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    Selic ao menor patamar da história: bom para a economia, ruim para o câmbio

    Diferencial de juros, que mede a distância entre a taxa brasileira e a de países desenvolvidas, é a menor da história, o que afasta investidores estrangeiros

    Juliana Elias , do CNN Business, em São Paulo

    O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anuncia na noite desta quarta-feira (6) sua nova decisão sobre a Selic, a taxa básica de juros do país. Há um largo consenso de que ela deve ser cortada novamente, o debate é apenas em quanto: dos atuais 3,75% ao ano, a taxa pode ser reduzida a 3,50%, 3,25% ou 3%, de acordo com as principais apostas do mercado. Em quaisquer dos casos, ela renova mais uma vez seu recorde e será a mais baixa da história.

    Com uma recessão brutal batendo à porta e ameaça nula de inflação, o consenso é que o Banco Central deve continuar baixando os juros para destravar o máximo que puder a economia – juros baixos barateiam o crédito e estimulam consumo e investimentos, mas, de outro lado, podem gerar inflação em um cenário de oferta apertada, que não é o caso atual.

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    O problema é que juros baixos demais começam a gerar um outro problema, que já vinha se desenhando no Brasil nos últimos anos: eles podem criar ou acentuar uma fuga de capitais e fazer o dólar subir. Isso acontece porque a Selic, na base, é o piso que define as remunerações dos títulos públicos e dos principais ativos financeiros de renda fixa do país. Se ela cai, essas aplicações rendem menos e os investidores de fora podem desistir delas. Isso significa dólares saindo diariamente do país, o que faz a cotação da moeda subir em relação ao real.

    Não é a única razão, mas é um dos fatores que explicam o câmbio ter disparado de R$ 4 para mais de R$ 5,50 nestes poucos primeiros meses de 2020, e em proporção muito maior do que em outros países. É também o que está por trás de a cotação ter mudado estruturalmente de patamar nos últimos anos, da casa dos R$ 3, em 2016, para a dos R$ 4, em 2019 – nesse período, a taxa Selic foi reduzida gradativamente de 14,25% para 4,25%, no final do ano passado.

    “O capital financeiro se move buscando a maior remuneração dentro de dois aspectos: o nível da taxa de juros e o prêmio de risco”, disse o economista Silvio Campos Neto, sócio e analista da Tendências Consultoria para câmbio e macroeconomia. “O investidor global, que tem mobilidade para investir em um país ou em outro, olha para as duas coisas. Não adianta a taxa ser alta se o risco do país é também elevado.”

    Esse risco, explica Campos, é na essência o tamanho da probabilidade daquele país não suportar sua dívida e dar um calote em seus credores, o que é medido por indicadores como a pontuação do “risco-país” ou as notas de crédito das agências de rating.

    No Brasil, é um risco que vinha sendo gradualmente controlado com políticas como as reformas estruturais e as contenções no orçamento, que visam controlar os gastos e estancar a dívida já alta. Mas inflação domada e o dilema de um crescimento baixo já há três anos abriram caminho para que a Selic caísse mais rápido. É como se os juros brasileiros começassem a se aproximar do de países que possuem grau de investimento, mas sem o ter – o país perdeu este selo de bom pagador em 2015 e até hoje não recuperou.

    Menor diferencial de juros da história

    É por essa razão que, mais do que o nível da taxa de juros de um país, interessa, no contexto internacional, o que os economistas chamam de diferencial de juros, ou seja, a diferença entre os juros de um país em comparação ao de outros. Países com risco alto – característica típica dos emergentes – precisam de juros estruturais também mais altos do que o dos pares desenvolvidos, caso queiram manter um certo fluxo de entrada de capital financeiro.

    E essa diferença entre o juro brasileiro e o do resto do mundo também é hoje a menor da nossa história, mesmo com países como Estados Unidos, Japão e economias da zona do euro já estando com suas taxas a zero ou mesmo negativas. O tombo dos juros, por aqui, foi maior.

    “Não interessa o nível absoluto dos juros, o que move o fluxo de capitais é o diferencial, a taxa doméstica subtraída da taxa internacional”, explica o economista Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados. “Se os dois lados baixassem ou subissem os juros na mesma proporção, nada mudaria.”

    Um levantamento feito pela GO Associados a pedido do CNN Business comparou a evolução dos juros brasileiros com a taxa básica dos Estados Unidos, referência global. Em abril, essa diferença chegou a 2,87 pontos percentuais, que é a distância entre os juros observados nos Estados Unidos nos últimos 12 meses (0,05%) e os observados no Brasil (2,92%, considerada a Selic over, que é média da taxa efetivamente usada entre bancos).

    Ela só não é menor do que a observada em fevereiro (1,95 ponto), pouco antes de o Federal Reserve (Fed), o banco central norte-americano, ceifar os juros locais de 1,75% para quase zero em poucos dias, por conta da crise de coronavírus.

    Em nenhum momento antes disso, considerado todo o período do Plano Real (desde 1994), esse diferencial foi tão baixo. O mais próximo que chegou deste nível foi em 2019, quanto a distância entre as taxas do Fed e do BC brasileiro oscilou entre 3 a 4 pontos. Os juros norte-americanos, pré-crise de 2008, já foram bem mais altos – viraram o milênio na faixa de 5% a 6% ao ano. Mas os brasileiros também: passaram dos 20% no início dos anos 2000. Nos final dos anos 90, chegaram a tocar 45%.

    O maior diferencial registrado, considerado os últimos 20 anos, foi de uma distância de 27 pontos, em julho de 2003 – os juros americanos ficaram em 1% e, os brasileiros, em 27%.

    Dólar a R$ 6?

    A iminente redução dos juros brasileiros e um estreitamento ainda maior do diferencial significam, então, que o dólar pode ficar ainda mais alto do que já está hoje?

    Não necessariamente. “O mercado já esperava essas reduções, e isso já estava no preço [do dólar]”, disse Campos, da Tendências. De acordo com ele, o dólar tende a se acomodar nesta faixa dos R$ 5,50 ao menos enquanto durar o clima de incertezas globais por conta do coronavírus, o que por si já faz com que investidores do mundo prefiram ter seu dinheiro perto de si do que em mercados de risco.

    Sem novos sobressaltos na novela política interna ou grandes mudanças no compromisso de retomar a agenda de controle fiscal pós-pandemia, o dólar não tem porque extrapolar muito essa barreira.

    “O que poderia mexer com o câmbio é o BC não ser cauteloso e indicar quedas mais agressivas [dos juros] à frente”, disse Campos. “Daí o mercado refaz a precificação e esse dólar pode ir a R$ 6”. Isso seria a possibilidade de uma Selic abaixo dos 2,5% até o final do ano. As expectativas do mercado para os juros do país, ao final de 2020, são atualmente de 2,75%, de acordo com o Boletim Focus do Banco Central.