Análise: crise do Plano Safra tem roteiro semelhante ao caso do Pix
Governo se coloca novamente em uma situação de risco de conflito, dessa vez, com o agronegócio


O bloqueio dos recursos do Plano Safra anunciado pelo Tesouro Nacional tem uma semelhança preocupante com a crise do Pix de semanas atrás.
Por uma questão técnica, ou seja, a impossibilidade de aprovar despesas que subiram sem que o orçamento federal esteja aprovado, o governo se coloca novamente em uma situação de risco de conflito.
Dessa vez a confusão é com o agronegócio, setor ligado à oposição e com quem Lula e o PT não tem boa relação.
Há também correlação com a inflação dos alimentos, tema que o presidente da república escolheu como inimigo do país a ser combatido pelo seu governo.
Sem acesso ao crédito subsidiado pelos cofres da União, o agricultor pode ter problemas de custos e até de capacidade de plantio na safra do meio do ano.
Fontes ouvidas pela CNN ressalvam que ainda é cedo para afirmar que a falta do crédito subsidiado vai provocar alta dos preços, ou impedir sua redução. Ainda assim, está criada mais uma confusão sobre como governo gere a política econômica.
A solução anunciada pelo ministro Fernando Haddad também deve sofrer questionamentos.
O chefe da Fazenda culpa o atraso na aprovação do Orçamento pelo Congresso Nacional e quer lançar mão de um crédito extraordinário de R$ 4 bi para retomar a liberação dos recursos. Para isso, ele confirmou a edição de uma medida provisória que deve sair nos próximos dias.
As premissas constitucionais para tomada de um crédito extraordinário são “urgência, relevância e imprevisibilidade”.
Um executivo do mercado financeiro que já passou pelo governo federal indaga: era imprevisível? “Não era.” Tanto assim que o próprio Haddad fez questão de dizer que o valor está dentro dos limites de despesas do arcabouço fiscal e que, assim que o Orçamento for aprovado, o Tesouro fará a compensação.
Os recursos de um crédito extraordinário não precisam obedecer às regras fiscais. Na prática, ao fazer a operação, o governo vai liberar o mesmo valor para qualquer gasto que quiser fazer.
Não há instrumento legal conhecido para fazer essa compensação garantida por Haddad, ou seja, depois de fazer a despesa com dinheiro antecipado, o governo não teria como bloquear o mesmo valor no orçamento por vontade própria.
Para complicar a crise que se forma, o governo também quer pedir ajuda ao Tribunal de Contas da União, para não ter problemas com o auditor das contas públicas ao fazer uma manobra nada ortodoxa para liberar bilhões de reais do caixa. E por lá, o ruído também aumentou na relação com governo.
Segundo apuração da analista Jussara Soares, sob reserva, fontes do TCU relataram à CNN desconforto com a situação e citam que a chance de o governo obter aval para liberar as linhas de crédito fora do orçamento é “próxima de zero”.
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