Com carro popular perdendo espaço, quem deve ocupar este lugar no mercado?
Como sempre acontece, o mercado deve se adaptar. Levantamos algumas possibilidades para futuros substitutos do carro popular
Os sinais de alerta já apareceram: continuando o mercado automotivo no rumo em que está hoje, o carro popular como forma de se obter um veículo pessoal 0 km acessível pode acabar. Ao menos da forma que o conhecemos hoje. Dados da Fenabrave, Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores, já mostraram que o segmento de “carros de entrada” ficou reduzido a 12,7% de participação total no ano passado, após atingir um pico de 49,1% em 2003.
Vários elementos estão ajudando nisso. Exigências ambientais e a obrigatoriedade de mais equipamentos de segurança estão pressionando os valores dos carros de entrada para cima. Assim, a categoria, que já tinha margens de lucro espremidas, vem se tornando menos atrativa. E isso vale tanto para as montadoras quanto para o público.
Do lado de quem fabrica, a redução do volume total de vendas no mercado por conta da pandemia e da crise econômica decorrente tirou ainda mais o incentivo de se oferecer um modelo “popular”, pois dificilmente se atingirá um nível de vendas grande o suficiente para justificar os custos.
A consequência já pode ser vista nas lojas, onde apenas quatro carros hoje são considerados como “carros de entrada” pela Fenabrave: Fiat Mobi, Renault Kwid, Volkswagen Gol e Fiat Uno. Somente em 2021, houve duas baixas após o Volkswagen up! e o Toyota Etios terem saído de linha.
O público também está mais exigente e pedindo carros cada vez mais completos. Assim, os modelos populares ficam cada vez mais restritos a frotas e empresas, em busca apenas de um veículo barato. Com a desvalorização do real pressionando os preços para cima e a perda do poder de compra, a parcela da população que compraria um carro de entrada está menor.
Mas, como sempre acontece, o mercado deve se adaptar. Levantamos algumas possibilidades para futuros substitutos do carro popular.
Mais velhinhos
Não é de hoje que os carros usados surgem como a primeira opção para quem não pode comprar um carro 0 km. Porém, também está mais difícil -e caro- comprar um modelo de segunda mão. Desde o início da pandemia, as montadoras ainda não retomaram o ritmo de produção, tendo que suspender as atividades por alguns períodos, e ainda encarando uma falta global de insumos e componentes eletrônicos.
O resultado é que já faltam carros 0 km nas lojas, e as montadoras concentram a produção e os recursos que possuem na fabricação de modelos mais rentáveis. Na falta do novo, os preços dos usados já subiram, e alguns modelos seminovos já estão sendo comercializados por valores mais altos que os de seus correspondentes 0 km, simplesmente pela comodidade de o carro já estar disponível.
Para quem está querendo gastar pouco na compra de um veículo, a solução vem sendo adquirir carros cada vez mais antigos. Isso traz algumas consequências negativas. Uma delas é que a idade média da frota tende a aumentar, com os antigos ficando mais tempo em circulação, e os novos participando cada vez menos no total da frota nacional. Assim, o que pode acontecer é termos um uso mais prolongado de carros menos eficientes, mais poluentes e menos seguros.
Mini SUVs
Um dos poucos segmentos que permaneceu aquecido ao longo da pandemia foi o de utilitários esportivos. Geralmente derivados de carros convencionais, porém com visual mais robusto e altura elevada de direção, os SUVs são produtos de maior valor agregado. Isso quer dizer que as montadoras ganham mais por unidade produzida, e o público está disposto a pagar mais por eles.
Um movimento que já se observa no mercado é a da introdução de SUVs cada vez menores e mais baratos. Não são tão acessíveis quanto o carro popular, mas podem ser um bom meio termo entre o que as montadoras têm interesse em vender e o que o público quer e pode pagar. Isso já está acontecendo na Índia, onde a Renault apresentou o Kiger, uma espécie de SUV do Kwid. E essa onda dos mini SUVs também deve chegar ao Brasil.
A Fiat anunciou recentemente um utilitário esportivo baseado no Argo, um de seus hatches mais baratos atualmente. O modelo ainda não teve o nome definido, mas deverá ser uma alternativa mais em conta ao Jeep Renegade, da marca de utilitários também pertencente ao grupo Stellantis.
Além disso, a Nissan, que faz parte do mesmo grupo que a Renault, deve trazer em breve para o Brasil sua versão do SUV do Kwid: o Magnite, que deve entrar no lugar do March, hatch que saiu de linha no ano passado, na fábrica da marca em Resende (RJ).
Carros elétricos
Considerando que os carros populares nasceram para suprir as necessidades básicas de transporte, principalmente em centros urbanos, a popularização dos carros elétricos tende a ser benéfica. Com uma manutenção mais simplificada e um custo de uso menor, compensam o seu preço elevado com a comodidade de abastecer na tomada de casa e zero emissão de poluentes.
Claro que esta é uma aposta de médio prazo, contando que a popularização da tecnologia irá trazer os valores para baixo, tornando-os mais acessíveis para uma parcela maior do público.
Compartilhamento e assinatura
Quando os carros populares foram criados por lei, em 1993, celulares eram algo de outro mundo ainda. Hoje, qualquer pessoa com um smartphone e um cartão de crédito consegue acesso a aplicativos de transporte ou de compartilhamento de veículos. Assim, deixa-se de gastar com a propriedade do carro e paga-se apenas pelo uso.
Outra alternativa são os serviços de carros por assinatura. Hoje, quem compra um carro 0 km, principalmente financiado, tem que lidar com parcelas, impostos, seguro e, algumas vezes, custos de estacionamento. Nesse tipo de serviço, paga-se uma parcela mensal pelo uso do veículo e o contrato pode ter prazos entre 6 a 36 meses de duração, com opções variadas de limites de quilometragem. O que o consumidor não tem são os gastos derivados da propriedade do automóvel.
A Renault, por exemplo, tem o serviço “Renault On Demand”, onde pode-se ter a assinatura de um Kwid por 12 meses com franquia de 1.000 km por mês pagando R$ 1.359 mensalmente. Quanto maior o prazo do contrato (pode ir até 24 meses) e menor a franquia de quilometragem, menor fica o valor.
Soluções de mobilidade urbana
Falando em compartilhamento, outra opção que simplesmente não existia na época do nascimento do carro popular eram modais de transporte, como bicicletas e patinetes elétricos compartilhados. Além disso, há integração entre diferentes tipos de transporte público, e a malha de ciclovias está muito maior do que na década de 1990, principalmente nos grandes centros.
Para quem tinha um carro popular para percorrer trajetos curtos na cidade, pode ser uma opção também.