AB Inbev muda de presidente: o modelo de gestão de Lemann e da 3G está em xeque?
Ação da maior cervejeira do mundo cai, assim como empresas tocadas pelo 3G sofrem, como a Kraft Heinz: o modelo 3G precisará se reinventar?
A futura troca na presidência da AB Inbev, maior cervejeira do mundo e dona da Ambev (ABEV3), pode significar uma mudança de paradigma na companhia. Isso porque a saída de Carlos Brito do cargo de CEO pode ser o símbolo do fim de uma era e ainda colocar em xeque o modelo de gestão do 3G Capital, dos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
É que, segundo reportagem do jornal britânico Financial Times, a AB InBev só enxerga a possibilidade um candidato interno assumir o cargo máximo: o catarinense Michel Doukeris, que comanda a operação da Anheuser-Busch na América do Norte.
Ou seja, seria apenas ele a possibilidade dos brasileiros treinados por Lemann continuarem no comando direto da cervejeira. Porém, de acordo com a publicação, ganha a força a entrada de um executivo de fora da operação.
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A preocupação e a mudança fazem ainda mais sentido ao analisar o tombo que as ações da AB Inbev tiveram nos últimos anos na bolsa de Nova York. Somente neste ano, a queda das ações foi de 34%.
Esses números colocaram em dúvida o modelo de gestão do 3G Capital, algo que sempre foi celebrado por anos como um dos grandes diferenciais da companhia (e invejado por muitos concorrentes).
As premissas sempre se basearam no corte total de custos (a tal ponto que nenhum executivo da Ambev pode viajar de classe executiva no avião — só de classe econômica) e foco total na eficiência e, claro, nos resultados.
Os salários das empresas do conglomerado do 3G nem sempre são altos, mas os bônus atraem milhares candidatos todos os anos. O fato de a carreira ser meteórica também chama atenção para as vagas. Não é raro encontrar executivos com menos de 30 anos em cargos de tomadores de decisões.
Esse tipo de estratégia deu (muito) resultado nos últimos anos. Não por acaso, a antiga Brahma, que foi comprada pelo trio em 1989, se tornou a maior empresa de cervejas do mundo. A AB Inbev alcançou uma receita de US$ 52 bilhões em 2019.
Além disso, o 3G também é responsável pela gestão de outras empresas, como as Lojas Americanas (LAME3 e LAME4), o braço digital de varejo B2W (BTOW3) e a Restaurant Brands International, que detém marcas como a rede de lanchonetes Burger King (BKBR3) e as cafeterias Tim Hortons.
“O 3G sempre teve um modelo de eficiência muito robusto, mas nesses tempos isso está ficando em segundo plano no mundo. A Kraft Heinz é um exemplo disso, pois está perdendo marketshare”, diz André Kim, sócio e analista de investimentos da GeoCapital, especializada em empresas listadas fora do Brasil. “Não é mais possível ficar olhando apenas para dentro da empresa.”
De fato, a empresa que está em uma situação mais complicada é a Kraft-Heinz. Também controlada pelo 3G, a empresa surgiu da união entre a Kraft Foods com a H.J. Heinz em 2015 e se tornou a quinta maior companhia de alimentos e bebidas do mundo.
A receita era a mesma: criar uma excelência operacional na empresa e continuar consolidando o setor. Os ganhos viriam também com o tamanho, tal como aconteceu com a AB Inbev.
Não deu certo. E quem admitiu isso foi o próprio Lemann em uma palestra em 2019 durante um evento da corretora XP Investimentos.
“A Kraft foi um sonho grande que não andou. O sonho grande não permanece, pois não é mais possível construir algo tão grande na área de alimentos como fizemos em cervejaria”, disse.
Logo se viu quando, em 2017, a empresa, que também tem o bilionário Warren Buffett e sua empresa Berkshire Hathaway entre os sócios, tentou comprar a gigante Unilever por US$ 143 bilhões. A proposta foi recusada. Desde então, as ações da Kraft despencaram 67%.
Foco no consumidor
Por isso, a própria 3G está mudando a forma como trabalha. Lemann, em uma palestra recente realizada para a Fundação Estudar admitiu que os tempos são os outros. O foco no cliente precisa ser total. A inovação precisa ser o norte dos negócios.
“Entramos em uma nova época digital em que o consumidor tem muito mais opção e quer inovação. E temos que nos adaptar para entendê-lo nessa nova situação, que é centrada no consumidor”, disse.
E ele acredita que, cada vez mais, as empresas de tecnologia vão se manter no topo das mais valiosas do mundo.
A chegada do Mercado Livre ao posto de empresa com maior valor de mercado da América Latina foi um exemplo – mesmo a varejista argentina tendo perdido o posto menos de um mês depois após a derrocada recente das empresas de tecnologia na bolsa americana Nasdaq.
Ambev também com problemas
A empresa de bebidas brasileira, dona de marcas como Skol, Brahma e Colorado, sempre foi vista como uma das queridinhas pelo investidores. Afinal, tem mais de 60% do negócio de cervejas no Brasil, sempre distribuiu bons dividendos e apresentava bons números.
Mas a pandemia acabou ampliando as dificuldades, puxando para baixo os números da empresa no segundo trimestre. Com bares e restaurantes fechados por causa do isolamento social, lá se foi um grande pedaço do faturamento da companhia, assim como as margens — sempre tão celebradas por analistas.
Porém, os mesmos especialistas, agora, acreditam que mesmo com o aumento das vendas do digital e a impossibilidade de rivais conseguirem fazer investimentos para expandir as operações, ainda não está claro como a empresa conseguirá aumentar os seus ganhos com os rumos da pandemia ainda incertos.
“E a Ambev continua a trazer declarações cautelosas em relação à recuperação dos resultados futuros”, disseram os analistas do BTG Pactual Thiago Duarte e Henrique Brustolin em relatório.
Obviamente há alguns avanços. A venda digital de cervejas aumentou – e muito – nesses períodos complicados. O aplicativo de entregas de cerveja Zé Delivery, por exemplo, registrou 5,5 milhões de pedidos no trimestre – mais de 3,6 vezes maior que o total registrado em todo o ano de 2019.
O diferencial do app é a entrega rápida de cervejas geladas, já que possui uma rede de distribuidores prontos para servir os clientes.
E a inovação deve ser a saída para a companhia. É o que o próprio Lemann disse na palestra para a Fundação Estudar. Para ele, o tempo de focar somente na operação com custos baixos e eficiente, que o produto se vendia sozinho depois, ficou no passado.
“Vamos ficar um pouco para trás. A Ambev já foi a maior empresa brasileira e não é mais”, diz ele.
Não é mesmo. De acordo com um levantamento feito pela Economatica, a Ambev está atrás em valor de mercado da mineradora Vale (VALE3), da estatal Petrobras (PETR3 e PETR4), e do banco Itaú (ITUB3 e ITUB4). Na América Latina, as varejistas argentina Mercado Livre e mexicana Walmart, além da operadora America Movil (dona da Claro), aparecem à frente.
E o pior é que, assim como a AB Inbev, as ações da empresa também vêm caindo. Desde janeiro para cá, a redução foi de 35%.
Porém, para Lemann, a transformação em suas empresas já está acontecendo. Mesmo que leve um tempo.
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