BC admite descumprimento da meta de inflação em 2024
Projeção do IPCA do Copom subiu para 4,6%, acima do teto de tolerância
Um detalhe importante do comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) passou despercebido do mercado, que deu ênfase ao endurecimento do recado sobre a política fiscal do governo. No rodapé do documento estão as projeções de referência para o IPCA e a estimativa para 2024 subiu para 4,6%.
Pela primeira vez, o Banco Central (BC) admite que não vai cumprir a meta de inflação este ano, já que o teto do intervalo permitido pelo sistema brasileiro é de 4,5%.
As estimativas do Comitê para 2025 e 2026 também aumentaram, distanciando-se da meta contínua de 3%. As projeções estão agora em 3,9%, e 3,6%respectivamente. O que preocupa é que o cálculo já leva em consideração o aumento da Selic para 11,25% ao ano, o que confirma a necessidade de mais aperto nos juros nos próximos meses.
O chamado horizonte relevante para a política monetária, ou seja, o alvo do BC com aumento dos juros, é o segundo trimestre de 2026. E para este período, o Copom prevê IPCA 0,6 ponto percentual acima da meta. Para manter o seu “firme compromisso de convergência da inflação à meta”, diante do cenário de incertezas descrito pelo Comitê, não há outra solução que não uma alta mais forte dos juros.
Depois da decisão desta quarta-feira (06), de elevação de 0,50 ponto percentual da Selic para 11,25%, o mercado revisou previsões para o final do ciclo de alta levando a taxa básica para até 13% ao ano em meados de 2025. A curva de juros já previa esse cenário antes da decisão do Copom, mas ele pode se realizar se não houver uma mudança relevante nas expectativas para inflação.
Além da dose mais salgada na taxa básica, Gabriel Galípolo vai assumir a presidência do BC em janeiro e logo será obrigado a escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda explicando o que aconteceu e o que vai fazer para garantir a queda da inflação para 3%. Será a oitava vez que a autoridade monetária terá que se justificar pelo descumprimento da meta desde a adoção do sistema em 1999.
O economista escolhido diretamente pelo presidente Lula vai reviver o inicio do mandato de Henrique Meirelles em 2003, quando o IPCA estava em dois dígitos e a Selic em 25% ao ano. Hoje, o quadro econômico é outro e o BC é independente, contra a vontade de Lula e seu partido. A culpa pelo IPCA fora da meta será atribuída a Roberto Campos Neto, inimigo número um dos petistas, e certamente será usada como justificativa aos ataques à independência do Copom.
A dúvida do mercado sobre o quanto a gestão de Galípolo terá autonomia para agir diminuiu, mas ainda existe. Para superar ao menos essa incerteza, o futuro presidente do BC terá que ser duro também na sua comunicação, cobrando a “execução” de uma política fiscal “crível e sustentável”.
Este foi o principal recado do Copom ao governo no encontro desta semana. Os preços estão subdindo com o câmbio desvalorizado, a atividade apertada e o mercado de trabalho forte, mas as expectativas para inflação pioram com a percepção de risco fiscal e a disparada do endividamento público.
Galípolo terá que escrever uma carta explicando o passado, enquanto Fernando Haddad e Lula terão que reescrever sua política econômica se comprometendo com o futuro.