Seria a eleição americana a mais consequente das nossas vidas?
Para Democratas, a eleição de Trump representaria uma ameaça fascista à democracia americana; para Republicanos, a eleição de Harris também representa uma ameaça à democracia via as reformas constitucionais
Independentemente de qual lado que um eleitor americano estiver nesta eleição, uma das poucas coisas que os partidários de Kamala Harris e Donald Trump concordam seria que essas são as eleições mais importantes das últimas décadas — ou até de todos os tempos.
Para os Democratas, a eleição de Trump representaria uma ameaça fascista à democracia americana. Para os Republicanos, a eleição de Harris também representa uma ameaça à democracia via as reformas constitucionais que os Democratas defendem, como o fim do colégio eleitoral e mudanças na Suprema Corte.
Nas questões econômicas, a percepção de grandes e radicais diferenças entre as propostas dos candidatos também procede. E de fato há uma vasta diferença entre as propostas e visões de mundo dos dois candidatos.
Eu queria aqui colocar um ponto de interrogação sobre estas conclusões, pelo menos no campo econômico (eu também acho a ideia de ameaças à ordem democrática extremamente exageradas).
A melhor maneira de centrar a discussão seria notando que houve bastante continuidade na política econômica entre Trump e seu sucessor, Joe Biden.
Dois exemplos de maior relevância: Biden continuou a política tarifária mais restritiva do governo Trump, e até a ampliou; e, como Trump, Biden continuou a executar uma política fiscal altamente deficitária (aqui também Biden acabou aumentando ainda mais os déficits fiscais).
Por que houve essa continuidade? A verdade é que independentemente do que podemos achar de Trump, ele de fato mudou o debate econômico nos EUA para uma direção mais nacionalista como também menos fiscalista.
Poderíamos até dizer sem muito exagero que foi Trump que enterrou o consenso econômico “neoliberal” que andava cambaleante desde a Grande Crise Financeira de 2008.
Neste sentido Biden somente deu algum direcionamento mais à esquerda da política econômica em algumas pautas específicas (como investimentos na transição energética) sem, de fato, mudar seu direcionamento principal.
Enquanto Trump tem prometido “mais do mesmo”, nada indica que uma vitória de Harris mudaria esse quadro.
Certamente com Harris também teríamos colorações mais à esquerda, mas com o controle do Senado muito provavelmente caindo nas mãos dos Republicanos, o raio de ação de executar suas promessas mais “progressistas” estará bastante limitado.
Na questão fiscal, por exemplo, Harris tem prometido tentar controlar o crescimento explosivo do déficit fiscal taxando quem ganha acima de US$ 400 mil, ao mesmo tempo cortando os impostos de quem ganha menos.
Ora, a simples verdade é que sem fazer os Estados Unidos virarem a França na questão da tributação, não há como “fechar a conta” taxando os mais ricos. Isso sem levar em conta que a candidata também tem uma grande lista de propostas para aumentar as despesas.
Vários economistas têm tentado comparar os efeitos fiscais das propostas dos dois candidatos, com as do Trump se saindo pior. Mas não devemos dar muita crença a essas análises: elas não levam em consideração o que de fato tem chances de ser aprovado ou o que será proposto pelo novo governo – lembrando que há sempre muitas diferenças entre propostas eleitorais e propostas de governo.
O que me parece bastante óbvio é que não há a mínima vontade de nenhum dos candidatos de endereçar a questão fiscal neste momento.
Assim seja pelas limitações institucionais, seja por um novo consenso mais intervencionista e nacionalista sobre como deve ser a política econômica, não há de fato um vasto oceano entre os dois candidatos.
Independentemente da forte volatilidade que deve acompanhar a eventual divulgação do resultado eleitoral, a política econômica do próximo governo será bastante igual aos últimos dois governos que o antecederam.