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    Tony Volpon
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    Tony Volpon

    Ex-diretor do Banco Central e professor-adjunto na Georgetown University (EUA)

    Arcabouço fiscal: a bola está com o Banco Central

    A melhor opção política para o governo é pesar nos juros, pagar o prêmio, e estabilizar a perspectiva inflacionária

    Os especialistas fiscais e orçamentários farão suas análises (e não sou um deles). Leio que Felipe Salto, esse sim um especialista, estima que as medidas anunciadas vão gerar 63% da queda de crescimento de gastos estimados pelo governo (escolho minhas palavras com cuidado, diferente de boa parte da imprensa/meio político e muitos analistas que insistem em usar o termo “corte de gastos” quando, na verdade, estamos falando de uma taxa de crescimento menor dos gastos).

    Mas independentemente do verdadeiro número, é muito simples entender por que esse ajuste é insuficiente para sustentar o já frouxo arcabouço fiscal petista. Limitar o crescimento do salário-mínimo em 2,5% é melhor que não ter limite, mas se a base do gasto tem um crescimento “vegetativo” positivo, o gasto total vai crescer acima dos 2,5%, e, portanto, o arcabouço não se sustenta. Você não tem que ser um especialista para entender isso.

    Então o que acontece agora? Agora a “bola” está com o Banco Central.

    Já vimos esse filme antes (eu vi de perto em 2015). Não tendo um horizonte de superávit primário com o timing e intensidade necessário, o risco aumenta muito que a estabilidade fiscal será alcançada via uma “deflação” do denominador da relação dívida/PIB por um choque inflacionário, como corretamente descrito pela FTPL, ou “teoria fiscal do nível de preços” (vide o recente livro do economista John Cochrane para que estiver interessado na FTPL).

    Foi assim em 2021/2022 com a pandemia: a inflação dispara, o Banco Central fica “atrás da curva” (por erro ou incompetência, tanto faz), o PIB nominal sobe mais que a dívida nominal, a relação dívida/PIB cai.

    Para quem acha essa uma boa solução, melhor que fazer um ajuste fiscal crível, lembramos que os detentores da dívida mobiliária federal (a tal “Faria Lima”) não são bobos. Assim, antecipando esse risco, o mercado adiciona um “prêmio de risco” na precificação dos títulos, com fortes altas de juros.

    Qual a natureza desse prêmio de risco? A melhor maneira de entender esse prêmio de risco seria igualá-lo ao prêmio recebido por vender uma opção: o governo força os detentores da dívida mobiliária a ficarem vendidos em uma “opção” de choque inflacionário futuro. O pagamento de uma taxa de juros real maior hoje é este prêmio.  Não por acaso, apesar das muitas manchetes sobre o dólar chegar em R$ 6,00, as altas das taxas de juros longas foram muito mais intensas que a alta do dólar, o que é exatamente o que deveria acontecer: o prêmio tem que ser nos juros, e não no câmbio.

    Qual o papel do Banco Central? Simples: pagar esse prêmio. E se o Banco Central recusar? Simples também: haverá fuga de capitais, com a espiral cambial aumentando a inflação e, assim, voilá, fazendo o ajuste – e provavelmente destruindo as chances de reeleição do governo (vide a recente experiência do governo Biden em ignorar a alta da inflação).

    Há outras opções? Sim: o Banco Central poderia apelar para uma combinação de YCC – ou controle da curva de juros via intervenções no mercado de títulos – e controle de capitais – fechamento do mercado de câmbio livre. Essa foi a opção dos governos de esquerda da Argentina, sabemos também que essa estratégia acaba fracassando (mas temos um brilhante economista que ajudou na formulação do Plano Real preparado para tentar se o governo assim quiser).

    Obviamente a escolha do Banco Central não é binária: vamos na prática ver um “mix” de alta da inflação com juros maiores.

    Longe de mim de dar conselhos ao novo presidente do Banco Central, mas a melhor opção política para o governo é pesar nos juros, pagar o prêmio, e estabilizar a perspectiva inflacionária/taxa de câmbio (podemos esquecer qualquer possibilidade de ver a inflação na meta nos próximos anos, o melhor possível seria estabilizar nos níveis atuais).

    Repito: nada destrói um governo como surpresas inflacionárias. Essa deveria ser a verdadeira lição da experiência de 2014-2016, e infelizmente me parece que essa lição não foi aprendida por uma parcela relevante do governo. Espero que o novo presidente do Banco Central não esteja neste campo.

    O que (e como) o BC pode fazer para derrubar o dólar?

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