o seu uso para enviar remessas de volta para casa. De acordo com a nova lei, o bitcoin deve ser aceito pelas empresas quando oferecido como pagamento por bens e serviços. As contribuições fiscais também podem ser pagas na criptomoeda.

    Resta saber se os demais projetos — em especial, do Brasil — vão sair do papel ou não.

    *Com informações da Reuters e do CNN Business

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