Por que o mercado não reage positivamente ao esperado pacote fiscal?
Parte da cautela deve-se ao fato que ainda não temos detalhes suficientes para determinar se o pacote representa um enquadramento do orçamento dentro da restrição global do arcabouço fiscal
Demorou, demorou, mas parece que finalmente está chegando. Depois de muitas reuniões e um “break” para o G20, temos o ministro Haddad anunciando que “faltam alguns ajustes com o presidente” sobre a redação das medidas de ajuste, que poderiam ser finalmente divulgadas na segunda-feira (ou talvez na terça).
O pacote já foi apresentado aos chefes das casas legislativas e, apesar do valor não ter sido confirmado pelo ministro, a economia pode chegar a ser de R$ 70 bilhões em dois anos.
Excelente notícia! Ou não? Olhando para a reação dos mercados nesta manhã de sexta-feira (22), a resposta mais óbvia seria que não: o dólar, por exemplo, está em alta, rodando ao redor de R$ 5,82 – próximo das máximas históricas atingidas na crise da pandemia. No mercado de juros futuros, todos os vértices apresentam valorização.
Seria culpa de algum fator externo? Parece que não. As taxas das Treasuries americanas estão estáveis nesta manhã, e a bolsa americana abre em alta. Seria essa falta de reação algo justificável ou estaríamos vendo um momento de mau humor que deve passar com o efetivo anúncio das medidas?
Parte da cautela deve-se ao fato que ainda não temos detalhes suficientes para determinar se o pacote representa um enquadramento do orçamento dentro da restrição global do arcabouço fiscal.
Quando a nova regra fiscal foi apresentada, já estava claro que ela não se sustentaria sem esse enquadramento.
Com várias linhas de despesas crescendo acima do teto global de 2,5%, seria inevitável que esses gastos obrigatórios iam tomar o espaço dos gastos discricionários, levando em algum momento a uma situação limite, como ocorreu na passagem do governo Bolsonaro ao governo Lula, onde o teto seria estourado para reacomodar necessários gastos discricionários.
Quando enfrentados, membros da equipe econômica não negavam esse fato, mas saiam pela tangente, alegando que rediscutir questões como a indexação do salário-mínimo ou os pisos de gastos com saúde e educação não estavam na pauta de discussão do governo naquele momento.
Bom, com a alta mais forte do que projetada desses gastos e a forte (e totalmente previsível) piora do cenário internacional, finalmente a questão “entrou na pauta”… depois das eleições municipais.
A cautela do mercado seria em saber qual o percentual da queda de crescimento dos gastos (detalhe importante: não há nenhum “corte” de despesas sendo discutidos, e sim limitação no seu crescimento) será por medidas estruturais, que podem ser projetadas por vários anos, e qual parte seriam devido a medidas pontuais (como o tão manjado “pente fino”) que tem um efeito de cortar o crescimento de gatos no curto prazo, o que no máximo somente adia o inevitável abandono/estouro do arcabouço.
A segunda razão pela falta de reação vem da percepção que o pacote não tem “dono” além da equipe econômica. Como ficou claro nessas semanas de negociação, há forte resistência a qualquer ajuste dentro do PT e partidos aliados e dos outros ministros de governo. O presidente não tem defendido o ajuste como algo positivo e necessário, mas sim como mais uma imposição malvada de um mercado sem consciência social.
Assim, dado o fato que qualquer pacote robusto vai ter que passar pelo legislativo, inclusive via a aprovação de PECs, fica a questão: o presidente Lula vai enquadrar o PT a apoiar o pacote? Ele vai entrar na articulação para sua aprovação? Ou vamos ver uma aprovação pelo presidente a portas fechadas, como um isolado ministro da Fazenda sendo o único agente político publicamente defendendo as medidas?
Em breve saberemos.