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    ‘Carreira em Y’ pode explicar por que algumas empresas têm chefes tão ruins

    Segundo o modelo, funcionário pode escolher se quer se tornar um chefe ou continuar exercendo funções mais técnicas, como um especialista

    Manuela Tecchio, do CNN Brasil Business, em São Paulo

    A razão pela qual alguns chefes são tão ruins pode ser muito simples: eles não tiveram escolha. Dentre as empresas brasileiras que ainda adotam uma estrutura vertical e altamente hierárquica, ainda são poucas as que adotam o conceito de “carreira em Y”. 

    O modelo consiste em fazer com que o funcionário escolha, em uma fase já avançada da carreira, se quer se tornar um chefe ou continuar exercendo funções mais técnicas, só que como um especialista. 

    “As empresas que aplicam esse modelo de forma bem desenvolvida permitem que o funcionário continue crescendo e chegue ao nível de um gerente ou diretor em termos de salário, benefícios e disposição”, afirma Ricardo Basaglia, diretor-geral da consultoria de RH Michael Page. “Quando a empresa não oferece outros caminhos aos funcionários, geralmente perde um ótimo técnico e ganha um péssimo gestor.”

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    Se você nunca ouviu falar disso, talvez seja pela pouca disseminação do modelo em nosso país. A ideia já vem sendo aplicada desde o começo dos anos 2000 ao redor do mundo, mas ganhou espaço apenas em alguns setores específicos aqui no Brasil —como o de tecnologia, por exemplo.

    É o que explica a especialista em RH do Vagas.com Ligia Hacker. “O conceito de ‘carreira em Y’ é muito usado nas áreas mais técnicas. No ramo do agronegócio, é muito comum ver pesquisadores, que têm um perfil de conhecimento profundo, optarem por não liderar times.”

    Mas, se em outros países esse modelo perdurou por muito tempo, aqui nem chegou a ter ampla disseminação. “No Brasil, são poucas as empresas que têm esse sistema estruturado, então os funcionários pensam que precisam se tornarem gestores para continuar a carreira. E nem todo mundo nasceu para isso”, afirma o diretor da Michael Page. 

    No fim do ano passado, uma pesquisa da Michael Page constatou que 8 em cada 10 brasileiros que pediram demissão apontaram o próprio chefe como o principal motivo para a saída da companhia. 

    Entre os problemas causados por esses maus gestores, foram listados o “excesso de reuniões”, a “falta de feedback” e “falhas na contratação” de colegas de equipe, entre as principais questões. Erros como a falta de treinamento adequado dos subordinados e a delegação de tarefas sem acompanhamento também foram citadas pelos entrevistados.

    O fim dos chefes?

    À medida que novas empresas de tecnologia e fintechs nascem com modelos de gestão mais horizontais, a figura do chefe concentra cada vez menos poder. E o próprio conceito de “carreira em Y” perde um pouco o sentido.

    “Hoje, o que acontece nas empresas mais jovens é que você pode ser reconhecida pelo impacto do seu trabalho, pelas atividades que você desempenha, e não pelo cargo que você tem. Isso extrapola o conceito da ‘carreira em Y’. Não faz sentido dentro do modelo de gestão horizontal”, afirma Hacker. 

    De acordo com a especialista, as gerações mais jovens chegam ao mercado cobrando essa maior participação nas decisões e agindo com mais autonomia. 

    “As pessoas estão questionando aquela posição de cobrança dos líderes. E isso tem construído ambientes mais colaborativos. Quando os processos de decisão são mais democráticos, o nível de engajamento das equipes é muito maior.”

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    Mesmo nas grandes corporações e multinacionais que não querem abrir mão da estrutura verticalizada de poder, essa maior flexibilidade pode fazer sentido, na opinião dos especialistas.

    “Nas empresas mais tradicionais, existe uma hierarquia definida e o caminho é sempre ‘para cima’, não tem volta. Você não pode rebaixar um CEO para gerente. Mas, por que não? Esse poderia ser um caminho válido”, diz Baságlia.

    O diretor da Michael Page, inclusive, cita as equipes esportivas como exemplo de boas práticas. É muito comum que ex-atleta de alta performance e mesmo campeões olímpicos se tornem treinadores, técnicos e mentores das novas gerações. 

    “As corporações estão evoluindo para modelos horizontais. E isso traz a oportunidade de uma empresa menos hierárquica e mais colaborativa. O caminho está mais pensado em termos de desafios e não de cargos”, diz Basaglia.

    Passos lentos

    Apesar da transição para modelos de gestão mais horizontais estar caminhando rapidamente em países como Suíça, Suécia e Alemanha —onde Hacker reside hoje—, essa transformação pode demorar a acontecer em escala global e, mais ainda, a tomar conta de empresas tradicionais.

    “Eu vejo um esforço das multinacionais para diminuir a distância entre os níveis hierárquicos, mas acho que ainda estão todas longe de propostas realmente disruptivas”, como os sistemas de sociocracia e holocracia, citados por Hacker em entrevista ao CNN Brasil Business

    Nesses modelos desenvolvidos mais recentemente, a organização é feita com base nos papéis que cada equipe desempenha, de forma colaborativa e interseccional — um mesmo funcionário pode estar em diversos grupos, uma mesma tarefa pode ser realizada por duas turmas diferentes, e assim por diante. 

    Mas, se depender do comportamento aprendido pelos profissionais até aqui, isso tudo ainda deve demorar para sair do papel — especialmente no Brasil. “Acho que a questão do poder e dos privilégios está no nosso DNA”, diz Hacker.

    O problema, de acordo com ela, está na forma verticalizada e hierárquica de pensar desde o início da nossa educação. Dessa forma, criam-se líderes autoritários e profissionais com pouca autonomia. “As pessoas esperam ser mandadas no trabalho”. 

    A perspectiva fica com as novas gerações. “Os jovens questionam muito. E, em breve, as empresas vão precisar adotar modelos mais democráticos.”

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