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    Brasil e China: O que está em jogo na relação com nosso maior parceiro comercial

    Leilão do 5G é o maior desafio para os próximos passos da relação entre os dois países, que recentemente esteve entre ruídos políticos e bilhões em exportações

    Guilherme Venaglia, da CNN, em São Paulo

    A China foi um assunto muito frequente no debate público do Brasil em 2020.

    O país asiático foi tema de discussões nas mais diversas searas, não só na economia ou nas relações internacionais, mas principalmente na saúde, com a pandemia do novo coronavírus, e também na tecnologia, com a expectativa para o leilão da tecnologia 5G.

    É justamente esse último ponto, o 5G, o que acende mais atenções para o futuro das relações bilionárias entre o Brasil e a China, segundo especialistas ouvidos pela CNN.

    Para pesquisadores da área, o país asiático dá pouca atenção para questões políticas ou ideológicas e se concentra nas questões comerciais.

    “Os chineses são pragmáticos. Há tensões políticas, mas nunca se comprou tanta soja do Brasil. Já uma medida econômica concreta, como a exclusão do 5G, teria muito mais peso. E o recado que tem sido dado nos últimos meses é claro: a China não vai aceitar bem ficar de fora deste leilão”, afirma Leonardo Trevisan, professor do curso de Relações Internacionais da ESPM.

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    Para Evandro de Carvalho, professor e coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio, as relações, hoje, entre o Brasil e a China são vistas como “ambíguas”. Vão bem na economia, mas não vivem a melhor fase na diplomacia.

    “De um lado, nas relações comerciais, o Brasil têm na China um parceiro comercial fundamental, é um país que nos dá um superávit muito grande. Por outro lado, há uma questão que está muito forte em setores do governo, que é a do leilão do 5G. Há uma desconfiança explícita, que beira a uma agressividade”, afirma Carvalho.

    O que é o 5G e o que a China tem a ver com isso

    Os sistemas de conexão e cobertura de internet em todo o mundo vêm sucessivamente se desenvolvendo ao longo dos anos.

    A tecnologia 5G é a quinta geração desse sistema de conexões e promete, em frequências mais altas, permitir uma troca mais acelerado de dados e informações e um número maior de conexões simultâneas.

    O Brasil tem um encontro marcado com o 5G. O governo deverá fazer, nos próximos meses, leilões nacionais e regionais, cedendo faixas e frequências telefônicas para empresas que detenham a tecnologia e estejam interessadas em explorá-la no país.

    É aí que entra a questão diplomática. Há países ao redor do mundo, como a França, o Reino Unido e o Japão, que adotaram restrições para a Huawei e para a China.

    A alegação principal são as suspeitas de que os chineses poderiam utilizar essas redes para algum tipo de espionagem.

    Os Estados Unidos têm propagado de forma firme essa posição. Em entrevista à CNN, o embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, afirmou que seu país está disposto a conceder financiamento para estimular a presença brasileira em uma “rede limpa” – o que, para Chapman, significaria não utilizar equipamentos chineses.

    Há expectativa para as posições que os EUA adotarão em sua política externa a partir de 2021, quando se iniciar o governo do presidente eleito Joe Biden.

    A posição mais dura contra a China foi uma marca do governo de Donald Trump, mas não deve se desconsiderar a pressão de parte da classe política americana para que seja mantida sob Biden.

    O vice-presidente Hamilton Mourão
    O vice-presidente Hamilton Mourão tem sido visto como ‘fiador’ das relações entre os dois países
    Foto: Romério Cunha/VPR

    Pelo sim, pelo não, os chineses não parecem aguardar parados. Assim como ocorre geralmente em países onde encontram governos divididos, argumenta Trevisan, a China busca se fiar a um interlocutor que julgue confiável e influente. No Brasil, esse papel estaria sendo exercido pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB).

    “Hoje o Brasil tem um embaixador extraoficial para a China, que é o vice-presidente da República. Não é a toa que o general Mourão passou a falar recentemente dos altos custos de uma eventual exclusão da Huawei do 5G”, explica o professor. 

    Em evento na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o vice-presidente defendeu a participação da Huawei, citando um ponto com o qual os chineses contam bastante. A empresa já fornece muitos dos equipamentos usados no 3G e no 4G e, portanto, excluí-los como fornecedores poderia resultar em um gasto adicional.

    “Se, por um acaso, dissessem que a Huawei não pode fornecer equipamento, vai custar muito mais caro, porque vai ter que desmantelar tudo que tem aqui, porque ela não fala com os equipamentos das outras. E quem é que vai pagar esta conta? Somos nós, consumidores”, disse o vice-presidente.

    Os números dessa relação

    Segundo números do Ministério da Economia, a corrente de comércio (soma das exportações e importações) entre os dois países foi de pouco mais de R$ 94 bilhões nos primeiros onze meses do ano, o equivalente a mais de 28% de tudo que foi comprado ou vendido pelo Brasil até novembro.

    Desse total, dois terços foram de exportações brasileiras para a China, o equivalente a R$ 63,1 bilhões, enquanto o terceiro terço foi de importação, com R$ 30,8 bilhões. No saldo final, entraram R$ 32,3 bilhões de dinheiro novo no Brasil vindo da China.

    O total da corrente de comércio entre Brasil e China é o dobro da que o país mantém com os Estados Unidos, que foi de R$ 41,1 bilhões no mesmo período do ano, com prejuízo para o Brasil.

    Os brasileiros venderam R$ 19 bilhões para os EUA e compraram R$ 22,1 bilhões em produtos americanos, um saldo negativo de R$ 3,1 bilhões.

    A China observa a política brasileira com atenção, apontam os especialistas, com um olhar especial para o resultado das eleições municipais.

    Apesar de se tratar, afinal de contas, de um regime comunista, não é apenas para os partidos de esquerda que a China está olhando. 

    “Sem dúvida, a China olha para essa identidade eleitoral que salta das eleições de 2020. Forças conservadoras e com ligações muito diretas com o agronegócio, que saíram vitoriosas no interior do país, e tendem a pressionar para conservar uma boa relação que garanta as suas exportações”, opina o professor Leonardo Trevisan.

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    Na seara política, o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), que coordena a Frente Brasil-China da Câmara dos Deputados, disse que a prioridade é amenizar potenciais prejuízos, em um horizonte difícil para a recuperação econômica brasileira.

    “Se essa relação turbulenta com a China se consolidar ao longo do tempo, os prejuízos virão. Acordos que poderiam ser feitos não serão, investimentos que poderíamos receber não virão. Os danos podem ser muito expressivos para o Brasil”, argumenta Almeida à CNN.

    O que vem pela frente

    Segundo noticiado pelo jornal Folha de S.Paulo, a minuta elaborada por técnicos da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para o leilão do 5G não incluiu a previsão de qualquer restrição à participação de Huawei.

    A expectativa é que a diretoria da agência decida um protocolo para a realização do certame ainda no primeiro semestre de 2021.

    Subindo alguns degraus na escala, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, no início de setembro, que “quem vai decidir o 5G sou eu”. 

    “Nós somos uma potência. Nós temos que ter um sistema de inteligência robusto para poder trabalhar ali na frente”, disse então, em live nas redes sociais.

    O professor Evandro de Carvalho argumenta em favor de uma preocupação com a segurança da informação independentemente da origem dos equipamentos. 

    “Os países de todo o mundo que espionam outros fazem isso independentemente de estarem presentes com infraestrutura ou não. A questão da espionagem é nevrálgica para qualquer país e a gente só vai resolver isso com pesquisa e inovação. Não podemos estar diante de fazer a opção por quem vamos deixar nos espionar”, argumentou à CNN.

    O especialista aponta também que estariam sobre a mesa do Brasil outras opções regulatórias, algumas delas, utilizadas pela própria China. Por exemplo, a criação de joint ventures entre empresas nacionais e estrangeiras e estímulo a acordos de transferência de tecnologia.

    Também aponta para a possibilidade de regras que possam vedar o monopólio e estimulem a concorrência entre companhias que atuam no setor.

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