Cabe ao Senado ficar “vigilante” sobre Campos Neto e taxa de juros, diz Lula
Presidente destacou que exoneração de presidente do BC teria de ser aprovada pelo Senado com 41 votos dos 81 senadores
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta terça-feira (7) que cabe ao Senado ficar “vigilante” com a atuação do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e que a Casa deve cobrá-lo sobre a taxa de juros, renovando as críticas ao responsável pela autoridade monetária que têm sido mal recebidas pelo mercado financeiro.
“Eu acho que o Senado tem que ficar vigilante. Porque eu lembro quantas críticas recebia da Fiesp toda vez que eu aumentava taxa de juro, eu lembro quantas críticas a gente recebia do movimento sindical quando aumentava a taxa de juros, eu lembro quantos senadores faziam discurso contra mim pelo aumento da taxa de juro.
Agora eles não têm mais que cobrar do presidente da República, eles têm que cobrar dele (presidente do BC). E eles podem. É isso que eu espero”, disse Lula em café da manhã com jornalistas de veículos de esquerda no Palácio do Planalto.
“Eu estou muito tranquilo, eu não quero confusão. A única coisa que eu quero é que esse país volte à normalidade, esse país volte a crescer, voltar a gerar emprego, voltar a distribuir renda. É isso que eu quero. Se isso acontecer, eu estou feliz”, acrescentou.
As falas de Lula foram feitas após ele ter sido perguntado diretamente por um jornalista se o governo poderia buscar a exoneração de Campos Neto, citando a lei que dispõe da autonomia do BC, em que há a previsão para que o Conselho Monetário Nacional (CMN) possa fazer esse pedido. A exoneração teria de ser aprovada então pelo Senado com 41 votos dos 81 senadores.
A lei complementar 179 de 2021, que instaurou a autonomia do presidente e diretores do BC, prevê entre as hipóteses de exoneração dessas autoridades “quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos” da instituição.
Procurado, o Banco Central não respondeu de imediato a um pedido de comentário sobre a declaração do presidente.
Lula e membros de sua administração têm criticado de forma recorrente a taxa de juros elevada, atualmente em 13,75%, e a independência do BC, com o petista afirmando que a instituição não faz mais agora do que quando seu presidente era trocado sempre que um novo governo assumia.
O mercado financeiro tem reagido mal a esses atritos, temendo tentativas de intervenção do Executivo na atuação da autoridade monetária.
No encontro com os jornalistas, Lula disse que não discute com o presidente do BC, com quem se encontrou apenas uma vez, e disse que Campos Neto não deve explicações a ele, mas ao Congresso.
Para Lula, não é possível voltar a crescer no país com a Selic no patamar atual. “Eu só acho que esse cidadão… tem a possibilidade de maturar, de pensar e de saber como é que vai cuidar desse país. Porque ele tem muita responsabilidade”, disse.
Reunião do CMN
Lula disse, ainda, que espera que os membros do CMN estejam acompanhando a situação do Brasil.
“Espero que o Haddad esteja acompanhando, que a Simone esteja acompanhando. Espero que ele próprio (Campos Neto) esteja acompanhando a situação do Brasil. A previsão do FMI é que nós vamos ter um crescimento muito pífio este ano. E este país não pode continuar tendo um crescimento pífio, porque esse país precisa gerar emprego. Esse país tem que acabar com uma fome de 33 milhões de pessoas. Esse país precisa criar emprego formal”, acrescentou Lula.
O FMI estima que o Brasil crescerá 1,2% em 2023. O cenário é melhor do que aquele esperado por analistas consultados na pesquisa Focus do BC, que veem expansão de apenas 0,8% do PIB este ano.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, compõem o CMN ao lado do presidente do BC. O conselho terá sua primeira reunião desde a posse do novo governo na próxima semana. Em meados do ano, o CMN deve estabelecer a meta de inflação de 2026.
Lula repetiu as cobranças para que o BC busque atuar em sintonia com a estratégia macroeconômica da gestão atual de médio e longo prazo. Disse que é preciso ter responsabilidade fiscal, como teve nos dois primeiros mandatos na Presidência, mas também responsabilidades política, econômica e sobretudo social, destacando que a última é a que mais importa.
“Não deveria ser normal um presidente da República ficar discutindo com o presidente do Banco Central, verbalmente, porque pessoalmente eu só tive um contato com ele. Eu acho que as pessoas que acreditavam que a independência do Banco Central ia mudar alguma coisa no Brasil, que ia ser melhor, têm que ficar olhando se valeu a pena ou não”, afirmou.
Em evento em Miami pela manhã, no mesmo momento em que era alvo de novos ataques de Lula, o presidente do BC destacou que a independência da instituição é importante porque desconecta o ciclo da política monetária do ciclo político.
Em palestra no evento 2023 Milken South Florida Dialogues, em Miami, Campos Neto usou a maior parte de seu discurso para falar sobre temas de inovação digital, mas disse brevemente em resposta a uma pergunta que a independência do BC é “muito importante”, por várias razões diferentes.
“A principal razão no caso da autonomia do Banco Central é que desconecta o ciclo da política monetária do ciclo político, porque eles têm durações diferentes e interesses diferentes. Quanto mais independente você é, mais eficaz você é, menos o país pagará em termos de custo de ineficiência da política monetária”, disse Campos Neto, antes de voltar a falar sobre a agenda de inovação da autarquia.