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    Cirque du Soleil, Hertz, Oi: o que esperar dos pedidos de RJ durante a pandemia

    Crise sugere que haverá um elevado número de pedidos de recuperação judicial até o final do ano, mas especialistas temem pela eficácia da medida

    Matheus Prado, , do CNN Brasil Business, em São Paulo*

    A magnitude da crise financeira observada durante o segundo trimestre de 2020, por conta do novo coronavírus, sugere que haverá um elevado número de pedidos de recuperação judicial até o final do ano. Empresas de todos os portes sofrem para equilibrar contas enquanto as suas receitas caem drasticamente, em consequência da restrição no trânsito de pessoas e mercadorias.

    Nos Estados Unidos, onde o trâmite é mais comum, grandes companhias, como a locadora de veículos Hertz, já recorreram à justiça para tentar equalizar as contas este ano. A última a pedir socorro, na segunda-feira (29), foi a gigante do entretenimento Cirque du Soleil. Com todos os seus espetáculos parados durante a quarentena, precisou demitir cerca de 95% de sua força de trabalho e negociar suas dívidas com credores.

    Aqui no Brasil, segundo apontam especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, o trâmite é acionado mais raramente e muitas vezes só quando as companhias já estão em um estado muito avançado de degradação financeira. Há certo preconceito do empresariado com o processo.

    Os pedidos de recuperação judicial até cresceram 68,5% no país entre abril e maio de 2020, apontam dados da Boa Vista Serviços, mas recuaram em 40,3% se comparados ao mesmo mês do ano anterior.

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    E por que isso ocorre? Antes de mais nada, há um elemento de timing. Leonardo Nascimento, sócio da Urca Capital Partners, empresa especializada no trâmite, afirma que muitas empresas já têm feito consultas de balanço, mas ainda não avançaram com o processo. “Existe, por parte de alguns empresários, certa antecipação neste diagnóstico, porque ainda não temos a real dimensão da crise”, diz.

    Marcello do Amaral Perino, juiz titular da 1ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos de Arbitragem, Recuperação Extrajudicial, Judicial e Falências de São Paulo, afirma que também existe um compasso de espera por parte dos escritórios de advocacia para entender quais serão as normas vigentes antes de iniciar uma RJ. “A gente teme que venha uma enxurrada destes processos em setembro, outubro e novembro”, explica.

    Parte dessa expectativa gira em torno do PL 1.397/2020, já aprovado pela Câmara, que está em análise no Senado. Ele altera a Lei de Falências (Lei 11.101, de 2005) para suspender por 30 dias a cobrança de dívidas e criar um sistema preventivo de negociação para dar maior proteção e evitar que empresas tenham que fechar as portas durante a crise provocada pela Covid-19. 

    O problema, aponta Perino, é que a medida tem prazo de validade até o final do ano. “Este projeto tem uma limitação até 31 de dezembro. Tenho medo, caso não seja aprovado nos próximos dias, que o PL perca o seu timing”, diz. Paulo Furtado de Oliveira Filho, juiz da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, acha inclusive que essa janela já passou. “Se fosse manter o projeto, realizaria mudanças mais perenes, para ajudar os acordos extrajudiciais”, defende.

    O que nos traz para um segundo motivo que ajuda a explicar a baixa procura por RJs até aqui. Há um esforço, em todos os âmbitos do judiciário, para evitar que muitos destes casos sejam judicializados. O STJ tem recomendado que os tribunais estruturem centros de mediação para filtrar e melhor orientar cada caso antes que o processo seja aberto. Nessa linha, o TJ de São Paulo já começa a colocar o procedimento em prática.

    Exemplo disso, a Restoque, dona de marcas consagradas como Le Lis Blanc, John John, Bo.Bô, Rosa Chá e Dudalina, protocolou um acordo financeiro extrajudicial no início de junho. A empresa citou os impactos provocados pela pandemia do novo coronavírus, em especial o setor de varejo, como o principal motivo para renegociar pactos financeiros com credores.   

    “O acordo abrange exclusivamente os credores financeiros da companhia (instituições financeiras e debenturistas), não envolvendo seus fornecedores, colaboradores ou quaisquer outros parceiros comerciais e, assim, não implicando alterações nas operações usuais da empresa”, disse a Restoque ao firmar o acordo.

    Apenas em estoque de dívida, segundo o cronograma de amortização de debêntures da companhia, o valor total a ser emitido é de R$ 985 milhões, sendo R$ 84 milhões de juros. O documento é referente ao primeiro trimestre de 2020. Já o valor total de dívida da companhia é estimado em cerca de R$ 1,5 bilhão, de acordo com balanço financeiro da empresa. 

    Diferente da recuperação judicial, este tipo de acordo só precisa da aprovação de 60% dos credores para seguir em frente. Furtado acredita, portanto, que este é o caminho a se seguir durante e após a pandemia. “O empresário precisa ter a iniciativa de buscar seus credores para reestruturar dívida”, diz. “Se o lucro vai para o bolso deles, não dá para jogar só para o Estado quando precisam solucionar problemas.”

    Laura Bumachar, advogada especializada em RJ e sócia do Dias Carneiro Advogados, também entende que o problema é estrutural.

    “A Justiça tem mais de 260 mil processos desse gênero em andamento, as empresas pedem tudo ao juiz. É um processo pouco maduro, que não será mudado com uma simples atualização na legislação”, diz. “Há ainda uma questão cultural no Brasil. O processo de recuperação judicial é mal visto pelos empresários e pela população no geral.”

    O único pedido de RJ que Furtado deferiu até agora (durante a crise) foi o da Empavi, empresa do ramo de pavimentação que viu sua saúde financeira se deteriorar por conta da paralisação dos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mesmo assim, determinou que haja mediação entre devedor e credores desde o início do processo com o objetivo de “oferecer soluções adequadas a todos os interessados, com rapidez e economia de custos”.

    MPEs

    Dados do Sebrae revelam que 99% dos negócios existentes no Brasil são micro e pequenas empresas (MPE). O problema é que o atual modelo de RJ, lento e dispendioso, não atende as necessidades desse grupo. Luiz Deoclecio Fiore, CEO e fundador da administradora judicial Onbehalf, desenha uma situação preocupante. “São empresas de administração familiar, sem caixa, sem crédito, sem profissionalização”, diz. “Essas companhias já chegam na crise sem ar.”

    Existe ainda um agravante: caso seja declarada a falência do negócio, o empresário precisa ficar 5 anos fora do mercado. Por isso, Fiore acredita que boa parte dessas MPEs, em caso de dificuldades financeiras, nem procuram equacionar suas dívidas com ajuda da justiça. “Preferem abrir uma outra empresa no nome de outra pessoa”, resume. Furtado corrobora o sentimento e afirma que também é preciso pensar num plano de recomeço para estes empreendedores.

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    Legislação

    Uma atualização na legislação é necessária para dar mais celeridade para as empresas em seus processos de recuperação ou falência – tanto as mais novas quanto as mais antigas.

    No mundo das startups, em que a velocidade com as empresas surgem e acabam é muito maior, esse recomeço deve ser melhor amparado pelo Projeto de Lei Complementar no 46 (PLP-46), conhecido como Marco Legal de Startups. A ideia é justamente simplificar prcessos burocráticos como a abertura de empresas e até tirar a responsabilidade dos investidores em caso de falência ou dívida por parte das companhias.  

    Quando o assunto volta para as empresas regulares, o secretário o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida afirmou ser necessária a aprovação de uma nova lei de falências. Ele acredita que será preciso realocar rapidamente o estoque de capital dessas companhias para evitar que ele fique se depreciando. “Tem de ter uma lei de falências, principalmente para as micro e pequenas empresas, além da melhoria do crédito, capitais e garantias”, afirmou. 

    Além do PL emergencial para a Covid-19, tramita no Congresso o PL 10220/2018, que trata do assunto de maneira perene. Os grandes objetivos são facilitar o acesso ao crédito pelas empresas devedoras, não manter a exigência da assembleia geral de credores e estimular outras formas de negociação entre as partes.

    Processos em andamento

    Há ainda os casos das empresas que já estavam em recuperação judicial antes da crise. Especialistas concordam que a crise também pode afetar os processos em andamento, já que, com a queda de receita, as companhias podem não conseguir honrar com os compromissos inicialmente acordados.

    A Oi, por exemplo, encaminhou um pedido de aditamento ao plano de recuperação judicial que foi aprovado pelos credores da companhia em dezembro de 2017 quando dívidas de R$ 64 bilhões foram reduzidas e parceladas no tempo, mediante compromissos assumidos pela tele.

    Quase três anos depois, a operadora pretende realizar uma nova assembleia com os credores – prevista para ocorrer em agosto – para obter o aval para realizar mudanças importantes na estrutura da companhia.

    O objetivo é criar quatro unidades produtivas isoladas (UPIs), estruturas que servirão para segregar os ativos e passivos de cada um dos segmentos de telecomunicações em que atua e, com isso, abrir caminho para a venda dessas unidades. As UPIs serão divididas entre redes móveis, torres, data centers e infraestrutura de fibra.

    *Com Estadão Conteúdo, Reuters e Agência Senado

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