Coronavírus é ‘prova de fogo’ para fundos sustentáveis, diz gestor do Fama
Fábio Alperowitch acredita que momento de turbulência nos mercados revelará empresas e gestoras que, de fato, se preocupam com aspectos sociais e ambientais


Quando criou o projeto que originou o fundo Fama, em 1992, Fábio Alperowitch, então com 20 anos, não tinha ideia do significado do conceito de ESG (abreviação de Ambiental, Social e Governança Coporativa, em tradução literal do inglês), ainda em consolidação. Foi por convicção própria que decidiu apostar em empresas que adotassem boas práticas de governança e fossem responsáveis na área socioambiental.
O então estudante de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e estagiário da P&G juntou US$ 10 mil e desenvolveu um projeto de investimentos focado em companhias que enxergassem além dos lucros e retornos vultuosos — mas que também tivessem uma preocupação com seu entorno e o futuro do planeta.
Em um primeiro momento, priorizou companhias que não tivessem suspeitas de fazer caixa dois ou queixas trabalhistas, e depois, focou nas que tinham políticas em nas áreas ambiental e de governança. O resultado, colhido atualmente, é um fundo com R$ 1,7 bilhão em ativos e rentabilidade de 11.102 % nos últimos 13 anos, contra 2.593% de valorização do Ibovespa.
Em quase 30 anos de história, Alperowitch viu a pauta ESG ganhar relevância no mercado de investimentos, com a adesão não só de investidores institucionais, com seus milhões em aportes, mas também pessoa física. Na sua avaliação, esse movimento, retardatário, só aconteceu depois que a maior gestora de recursos do mundo, a BlackRock, distribuiu em janeiro uma carta colocando a sustentabilidade no centro de sua estratégia de investimentos.
“O Brasil vivia em total negação sobre o assunto até janeiro deste ano”, afirmou, em entrevista ao CNN Brasil Business. “Não acho que as questões sócio-ambientais sensibilizaram o mercado financeiro. Não acho que a pressão dos europeus, ou os incêndios Amazônia, sensibilizaram os brasileiros. Foi a carta (da BlackRock) que fez cair a ficha.”

Alperowitch também acredita que fundos e empresas que adotam, na prática, seus compromissos na área ESG sairão mais fortes da atual crise, provocada pelo novo coronavírus. E que o momento de instabilidade atual é um “teste de fogo” que diferenciará quem, de fato, se preocupa com causas sócioambientais e de governança, e quem só faz uso da retórica.
Confira, a seguir, os principais trechos da conversa:
CNN Brasil Business – A ênfase em ativos ESG no Brasil reflete uma preocupação genuína do setor privado, ou é mais retórica?
O Brasil vivia em total negação sobre o assunto até janeiro deste ano. Temas voltados a ESG são importantes na Europa, há muito tempo, e nos Estados Unidos, há um pouco menos tempo. No Brasil, apesar de ter sido amplamente discutido no ano passado por eventos terríveis, como Brumadinho, óleo no Nordeste e incêndios na Amazônia, o tema dominou mais a sociedade civil do que agentes financeiros. Alguns se sensbilizaram, mas não de maneira ampla. Uma mudança começou a transparecer quando o presidente da BlackRock, Larry Fink, escreveu uma carta (colocando a sustentabilidade no centro da estratégia de investimentos do fundo), em janeiro. Foi muito forte para o mercado brasileiro, que pensou: “se a maior (gestora de recursos) do mundo está nisso, não posso ficar de fora dessa onda, porque é um tsunami que vem forte.”
Mas questões ambientais existem desde sempre…
Sim. Mas não acho que as questões sócio-ambientais sensibilizaram o mercado financeiro. Não acho que a pressão dos europeus, ou os incêndios Amazônia, sensibilizaram os brasileiros. Foi a carta da BlackRock que fez cair a ficha. Isso tem duas vertentes. A dos que, de fato, acordaram, que estavam indo para o lado errado, e entendeu que precisa ter atenção. E uma grande maioria que concluiu, convenientemente, que virá um caminhão de dinheiro, que, se ignorado, estará fora do jogo.
De que o forma o COVID-19 impacta esse segmento?
É muito difícil interpretar, porque é momento muito único, que não sabemos ao certo o que acontecerá. Mas as prioridades passaram a ser repensadas. Quem estava na “onda ESG”, e viu fundos caírem, passou deixar a sustentabilidade em segundo plano. O que me incomoda é que muita gente adotava o discurso ESG sem ter a menor noção do significado de sustentabilidade. Era só “bonitinho”, tanto gestoras como empresas. Na crise do novo coronavírus, essas questões ficaram muito explícitas. Aqueles que diziam que pensam no social, no bem-estar dos funcionários, como um pilar básico do ESG, são os mesmos que advogam para o fim da quarentena. As empresas, idem. Esse tem sido um período muito “interessante”, infelizmente, pois o custo é caro, de mostrar quem é quem. Há empresas que de fato honram com o que esperamos, com atitudes maravilhosas, que nos orgulham como parceiro-investidor. E outras que olhamos e dá ânsia.
Esse “teste de fogo” também vale para os gestores?
É a mesma coisa. No nosso relatório de gestão do primeiro trimestre, escrevemos que quando compramos um seguro, de qualquer natureza, torcemos para nunca usá-lo. Mas quando temos que usar,`queremos que funcione. No caso do ESG, há um discurso lindo, mas que no dia a dia, não se aplica. Quando realmente queremos que a empresa tenha valores ESG é quando ela faz uma barragem e tem que cuidar dos funcionários e do meio ambiente; quando numa crise dessa, tem que proteger os colaboradores e fornecedores. No cotidiano, é pouco relevante. O mais importante é, de fato, nessas provas de fogo. E vemos que há muita retórica.
Fundos ESG estão menos expostos à atual turbulência, por terem crescido nos últimos meses ou por outras peculiaridades?
Depende do significado de “estar exposto”. Se exposição signfica o “valor da ação”, a resposta é “não”. Estão, inclusive, mais expostos. Empresas, às vezes, menos líquidas e com teses mais de longo prazo, sofrerão mais, em um momento em que o preço das ações dizem pouco sobre a qualidade dos ativos, e mais sobre resgate e pânico. Têm pouca serventia se formos pensar em risco da empresa. Agora, se entendemos “exposição ao risco” no sentido operacional e estratégico, não tenho a menor dúvida de que a resposta é “sim”, estão menos expostos. Porque, em geral, as empresas com cultura ESG pensam muito a longo prazo. (…) Por isso, quem tem ações de empresas mais sustentáveis, no longo prazo, sai mais protegido. Nesse caso, as decisões não são tomadas para salvá-las nos próximos três meses, mas para perenizá-las. (…) Essas empresas, provavelmente, vão emergir muito mais fortes, com uma fidelidade muito maior de seus fornecedores.
O surgimento de fundos temáticos, de gestoras voltadas à pessoa física, e que privilegiam políticas de equidade de gênero, ou pesquisas voltadas à cannabis, por exemplo, são sintomas de um amadurecimento desse mercado no Brasil?
Há uma nova geração que se importa muito com questões voltadas ao tema ESG. Não é o mainstream, mas é muito relevante para a geração mais nova. Casas como a Warren e Vítreo estão super apoiadas nisso. É natural que isso apareça, mas ainda é muito restrito. É um movimento louvável, mas tem muito mais a ver com o público em que essas empresas estão inseridas, do que o reflexo de uma mudança do mainstream. (…) Sempre gostei de questões ambientais, e toda vez que falava publicamente, em chamavam de comunista. O que tem a ver? Não é ideológico. Direitos humanos e meio ambiente não têm nada a ver com ideologia, mas no Brasil sempre foram tratados dessa forma.