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    Como os EUA estão pagando o preço pela ‘energia verde’ da União Europeia

    A UE se comprometeu a reduzir gases do efeito estufa, instando membros a trocarem os combustíveis fósseis por renováveis como energia solar, eólica ou biomassa

    Majlie de Puy Kamp, da CNN

     

    Andrea Macklin nunca desliga sua TV. É a única maneira de abafar o barulho do moinho de madeira que faz divisa com seu quintal, do som da britadeira da fábrica que parece perfurar suas paredes e janelas, além dos caminhões que carregam toras e roncam a menos de 30 metros de sua casa, dia e noite, sacudindo-a como se um terremoto tivesse tomado conta deste canto tranquilo da Carolina do Norte. Ele usa máscaras desde muito antes da pandemia de coronavírus, apenas para manter a poeira longe de seus pulmões.

    Algumas noites, ele dorme apenas duas ou três horas. Respirar é uma tarefa árdua.

    “Não tive um descanso adequado desde que chegaram aqui”, disse ele.

    Isso foi há oito anos, quando o maior produtor de biomassa do mundo, a Enviva, abriu sua segunda instalação na Carolina do Norte, a oeste da propriedade de Macklin, em Garysburg. A operação utiliza principalmente árvores de madeira de lei e expele biomassa, ou pellets de madeira, um produto de madeira altamente processado e compactado, queimado para gerar energia. A Enviva é uma das quase uma dúzia de empresas semelhantes que se beneficiam de um compromisso de sustentabilidade feito a 6 mil quilômetros de distância, há mais de uma década.

    Em 2009, a União Europeia (UE) se comprometeu a reduzir as emissões dos gases do efeito estufa, instando seus Estados membros a trocarem os combustíveis fósseis por renováveis. Em sua Diretiva de Energia Renovável (RED), a UE classificou a biomassa como uma fonte de energia renovável – assim como a energia eólica e a solar. Como resultado, a diretiva levou os governos a incentivar os fornecedores de energia a queimar biomassa em vez de carvão – e aumentou a demanda por madeira.

    Tanto é verdade que o Sul dos Estados Unidos emergiu como a principal fonte de importação de biomassa da Europa.

    No início deste ano, a UE foi celebrada nas manchetes em todo o mundo quando as energias renováveis ultrapassaram o uso de combustíveis fósseis no continente pela primeira vez na história.

    Mas cientistas e especialistas dizem que é muito cedo para comemorar, argumentando que depender da biomassa para obter energia tem um impacto negativo não apenas para o meio ambiente, mas também para as comunidades marginalizadas – perpetuando décadas de racismo ambiental em comunidades predominantemente negras como o condado de Northampton, onde Macklin e sua família viveu por gerações.

    A tia idosa de Macklin mora bem atrás dele, e uma árvore alta de magnólia fornece sombra para ambas as casas. A casa de sua mãe fica na mesma rua. Eles costumavam fazer churrascos com a família em seu jardim, enquanto as crianças brincavam no gramado, mas eles não fazem isso há anos. Entre o barulho e a serragem da usina, sua casa não é mais um lugar seguro para se reunir.

    Mas é a poluição que mais preocupa.

    “Você não sabe o que está saindo da chaminé”, disse Macklin. “Essa é a minha principal preocupação.”

    Parece contraintuitivo dizer que cortar árvores e queimá-las para obter energia é uma fonte de energia renovável, e, na realidade, é.

    Queimar madeira é menos eficiente do que queimar carvão e libera muito mais carbono na atmosfera, de acordo com quase 800 cientistas que escreveram uma carta em 2018 ao parlamento europeu, pressionando os membros a mudar a atual diretriz “para evitar danos extensos às florestas do mundo ao acelerar mudanças climáticas”. O presidente Joe Biden e outros líderes mundiais receberam uma carta semelhante de centenas de cientistas do clima no início deste ano.

    “Não consigo pensar em nada que prejudique mais a natureza do que cortar árvores e queimá-las”, disse William Moomaw, professor emérito de política ambiental internacional na Tufts University.

    Ainda assim, ao queimar madeira, as usinas europeias podem reduzir sua pegada de carbono – pelo menos no papel.

    Em 1996, cientistas das Nações Unidas desenvolveram um método para medir as emissões globais de carbono. Para simplificar o processo e evitar a contagem dupla, eles sugeriram que as emissões da queima de biomassa deveriam ser calculadas onde as árvores são cortadas, não onde os pellets de madeira são queimados.

    A UE adotou essa metodologia em sua Diretiva de Energia Renovável, permitindo que as empresas de energia queimem a biomassa produzida nos EUA sem ter que relatar as emissões.

    O método de contabilidade – que nunca teve a intenção de atribuir responsabilidade nacional pelas emissões de carbono, de acordo com especialistas em clima – gerou muita discussão e desacordo entre defensores, cientistas e legisladores. Mas, em última análise, não é a contabilização do carbono que é o problema, e, sim, as emissões.

    “Isso não muda a realidade física”, disse Tim Searchinger, pesquisador sênior da Universidade de Princeton. “Uma lei projetada para reduzir as emissões que, na realidade, incentiva aumento nas emissões é falha”, disse ele, referindo-se à diretiva da Europa.

    Em última análise, a Europa não está reduzindo as emissões queimando árvores americanas – está apenas terceirizando as queimadas para os Estados Unidos.

    “A ideia era reduzir nosso vício em combustíveis fósseis”, disse Bas Eickhout, político holandês e membro do Parlamento Europeu. A biomassa era uma opção atraente para os países da UE na época, explicou ele, porque era muito mais barata do que a energia solar ou eólica e podia ser “misturada” na queima do carvão.

    No entanto, os tomadores de decisão europeus não consideraram totalmente as repercussões da importação de biomassa, disse Eickhout, acrescentando que “eram muito ingênuos”.

    “A produção de biomassa se tornou um processo industrial, o que significa que algo deu fundamentalmente errado”, disse ele. “A profissionalização da indústria de biomassa é um problema que precisa de atenção.”

    A diretiva europeia provocou consequências preocupantes do outro lado do Atlântico. Ao não restringir a biomassa ao subproduto da fabricação de papel, móveis ou madeira, a Europa criou um forte incentivo para cortar árvores inteiras e transformá-las em pellets de madeira.

    Estimuladas por subsídios governamentais, as usinas europeias passaram a importar biomassa da maior região produtora de madeira do mundo: o sudeste americano.

    A Carolina do Norte tem sido o “marco zero” para a indústria de pellets de madeira, disse Danna Smith, cofundadora e diretora-executiva do grupo de defesa ambiental Dogwood Alliance. Cento e sessenta e quatro acres de florestas do estado são cortados pela indústria de biomassa todos os dias, de acordo com uma análise da Key-Log Economics.

    A Enviva, que possui quatro fábricas de pellets de madeira na Carolina do Norte, diz que seu produto está lutando contra as mudanças climáticas.

    “Quando adquirida de forma responsável, a biomassa à base de madeira é reconhecida pelas principais organizações internacionais e cientistas como uma fonte de energia ecologicamente correta, renovável e neutra em carbono”, escreveu Enviva em um comunicado, acrescentando que eles exigem que as florestas de onde vêm ”se regenerem naturalmente ou por meio do replantio”.

    Ainda assim, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – o órgão da ONU que criou a metodologia de contabilidade de carbono – afirma que suas diretrizes “não consideram ou assumem automaticamente a biomassa usada para energia como ‘neutra em carbono’, mesmo nos casos em que a biomassa é produzida de forma sustentável”.

    E o Plano de Energia Limpa da Carolina do Norte observa que a biomassa “não promove a economia de energia limpa (no estado)”. O plano também reconhece que a maior parte dos pellets de madeira produzidos no estado são exportados para a Europa e que “a ciência sobre a neutralidade de carbono e os métodos de contabilidade são questões controversas”.

    A biomassa é renovável apenas no sentido de que as árvores podem voltar a crescer, disse Grant Domke, que lidera uma equipe de pesquisa e relatórios sobre os estoques de carbono e mudanças nas áreas florestais do Serviço Florestal dos EUA. “Mas isso é diferente de ser neutro em carbono.” Quando se trata de Europa reduzir as emissões de carbono pela queima de biomassa americana, “a matemática não bate”.

    Mesmo assim, a indústria de biomassa não dá sinais de desaceleração. Drax, uma empresa britânica que opera a maior usina de energia do Reino Unido, adquiriu várias usinas de pellets de madeira no sul dos Estados Unidos e está desenvolvendo outras. A Enviva também está construindo novas instalações e expandindo as existentes – incluindo a fábrica em Northampton County, na Carolina do Norte, onde Macklin e sua família moram.

    Na última década, a população do condado de Northampton tem diminuído e, apesar de uma clara necessidade de cuidados de saúde, havia apenas um médico para atender toda uma população de pouco menos de 20 mil habitantes, em 2018.

    Naquele mesmo ano, uma avaliação de saúde feita pelo departamento de saúde do condado perguntou aos residentes se eles já haviam sido diagnosticados com certas doenças. O relatório mostrou que mais de 60% dos participantes disseram que tinham pressão alta, mais da metade disse que estava com sobrepeso e mais de 20% disseram que sofriam de depressão ou diabetes. Quase 11% dos residentes disseram ter doenças cardíacas.

    Os dados mais recentes dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA mostraram que mais de um em cada 10 adultos em Northampton tinha asma em 2018. As hospitalizações por asma no condado, no entanto, são mais baixas do que no estado como um todo, de acordo com o Departamento de Qualidade Ambiental da NC.

    Macklin, pai de dois filhos e residente ao longo da vida em Northampton, está vivendo essas estatísticas. Dois anos atrás, o problema cardíaco do homem de 44 anos piorou, obrigando-o a abandonar o emprego em uma fábrica de embalagens de carne e deixando-o com uma deficiência, como mais de 16% dos residentes do condado com menos de 65 anos.

    A esposa de Macklin e o filho de 21 anos sofrem de asma, uma condição que Macklin disse ser exacerbada pela poluição e poeira que vêm da fábrica da Enviva atrás de sua casa. Desde que a fábrica começou a funcionar, disse ele, sua esposa e filho não conseguem ficar mais de cinco minutos fora de casa sem tossir.

    Antes de a Enviva abrir sua fábrica em Northampton, os 551 quilômetros quadrados que compõem o condado já eram o lar de três grandes fontes de poluição do ar – instalações que obtiveram uma licença sob o Título V da Lei do Ar Limpo para a emissão de grandes quantidades de poluentes atmosféricos. Outras três dessas instalações estão localizadas a menos de 3 quilômetros da divisa de Northampton, no vizinho Condado de Halifax.

    Em 2013, a Enviva se tornou o quarto titular da licença Título V no condado de Northampton, emitindo toneladas de partículas finas perigosas, ou PM2.5, monóxido de carbono e uma série do que a Agência de Proteção Ambiental chama de “Poluentes Perigosos do Ar” – incluindo formaldeído e metanol.

    “Todas as nossas fábricas operam em conformidade com suas licenças e padrões legais de emissão, não apresentando risco ou problema para a saúde pública ou meio ambiente”, disse Enviva em um comunicado, acrescentando que um monitor de qualidade do ar instalado a 5 milhas do condado descobriu que os níveis de PM2.5 não “apresentavam risco à saúde” dos residentes do local.

    No entanto, os padrões federais relacionados a partículas finas não protegem a saúde pública, de acordo com 20 cientistas que participaram de um painel da EPA em 2018 e instaram o governo a impor padrões de poluição mais rígidos.

    A EPA não tomou medidas na época, mas anunciou no mês passado que está dando uma outra olhada nos padrões federais para PM2.5, dizendo que “evidências científicas e informações técnicas indicam que os padrões atuais podem não ser adequados para proteger a saúde pública e o bem-estar, como exigido pela Lei do Ar Limpo”.

    A exposição à poluição PM2.5 durante todo o ano – partículas pelo menos 20 vezes mais finas do que um fio de cabelo humano – tem sido associada ao desenvolvimento de asma e diminuição da função pulmonar em crianças, além do aumento do risco de desenvolver câncer, ataques cardíacos, derrames e morte por doenças cardiovasculares, de acordo com a EPA. 

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    A população de Northampton – que, de acordo com a análise da CNN, tem um dos maiores números dos maiores poluidores do ar per capita no estado – é predominantemente negra, ressaltando preocupações de longa data sobre o racismo ambiental.

    O Departamento de Qualidade Ambiental da Carolina do Norte, a agência encarregada de conceder licenças de qualidade do ar no estado, se recusou a comentar esta matéria.

    “Fomos desrespeitados durante toda a nossa vida”, disse a moradora Belinda Joyner, 68, que luta contra o racismo ambiental em sua comunidade há décadas, “e ainda estamos sendo desrespeitados”.

    Os poluidores de PM2.5 nos Estados Unidos “afetam desproporcional e sistemicamente as pessoas de cor”, de acordo com um estudo recente que observou que esse tipo de exposição é responsável por até 200 mil mortes nos Estados Unidos por ano.

    Quando há “degradação do ar e da terra, vemos simultaneamente a degradação da comunidade”, disse Smith, da Dogwood Alliance.

    Todas, exceto uma das nove fábricas em operação da Enviva no país, estão localizadas em comunidades com maior porcentagem de residentes negros do que seus estados como um todo, de acordo com uma análise da CNN dos dados do censo da American Community Survey. A única exceção foi a fábrica da empresa no sudeste da Geórgia.

    Além disso, todas as fábricas da Enviva estão em setores censitários que têm renda familiar média mais baixa do que seus estados, e oito das nove – todas exceto a do sul da Virgínia – estão em setores com taxas de pobreza mais altas do que seus estados como um todo.

    Para alguns, como Macklin, a presença da Enviva dificilmente beneficiou a comunidade.

    “Eles simplesmente vêm e fazem o que querem fazer”, disse Macklin, acrescentando mais tarde: “Aquela fábrica fica ligada 24 horas por dia. Não para. Sete dias por semana.”

    Kathy Claiborne, 59, que mora do outro lado da fábrica da Enviva em Northampton, antecipa as noites sem dormir tentando tirar uma soneca quando chega do trabalho. O barulho é pior por volta das 2 da manhã, disse ela.

    “Nunca pensei realmente sobre o ruído como um perigo para a saúde até conversar com as comunidades que vivem ao lado das instalações da Enviva, e elas disseram que não conseguem dormir à noite”, disse Smith. “Não conseguir dormir está privando as pessoas de um dos fundamentos mais importantes da saúde humana.”

    Em resposta à CNN, Enviva disse que a empresa leva muito a sério “as questões de justiça ambiental levantadas em relação às nossas operações. E, trabalhamos em estreita colaboração com nossas comunidades e líderes comunitários para garantir que nossas operações tragam impactos econômicos e ambientais positivos”. A empresa também disse que não recebeu reclamações de ruído além de “reclamações genéricas” em uma audiência recente levantada pelos “mesmos ativistas que ouvimos antes”.

    Enviva alegou que um relatório do Departamento de Qualidade Ambiental da Carolina do Norte garante que “não há impacto negativo sobre as comunidades desfavorecidas ou minoritárias de nossas fábricas ou operações”.

    No entanto, a Declaração de Impacto da Justiça Ambiental de 2019 apenas descreve os dados demográficos ao redor da fábrica – observando as altas taxas de deficiência e pobreza na maioria da população negra – e não fornece recomendações ou chega a conclusões sobre o impacto que a indústria teria na comunidade.

    Ainda assim, em junho, a Câmara de Comércio do condado concedeu à Enviva o prêmio de “Negócio Corporativo do Ano” – destacando que a empresa “continuamente apoiou, doou e investiu seu tempo e talentos em organizações e causas locais”.

    Do outro lado da divisa na Virgínia fica uma rara e protegida floresta.

    Uma árvore surge da água em uma floresta pantanosa em Courtland, Virgínia
    Uma árvore cipreste surge da água em uma floresta pantanosa em Courtland, Virgínia.
    Foto: Will Lanzoni, CNN

     

    “Estamos observando árvores ao nosso redor com mais de mil anos”, disse Smith, enquanto manobrava seu caiaque entre os ciprestes, apontando diferentes espécies e identificando pássaros cujos habitats estão ameaçados pela extração industrial de madeira. É uma “joia incrível de um ecossistema”, disse ela.

    Os ciprestes, alguns com troncos mais largos do que um sedã, erguem-se entre nenúfares e represas de castores. No inverno, a água sobe e esconde os troncos de árvore maciços, rachados e muitas vezes ocos que são visíveis nos meses mais quentes. O barulho da rodovia próxima é abafado por uma orquestra de pássaros. Os peixes saltam da água como se estivessem em um filme de animação. É pacífico, verde e surpreendentemente fresco em um dia de verão sufocante.

    A floresta de 535 acres – cercada por centenas de milhares de acres de plantações de pinheiros e clareiras – é uma agulha preciosa em um palheiro.

    “A indústria florestal e a indústria de pellets de madeira dizem que as árvores são renováveis”, disse Smith, mas “não estamos renovando ecossistemas milenares. Eles estão renovando florestas para produção comercial. Então você verá árvores na paisagem que talvez tenham, você sabe, 30 anos. Isso não é um ecossistema – é uma fazenda de fibras. ”

    Desde que as árvores sejam replantadas, argumentam Enviva e defensores da indústria da biomassa, queimá-las pode ser considerada uma energia renovável. Mas a realidade não é tão simples.

    Quando as árvores são cortadas e queimadas, todo o carbono armazenado é imediatamente emitido para o ar, explicou Moomaw, professor da Universidade Tufts. Para uma nova árvore crescer e reabsorver a mesma quantidade de carbono leva décadas – tornando as tentativas mundiais de se tornar neutro em carbono dentro do prazo, como a UE quer até 2050, uma meta assustadora.

    Na melhor das hipóteses, plantar uma muda para cada árvore derrubada mantém as emissões de carbono neutras ao longo do tempo – não remove mais carbono da atmosfera, frisou Moomaw.

    “Está nos impedindo de piorar, mas não está melhorando”, disse ele.

    Ou, como Smith colocou de forma alarmante: “estamos perdendo décadas de tempo cada vez que as florestas são derrubadas – tempo que não temos”.

    Viajando de volta para Northampton, Smith aponta para um terreno de 50 acres com árvores derrubadas – uma imagem chocante a menos de uma hora da exuberante floresta pantanosa ao leste.

    A Enviva recebeu 15% das árvores antes vivas e em pé – consideradas “madeira de baixo valor” pela indústria de biomassa porque não atende às especificações para madeira serrada.

    “Esta é a zona de sacrifício de nossa nação para o consumo insustentável de produtos de madeira e produtos de que não precisamos”, disse Smith. “Esses pellets de madeira nem mesmo estão produzindo eletricidade aqui. Isso é completamente desnecessário.”

    Thomas Garner trabalha em madeireiras – derrubando árvores e carregando-as em caminhões – desde os 16 anos. Ele se lembra de puxar toras nas costas e carregar os caminhões à mão. Grandes máquinas – apropriadamente chamadas de carregadores de toras – tornaram seu trabalho muito mais fácil, mas mesmo aos 83 anos ele dirige veículos de 18 rodas totalmente abastecidos para fábricas de madeira e papel em todo o condado de Northampton e além.

    Enviva tem sido bom para seu negócio como um contratante independente, disse ele, um sentimento ecoado por outros que falaram à CNN.

    Mas os empregos têm um preço alto para o condado de Northampton.

    As autoridades locais ansiosas para tirar Northampton de seu status de Nível Um – uma designação do estado para seus 40 condados de classificação mais baixa em termos de bem-estar econômico – atraíram empresas, incluindo a Enviva, para a área com incentivos financeiros. 

    Mas esses incentivos na verdade prejudicaram Northampton, disse Williams, o atual Diretor de Desenvolvimento Econômico do condado.

    No caso da Enviva, entre as condições que a empresa concordou estavam a criação de 62 empregos em tempo integral, disse Williams, acrescentando que, em troca, o condado de Northampton pagaria à empresa US$ 360.556,70 por ano, além de 120 acres de terra e mais de US$ 500 mil em canos de água, esgoto e gás, entre outros apoios.

    “Acho que eles incentivaram demais para trazer essas empresas para cá, e isso fez com que a alíquota de impostos subisse para cumprir o orçamento”, disse Williams.

    Entre 2011 e 2019, a taxa de imposto sobre a propriedade no condado de Northampton aumentou quase 6%. O condado teve a terceira maior taxa de imposto sobre a propriedade do estado nos últimos cinco anos.

    É um fardo que muitos residentes não conseguem carregar.

    Northampton tem uma das maiores taxas de desemprego do estado – que quase dobrou durante a pandemia de Covid-19 – e quase 22% de seus residentes vivem na pobreza.

    “Se a indústria de produtos de madeira e a biomassa fossem uma forma de fortalecer as economias rurais na região sudeste, essas comunidades rurais deveriam ser algumas das mais ricas do planeta”, disse Smith. “Estamos na maior região produtora de madeira do mundo. Mas você não vê nenhuma evidência nessas comunidades de economias rurais prósperas. O oposto é realmente verdade.”

    A Enviva atualmente emprega 98 pessoas em suas instalações de Northampton e paga cerca de 37% a mais do que o salário médio no condado, disse a empresa à CNN em um comunicado, acrescentando que se esforçam para contratar localmente se os trabalhadores tiverem as qualificações certas.

    O salário é um dos motivos pelos quais até Macklin se candidatou a empregos na Enviva, mais recentemente há cerca de dois anos. Ele disse que já trabalhou em fábricas de madeira antes e esperava um emprego perto de casa, mas nunca teve notícias da empresa. Macklin, que recentemente passou por uma grande cirurgia cardíaca, disse que não se candidatará novamente por preocupação com sua saúde.

    “Eu não gostaria de ficar perto de toda aquela poeira”, disse Macklin. “Eu não quero inalar.”

    Em uma manhã quente de quarta-feira no final de maio, Joyner e seu colega ativista comunitário Richie Harding dirigiram uma hora e meia até Raleigh para protestar contra a indústria de pellets de madeira e entregar uma petição ao gabinete do governador, pedindo-lhe para manter futuras operações de biomassa fora da Carolina do Norte.

    Em uma entrevista coletiva, Joyner enfatizou que sua comunidade era um “depósito de lixo” para indústrias nas quais ninguém mais quer morar.

    Harding, outro residente do condado de Northampton, chamou o que considera ser racismo ambiental visando sua cidade natal: “Se a vida dos negros é importante, por que minha comunidade é o local desejado para uma instalação que não apenas encurtaria minha vida, mas também a de minhas crianças?”.

    Apesar dos amplos argumentos contra a biomassa, a Enviva recebeu desde 2013 mais de US$ 7 milhões em subsídios de agências federais, estaduais e locais para produzir pellets de madeira para exportação para a Europa.

    Em todo o sul, a indústria de biomassa continua crescendo. Doze novas fábricas em seis estados, incluindo duas instalações propostas da Enviva no Alabama e Mississippi, solicitaram licenças, de acordo com dados do Southern Environmental Law Center. As fábricas existentes, como a operação da Enviva em Northampton, estão em expansão.

    A UE, que pretende ser neutra para o clima até 2050, deve revisar sua Diretiva de Energias Renováveis ??em julho e deve atualizar os critérios de sustentabilidade para a biomassa. Os críticos esperam que restrinja as importações de biomassa do exterior, excluam árvores vivas inteiras como “produto residual” e contabilizem adequadamente as emissões de carbono do corte e queima de madeira.

    Mas um documento revelado sugere que não haverá mudanças substanciais na diretiva da Europa.

    “Não abordará os dois principais problemas com biomassa: queimar madeira para obter energia é pior do que queimar carvão e cortar árvores “danifica profundamente os ecossistemas e a biodiversidade”, escreveu Mary Booth, cientista e diretora da Partnership for Policy Integrity, em uma crítica ao esboço do documento.

    A Comissão Europeia se recusou a comentar o projeto, mas confirmou que a diretiva revisada será publicada em 14 de julho.

    Nos EUA, os legisladores federais ainda não determinaram o destino dos pellets de madeira.

    “A biomassa é categoricamente incompatível com nossos objetivos de clima, justiça e saúde”, disse o senador democrata Ed Markey, de Massachusetts, que se opôs com sucesso à permissão de uma usina de biomassa em seu estado, em um comunicado à CNN. Nem o planeta nem os Estados Unidos, disse ele, podem “se dar ao luxo de cometer o mesmo erro que permitiu à União Europeia colocar a biomassa no mesmo nível de fontes de energia verdadeiramente renováveis, como a eólica e a solar”.

    Sob o comando do ex-presidente Donald Trump, a Agência de Proteção Ambiental planejou seguir os passos da Europa e classificar a biomassa como uma fonte de energia neutra em carbono, mas isso nunca aconteceu. Apesar do compromisso do governo Biden com o combate ao aquecimento global, os ativistas se preocupam em não reconhecer a ameaça da biomassa e da extração industrial.

    “Nos Estados Unidos, tudo o que vemos de valor em uma floresta é uma nota de um dólar”, disse Smith. “Não reconhecemos os custos desta destruição.”

    De volta a Northampton, Macklin se sente igualmente derrotado.

    “Estarmos em uma área pobre quero dizer, o que podemos fazer?”, disse. “Uma empresa assim com dinheiro… não temos dinheiro para lutar contra ela e parece que não temos ninguém lutando por nós.”

    (Texto traduzido. Para ler o original, clique aqui.)