Após puxar a inflação em 2020, preços de alimentos devem recuar em 2021
O fim do auxílio emergencial deve desacelerar a demanda por alimentos
Com alta de 14,09%, o grupo de alimentos e bebidas foi o que mais contribuiu para a inflação acumulada em 2020. O valor é o maior desde 2002, quando a alta foi de 19,47%. Mas a expectativa de mercado é que o segmento deixe de ser o vilão deste ano. Na verdade, é esse grupo que deve ajudar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo a ficar mais baixo. A meta para 2021 é de 3,75%, e a previsão de economistas é de 3,34%.
“Acho que (este ano), especialmente alimentos, deve ter um impacto muito menor do que vimos no ano passado. Essa forte pressão que vimos acontecer no segundo semestre vai arrefecer muito nesse primeiro semestre especialmente. Consequentemente, o Banco Central não vai precisar, por ora, subir taxa de juros”, avalia Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
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André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), explica que a concentração do IPCA de 2020 em alimentos é consequência, principalmente, da desvalorização cambial — que ampliou exportações e desabasteceu o mercado doméstico, favorecendo a alta de preços — e do aumento de custos provocado pela alta de commodities como soja, milho, trigo, minério de ferro e outros itens.
“Não foi só a inflação brasileira ou a desvalorização da nossa moeda. Quando a gente junta o aumento de preço em dólar com a nossa desvalorização cambial, dá uma mega pressão que se materializou nos alimentos”, completou. Outros fatores citados por ele foram os efeitos na cultura de grãos como a redução da área plantada do arroz e a quebra da safra do feijão.
Na visão de Vale, o crescimento econômico ainda fraco este ano também vai ajudar para uma inflação mais baixa. “Atrelado a isso, temos o auxílio emergencial que vai sair, já está saindo no começo deste ano. Então, a demanda por alimentos e toda a pressão que tivemos, especialmente nesse segmento, no ano passado, tende a desacelerar. Temos uma economia que ainda estará muito fraca ao longo deste ano. Então, não tem pressão de aumento de atividade e, consequentemente, não tem tanta pressão inflacionária”, reforça.
BC deve subir juros
Embora as estimativas para a inflação de 2021 sejam de redução, os economistas acreditam que, a partir do meio do ano, quando a política monetária já estiver mirando em 2022, o movimento de alta dos juros será necessário. Isso é reforçado por uma meta de inflação ainda mais baixa, de 3,5%, no ano que vem. Assim, o Boletim Focus prevê que, até o fim do ano, a taxa básica de juros, a Selic — atualmente em 2% ao ano —, deve alcançar os 3,25% ao ano.
“2022 é um ano eleitoral, naturalmente mais conturbado e mais difícil, com câmbio possivelmente pressionado e a economia ainda em recuperação. Então, é bem possível que, se o BC não fizer nada, a inflação pode passar de 3,5%. Para agora, o BC só está sinalizando que pode ter uma mudança de política monetária lá para frente, mas que ainda não vai acontecer”, explicou Vale.
Segundo a consultora econômica Zeina Latif, o menor esforço da política monetária a partir de 2022 também deve ser conciliado com o ajuste fiscal. Para ela, a falta de perspectiva de reequilíbrio, de reformas que, estruturalmente, melhore as contas públicas, também tem forte impacto nos preços de ativos e no dólar, que valorizado eleva a inflação do Brasil.
“Acho que (a inflação) ficou mais alta de fato, mas ainda não a ponto de acender as luzes vermelhas no painel de controle, mas é o alerta. Não é que vamos acordar um dia e a inflação explodir na nossa cara. É um processo lento. Todo ano vai piorando. O cuidado é este, não pode deixar subir porque depois fica muito mais custoso combater. Lá atrás, o BC precisou jogar a Selic em 14,25%. Então, é importante esse zelo: não é porque está bem comportada ou em patamares palatáveis que dá para descuidar”, completa.
Vale concorda que a atenção do mercado sobre a questão fiscal a partir de 2023 deve ter forte peso na condução da política monetária e do comportamento da inflação nos próximos anos.
“Vamos ficar os próximos dois anos sem fazer grandes reformas esperadas na questão fiscal depois da piora da dívida que tivemos no ano que passou. Acho que o mercado todo vai estar esperando o próximo presidente para ver o que vai acontecer. Aí sim a gente pode começar a ter um cenário muito mais preocupante: se não tiver um governo que consiga sinalizar que a questão fiscal vai ser bem encaminhada, a gente entra em um cenário de colapso e a inflação pode entrar em um patamar mais complicado”, diz.