Recuperar o grau de investimento é possível, mas improvável no curto prazo para o Brasil
Agências de classificação de risco estrangeiras mantêm nota de risco dois níveis abaixo do grau de investimento
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está confiante que o Brasil caminha para recuperar o selo de bom pagador concedido pelas agências de classificação de risco estrangeiras. Ele e o presidente Lula aproveitaram a viagem a Nova York para encontrar executivos de duas principais instituições, Moody’s e S&P Global Ratings. Ambas mantêm nota de risco dois níveis abaixo do grau de investimento.
Na saída do encontro, Haddad afirmou que já espera um “upgrade” da nota brasileira no ano que vem. Segundo o ministro, o presidente Lula tem dúvida se haverá tempo de recuperar o grau de investimento até o final do seu mandato em 2026. No lugar da política fiscal, foi a autonomia do BC que foi elogiada pelos executivos das agências, um dos avanços institucionais mais criticados e atacados por Lula.
“Estamos na reta final da transição desafiadora que governo soube lidar”, disse Haddad sobre a convivência com presidente do BC escolhido pelo governo passado, numa versão bem diferente da realidade acompanhada pelo país desde que Lula tomou posse.
Entre as variáveis econômicas levadas em consideração pelas agências, a trajetória da dívida pública, com seus custos, prazos e dinâmica de crescimento, é a mais importante. Os contrapesos são o crescimento da atividade, o controle da inflação, a taxa de juros e a capacidade de poupança do país. No caso brasileiro, o crescimento do PIB é a boa surpresa, mas sozinho não melhora os outros fatores.
A dívida pública não só continua em trajetória de alta, como seu perfil piorou em 2024 com aumento das emissões de títulos atrelados à Selic e encurtamento do prazo médio. Com novo ciclo de alta dos juros, o custo da dívida vai subir. Sem falar no prêmio de risco exigido pelos credores do Tesouro Nacional que cobram mais pelo desajuste fiscal.
A inflação está sob controle, mas pressionada pelo aumento dos gastos públicos com transferência de renda via benefícios sociais e pela volta da política de valorização real do salário mínimo, que pressiona as contas e, ao mesmo tempo, aumenta capacidade de consumo das famílias.
Haddad está convencido de que sua política fiscal gera equilíbrio nas contas públicas, insiste que o governo está cumprindo as metas fiscais estabelecidas e que tudo que não está dando certo na gestão do orçamento não é culpa sua. O ministro aponta o governo Bolsonaro e as decisões do Congresso Nacional como responsáveis pela fragilidade das contas, como se as escolhas do governo petista não tivessem turbinado os gastos a partir de 2023.
O discurso do ministro da Fazenda precisa ser confirmado pelos fatos. A apresentação do relatório bimestral de receitas de despesas do governo federal nesta segunda-feira (23) trouxe afrouxamento na contenção de gastos, criatividade na configuração das receitas esperadas e confirmou uma aposta de risco da equipe econômica para o cumprimento da meta fiscal de 2024. A folga de apenas R$ 500 milhões para chegar, não ao déficit zero estabelecido pela LDO, mas para se encaixar na banda de tolerância da meta criada pelo arcabouço fiscal.
O selo de bom pagador das agências de risco foi perdido em 2015 depois da gestão fiscal desastrosa de Guido Mantega no governo Dilma Rousseff. A fórmula de política econômica adotada pelos petistas de uma década atrás é a mesma escolhida por Lula em seu terceiro mandato. Com a diferença de que o Brasil está há 10 anos acumulando déficits orçamentários, acima de 10% no caso do déficit nominal. Déficit que começou no governo do PT.
As reformas aprovadas a partir do governo Temer, quase todas com rejeição pelo petismo, aumentaram capacidade de crescimento, como constatamos com as surpresas positivas do PIB há 4 anos. A autonomia do BC elogiada pelas agências de risco, as privatizações, as reformas trabalhista e da previdência, atacadas por Lula, teriam sido revertidas pelo petista se ele não tivesse encontrado uma realidade política muito diferente daquela que conviveu nos dois primeiros mandatos.
A recuperação do grau de investimento não é impossível de acontecer para o Brasil. Mas ela não parece provável no curto prazo com a atual configuração de política econômica adotada por Fernando Haddad e desejada por Lula, com aumento de receitas sem corte de gastos. As agências reconhecem o esforço do ministro em promover justiça tributária. Porém, estão longe de acreditar no sucesso da fórmula que já deu errado antes e foi responsável pela perda do selo de bom pagador ao Brasil.