Com lei do clube-empresa, times endividados podem pedir recuperação judicial
Processo de recuperação pode ser um bom caminho para clubes com dívidas milionárias, mas que precisarão profissionalizar a gestão do futebol
Em breve, os times brasileiros de futebol poderão se tornar empresas. Isso vai acontecer se o presidente Jair Bolsonaro sancionar uma lei aprovada no Congresso que regulamenta a Sociedade Anônima de Futebol (SAFs).
Hoje, os clubes funcionam como associações sem fins lucrativos (exceto Red Bull Bragantino, Botafogo-SP e Cuiabá). Com a mudança, São Paulo, Flamengo, Grêmio e outros poderão abrir capital na B3, emitir debêntures e atrair investidores estrangeiros.
Uma das novidades que a nova lei traz é a possibilidade dos clubes irem à justiça para pedir recuperação judicial (RJ), um processo onde a empresa se reorganiza financeiramente e negocia suas dívidas com a intermediação do Poder Judiciário.
Enquanto as dívidas do futebol brasileiro só crescem – Cruzeiro, Corinthians e Botafogo, por exemplo, devem mais de R$ 900 milhões cada, segundo a consultoria Sports Value – ter a chance de recuperar o controle das finanças com a ajuda da justiça parece uma boa opção para os times.
Thomaz Luiz Sant’Ana, sócio do escritório PGLaw e especialista em recuperações judiciais, acredita que os pedidos de RJ devem explodir depois que Bolsonaro sancionar o PL 5516/2019. “Sabemos que os clubes estão endividados e não têm como resolver esse problema. O caminho que o PL traz é uma boa solução. Se o clube for sério e disposto a buscar equalização da dívida, deve seguir esse por aí”, afirma o advogado.
O presidente do Cruzeiro, Sérgio Santos, já demonstrou publicamente o desejo de transformar o clube em empresa e buscar a RJ. “Podemos ir no caminho da recuperação judicial. Estou brigando para que os clubes entendam que é uma alternativa”, disse Santos em uma live apresentada pela TV Senado.
Depois que a lei entrar em vigor (se sancionada por Bolsonaro) o processo de recuperação judicial dos clubes não deve ser diferente do que é feito com empresas tradicionais, segundo Sant’Ana.
Apesar de ser um caminho interessante, a RJ não deve ser uma trilha comum para todos os times. O sócio da PGLaw espera que grandes clubes que apresentaram bons resultados esportivos nos últimos anos consigam recuperar o controle de suas finanças usando outros instrumentos que a formação de uma SAF oferece, como investimentos de outras empresas e até abertura de capital.
Obrigações
Independentemente da forma que os clubes escolherem para reestruturar suas vidas financeiras, uma coisa é certa: os gerenciamentos das agremiações devem passar por um processo de profissionalização. Hoje, os clubes são conhecidos por disputas de poder e má gestão de recursos, já que não precisam visar o lucro e podem deixar o prejuízo para o próximo gestor administrar.
Quando olhamos para as dívidas dos clubes brasileiros, especialmente se comparadas às receitas, vemos que a situação é complicada para muitos deles. Confira no quadro abaixo.
Nenhum investidor vai aportar milhões de reais em uma operação que não consiga parar de pé. Essa é a premissa da iniciativa privada. Se optarem por um processo de recuperação judicial, os clubes precisarão mostrar aos credores profissionalismo na gestão e compromisso com o que for acordado em tribunal.
Por isso, é necessário arrumar a casa, segundo o consultor Pedro Daniel, da EY. “O projeto de lei ajudará a trazer segurança jurídica para o investidor, mas a gestão das equipes precisa mudar”, diz ele.
“Os clubes-empresas terão a obrigação de se profissionalizar, mas isto não pode ser visto como um câncer”, afirma Thomaz Luiz Sant’Ana. “Vejo a ferramenta (RJ) com bons olhos porque os times seriam obrigados a serem profissionais. Claro que não é garantia de nada, existem várias empresas afundadas em dívidas, mas temos várias ferramentas de fiscalização que os clubes não têm hoje”.
O caso Figueirense
Um time já conseguiu se enquadrar na lei de recuperação de empresas e falências. O Figueirense conseguiu na justiça de Santa Catarina o direito a entrar em processo de recuperação judicial.
O caso ganhou repercussão depois que em 2017, o Figueirense repassou o futebol para a holding de investimentos Elephant cuidar. O ânimo era grande e a conquista do catarinense ajudou a trazer ainda mais otimismo. Mas foi só.
O contrato que teria 20 anos de duração terminou em dois, após a falta de pagamentos de salários e até de alimentação. O clube chegou a perder uma partida por W.O. por protesto dos jogadores. Em 2021, ano de seu centenário, vai disputar a terceira divisão.
Para Sant’Ana, o caso abre precedente para que clubes que não são empresas também tentem se submeter ao instituto da recuperação judicial. Porém, com a lei do clube-empresa, o advogado avalia que a tendência é que a justiça faça com o que os clubes sigam a nova alternativa.
“O Figueirense não tinha o caminho da nova lei. Tentou e conseguiu sem ela. Agora, com a nova lei do clube-empresa tendência é que clubes precisem seguir o estabelecido pela nova legislação. Se quiserem simplesmente pedir RJ sem formar sociedade anônima e transferir ativos do futebol para ela, isto pode ser visto como atitude temerária”.