Depois de cupons de consumo, restaurantes recebem ajuda para acessar crédito
Setor é fortemente impactado pela crise. Iniciativas buscam dar fôlego ao caixa das empresas, na esmagadora maioria pequenas, e facilitar acesso a empréstimos
Com as portas fechadas por conta das medidas de isolamento impostas para tentar conter o avanço da pandemia de coronavírus, Aldo Galloni se desdobra para manter seu negócio de pé. Pela primeira vez em 24 anos, colocou o tradicional restaurante italiano na região da Faria Lima, em São Paulo, para funcionar no jantar e turbinou as entregas. Mesmo assim, as vendas não chegam a 40% do que eram antes.
O setor de alimentação fora de casa é impactado com força pela crise. Só em março, 150 mil empregos foram cortados e a estimativa é de que o número chegue a 350 mil ao fim desta semana, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). A entidade calcula que a queda de faturamento por conta da COVID-19 será da ordem de R$ 50 bilhões.
Galloni conseguiu manter seus 11 funcionários e diz que demitir está fora de cogitação. Mas, para isso, cometeu o “pecado administrativo” de misturar as contas da empresa com as pessoais.
“Eu sei que é errado em termos empresariais, mas são pessoas vulneráveis e me sinto responsável por elas. Só que preciso rapidamente voltar a separar as contas do restaurante e não tenho dúvida de que vou precisar de crédito para isso”, diz.
Galloni não está sozinho: 53% dos empresários do segmento de alimentação dizem necessitar de medidas relacionadas a crédito para sobreviver ao coronavírus — seja para alongar e renegociar financiamentos já tomados ou para conseguir novos. Os dados são de pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
O estudo ouviu 1,6 mil empreendedores do ramo entre 20 e 23 de março. Deles, 93% relataram queda no faturamento por conta da pandemia. A redução média foi de 66%.
“Só não observou perda quem já atuava muito em delivery (a única saída para não deixar de vender), não por acaso o número de empresas cadastradas em apps aumentou. Mas se o bolo do delivery cresceu, a fatia de cada um está mais apertada”, diz Mayra Viana, analista do Sebrae para o setor.
Para ajudar nessa frente, o iFood já anunciou em parceria com maquininhas de cartão que vai antecipar até R$ 2,5 bilhões em pagamentos a restaurantes que venderem pelo aplicativo de entrega de comida. A promessa é de que as vendas feitas em março, abril e maio caiam na conta em até sete dias.
Na mesma linha do iFood, a Cielo também ampliou de R$ 2,5 bilhões para R$ 5 bilhões o volume de recursos para antecipação de recebíveis para os clientes (de todos os segmentos) por conta da crise do coronavírus. E outra empresa de maquininha, a Stone, anunciou que vai reduzir em 25% a taxa para antecipar os valores.
A antecipação de recebíveis é uma espécie de empréstimo: as empresas disponibilizam à vista valores vendidos à prazo e cobram uma taxa por isso.
Também pensando nas dificuldades de conseguir crédito, a empresa de tecnologia para o mercado de alimentos Suflex lançou em seu site uma plataforma para conectar restaurantes que precisam de caixa a fintechs que oferecem empréstimos com maior rapidez e agilidade e taxas mais atraentes do que as dos bancos tradicionais. É uma espécie de marketplace, que já conta com cinco startups.
Os produtos disponíveis até agora têm juros a partir de 0,85% ao mês + IGPM (índice que corrige o aluguel e, em março, ficou em 1,24%). Em fevereiro deste ano, segundo os últimos dados disponibilizados pelo Banco Central, a taxa média mensal de juros geral dos empréstimos para pessoas jurídicas (incluindo grandes e pequenas empresas) no país ficou em 1,08% ao mês. Para capital de giro com prazo de até um ano, ficou em 1,11%.
Em cima de cada operação concretizada, a Suflex ganhará uma taxa, que a empresa não revela, mas diz que é simbólica. “É uma comissão padrão de mercado só para cobrir os custos. Essa não é uma fonte de renda para a empresa”, diz João Mendes de Oliveira, presidente e cofundador da companhia.
Vender hoje pra entregar amanhã
A iniciativa de crédito se soma a outra gratuita criada pela empresa, uma plataforma por meio da qual os restaurantes podem vender vouchers para consumo futuro. Funciona assim: o cliente compra um bilhete agora, dando algum fôlego de capital para as empresas, e ganha o direito de consumir a refeição lá na frente, na maioria das vezes com descontos e benefícios.
O projeto, batizado de “Menu do Amanhã” e elaborado em parceria com o influenciador Gabriel Gasparini, conhecido como Gaspa, conseguiu arrecadar até segunda-feira (6) R$ 66 mil para 485 empreendedores, um ticket médio de R$ 136.
“As duas são complementares. A venda de vouchers dá uma ânimo legal de receita, mas não dura para sempre. Se o cenário (de isolamento) se alongar, a gente não enxerga as pessoas comprando vouchers por três meses, por exemplo. E tem contas que precisam fechar”, diz Oliveira.
Ele conta que, com boas estratégias de divulgação, alguns restaurantes faturaram até R$ 20 mil com a venda vouchers. Outros que têm “menos familiaridade” com as redes sociais conseguiram atingir menos pessoas. “Para aqueles que precisam de um gás ainda maior, a gente abre essa opção do crédito”, afirma.
Aldo Galloni está no segundo grupo. Ele até se cadastrou em uma iniciativa parecida, a “Apoie um restaurante”, promovida pela marca de cerveja Stella Artois em parceria com o clube de descontos Chefs Club, mas até agora não vendeu nenhum cupom. Mais de 52 mil vouchers de 2,5 mil restaurantes (de 3,4 mil cadastrados) foram vendidos na plataforma.
A Heineken, concorrente da Stella, também lançou uma proposta parecida, mas com foco em bares. Nesse caso, diferentemente da marca da Ambev, a cervejaria vai repassar ao estabelecimento o dobro do valor do ticket pago pelo cliente.
O choque de demanda provocado pela crise do coronavírus impacta qualquer empresa, mas sobretudo as menores. O país tem 1,48 milhão de empresas no setor de alimentação e a esmagadora maioria delas é pequena — 70% são Microempreendedores Individuais (MEIs), 27% são microempresas, 2% são de pequeno porte. Apenas 1% são médias e grandes e faturam mais de R$ 4,8 milhões por ano. Por isso, toda ajuda ao setor é bem-vinda.