Análise: referências a Ulysses Guimarães abasteceram recados de Motta
Mensagens tiveram como principais destinatários o governo e o STF
O primeiro discurso de Hugo Motta (Republicanos-PB) como presidente da Câmara dos Deputados foi marcado pela defesa do protagonismo do Congresso no controle do Orçamento e na garantia de suas prerrogativas. Governo e, sobretudo, Supremo Tribunal Federal foram os principais destinatários dos recados de Motta.
O pronunciamento do deputado foi permeado, do início ao fim, por referências ao discurso de Ulysses Guimarães durante a promulgação da Constituição Federal. A histórica declaração do presidente da Assembleia Nacional Constituinte foi feita um ano antes do nascimento de Hugo Motta.
As comparações não ficaram restritas aos inúmeros trechos do pronunciamento do parlamentar símbolo da resistência civil à ditadura militar. Motta também relembrou o gesto de Ulysses ao promulgar a Constituição. A orientação estava no próprio discurso: “levanta, segura a Constituição com as duas mãos e repete o gesto com a Constituição nas duas mãos”.
A palavra democracia foi mencionada 28 vezes durante o discurso do deputado eleito após uma costura política que uniu esquerda e direita. As articulações para consolidar a candidatura do deputado passaram por, entre outros temas, um apelo de parlamentares bolsonaristas para o avanço do projeto que prevê anistia a envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
A enfática defesa da democracia e as diversas referências a Ulysses Guimarães no marco da redemocratização devem representar uma dificuldade para que este projeto, caro ao bolsonarismo, avance sob a gestão do novo presidente da Câmara.
Ao abordar a questão das emendas parlamentares, Motta defendeu o Legislativo. “O Parlamento jamais avançou em suas prerrogativas. Foi justamente o contrário. A vontade dos constituintes originários foi adiada por quase 4 décadas”, afirmou.
“São governo o Executivo e Legislativo”, frase dita por Ulysses em 1988, foi resgatada por Motta ao dirigir a mensagem ao governo federal. Lembrou que os constituintes estabeleceram a corresponsabilidade e a coparticipação do governo.
O novo presidente da Câmara afirmou de maneira taxativa que “o Legislativo jamais avançou em nenhuma prerrogativa, no presente ou no passado presente”. “Na verdade, o poder Legislativo recuperou suas prerrogativas, definidas pelos constituintes originários”, destacou.
Motta destacou que a impositividade do Orçamento, a partir de 2015, fez o Legislativo se encontrar com as origens do projeto constitucional. “Estamos num ponto de onde nunca deveríamos ter nos desviado, aquele que mandou a Constituição e por tanto tempo foi adiado”, afirmou Hugo Motta, que, em um aceno aos colegas, disse: “fazemos parte, todos nós, todas as senhoras e os senhores, fazem parte da solução. E não do problema”.
Motta adotou o “morde e assopra” ao seguir falando sobre as emendas parlamentares, alvo de críticas do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União devido à falta de transparência, critérios técnicos e rastreabilidade.
“Tem razão os que pregam por mais transparência. Sou o primeiro dessa fila. Sou a favor de uma radicalização quando falamos da transparência nas contas que são, por definição, públicas”, disse.
A mordida em relação ao STF, no entanto, vem de maneira mais clara a seguir. Na avaliação do novo presidente da Câmara, não só o Legislativo, mas também o Executivo e o Judiciário devem prestar contas à sociedade.
“Na questão da transparência, o que não pode haver é opacidades e transparências relativas”, diz. “A praça, sempre lembremos, é dos 3 e não de 1 nem de 2 poderes. E quando não é dos 3 não é a praça da democracia”. O uso de “todos” repetidas vezes deixa nítida a alfinetada de Motta.
“Temos hoje tecnologias nas plataformas digitais capazes de acompanhar em tempo real cada centavo despendido por todos os poderes. Por que este Parlamento, responsável que é pelo orçamento, como determina a Constituição, não oferecer à sociedade uma plataforma integrada de todos os poderes – todos – para que os brasileiros e as brasileiras possam acompanhar todas as despesas em tempo real de todos os poderes? Transparência Total de Todos. A sociedade brasileira agradece”.
A reflexão aos demais Poderes sugerida por Motta, em especial ao Judiciário, que suspendeu a execução das emendas no ano passado, termina da seguinte maneira: “Quando cada um reconhece o seu lugar, o nome disso é respeito. Passou o tempo do dedo na cara. É hora do olho no olho. O respeito não grita. O respeito ouve e se faz ouvir”.