Análise: Volta de Trump criou condições para acordo Mercosul-UE
Perspectiva de adoção de políticas protecionistas pelos EUA reforçam movimento dos blocos por ampliação de comércio bilateral
A pouco mais de um mês do retorno de Donald Trump à Casa Branca, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e os presidentes dos países do Mercosul — entre eles Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do Brasil; e Javier Milei, da Argentina — têm uma foto para chamar de sua.
A eleição do presidente norte-americano tem um peso relevante para o fim das negociações entre o bloco sul-americano e a União Europeia (UE), e o firmamento do acordo histórico de livre comércio entre os dois blocos.
Com a perspectiva de que os Estados Unidos implementem barreiras comerciais mais rígidas sob o protecionismo trumpista, o acordo fortalece o Mercosul e a UE ao diversificar suas parcerias e reduzir a dependência de mercados tradicionais, como o norte-americano.
Na campanha eleitoral, ele prometeu uma tarifa de 60% sobre os produtos importados da China e uma tarifa de 10% a 20% sobre as importações de outros países — além de ter ameaçado países do Brics com alíquotas de 100%.
O firmamento do tratado também posiciona os países do bloco como fornecedores confiáveis de alimentos e commodities para a Europa, compensando possíveis dificuldades no acesso a outros mercados, e vice-versa.
A abertura proporcionada pelo acordo estimula a modernização da economia do Mercosul, que ainda tem uma baixa integração com o comércio internacional.
Atualmente, o Brasil é uma das maiores economias do mundo, mas com uma das menores participações do comércio exterior em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
A despeito da resistência capitaneada pela agricultura francesa e seus portas-vozes, as perspectivas envolvem um impacto positivo no PIB brasileiro, com incremento de US$ 9,3 bilhões até 2040, e um aumento nas exportações totais do bloco com ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões no mesmo período, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os números indicam um ganho de de US$ 302,6 milhões na balança comercial brasileira.
Enquanto isso, Donald Trump dá seguimento às indicações de que a nova gestão será marcada pelo fortalecimento da indústria e a agricultura locais, e prevê a ampliação das alíquotas de exportação para parceiros comerciais importantes, com foco principal na China, mas que impactaria países como o Brasil, com quem tem uma corrente comercial de mais de US$ 55 bilhões.
Depois da reunião do G20, as perspectivas em torno de um realinhamento comercial global ficaram mais claras.
Com a guerra entre Rússia e Ucrânia, a perspectiva de um recrudescimento da belicosidade comercial entre Estados Unidos e China e um realinhamento das alianças globais protagonizado pelo regime de Vladimir Putin, a construção de novas alianças diplomáticas e alfandegárias — fora de cooperação, ambiental et caterva — faz-se mais premente do que nunca.
Lula esteve na foto, mas o acordo, cuja negociação foi iniciada em 1999, representa a integração entre dois blocos que, juntos, somam cerca de 780 milhões de pessoas e 25% do PIB global.
Atinge, com isso, um mercado consumidor comum de 700 milhões de pessoas e a perspectiva de acesso a produtos industrializados e agrícolas com taxação nula ou sensivelmente reduzida — o acordo prevê a revisão de mais de 90% das taxas ponta a ponta.
O empenho do acordo iniciou-se sob Fernando Henrique Cardoso. Passou por Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Trata-se, portanto, de um acordo de Estado; não de governo. Em um momento premente e histórico. Em tempos de ruptura, a união faz-se mais importante.