Você iria jantar com cinco estranhos? Bem, eu sim!
Baixei um aplicativo chamado Timeleft e saí para jantar com desconhecidos em um restaurante em São Paulo
Tudo começou com um anúncio do Instagram, perguntando se eu jantaria com 5 desconhecidos. Mal pensei e cliquei, afinal, minha resposta era um SIM bem alto!
Minutos depois de ter entrado no site para o qual fui direcionada, baixei um aplicativo chamado Timeleft, fiz meu cadastro e mandei para 2 amigos e para meu marido. Apenas meu amigo mais novo topou, fez o cadastro e selecionou o mesmo dia e região da cidade que eu (pedi por isso) para um jantar. Vai que a gente dá sorte de cair na mesma mesa…
E foi quase isso que aconteceu. No dia agendado, que é sempre uma quarta-feira, cheguei ao restaurante alguns minutos depois das 20h. Era um restaurante legal localizado no bairro Jardins, e que eu já queria conhecer faz tempo. Assim que soube que seria lá, já me animei, afinal, iria no mínimo comer bem.
Eu já sabia que não seria a única a atrasar, afinal outra pessoa tinha avisado no app que iria se atrasar. E como um “bug”, o nome e sobrenome da pessoa apareceu na notificação, e eu já fui googlar quem era. Cheguei ao restaurante, fui levada direto à minha mesa (havia três no total). Dei um “oi” de longe pro meu amigo, que já estava com a mesa completa. Na minha, tinha apenas uma moça, sozinha, e apesar de ser a primeira vez dela em um jantar do tipo, já tinha assinado logo um plano que daria direito a ir a mais 3 jantares naquele mês.
A essa altura do campeonato você já deve estar se perguntando: o que é isso? Afinal, não era um jantar de amigos, mas sim organizado pelo TimeLeft, empresa dedicada a ajudar as pessoas a se conhecerem, de uma jeito descontraído e comendo comida boa!
Resumindo o conceito, você se cadastra, compra o direito a um jantar, preenche um questionário e voilà: um algoritmo combina seu perfil com o de 5 estranhos para jantar.
Mas voltando ao jantar daquela quarta-feira, eu e a moça engatamos uma conversa bem básica, afinal era nossa primeira vez. Falei que sabia que o cara que ia atrasar trabalhava com TI, pois tinha achado seu Linkedin. Como eu tinha cancelado meu jantar depois de saber qual restaurante e o número da minha mesa, não tive acesso a informações sobre os desconhecidos. Foi aí que a moça falou que também trabalhava com TI, eu também trabalho com tecnologia…e nesse momento desanimei, afinal tudo indicava que minha mesa seria da galera da TI.
Foi aí que a moça me mostrou os signos das pessoas que estariam conosco (eu era a única sagitariana rs), a porcentagem da área de atuação profissional, e ufa, tinha uma pessoa da área criativa! Mas cadê ela? Será que seria só eu e a moça?
Toda aquela espera foi me gerando uma tensão…afinal, podemos confiar nesse algoritmo? Diferentemente de outros apps que já usei para encontrar pessoas desconhecidas, nesse caso, além de serem 5 pessoas, eu não tinha selecionado nenhuma delas por afinidade, ou porque a foto me atraiu. Era um um encontro às cegas com pessoas que um algoritmo X acha que tenho muito em comum…
E toda essa aproximação algorítmica veio de um questionário básico, com perguntas do tipo “Suas opiniões geralmente são guiadas por lógica e fatos, ou por emoções e sentimentos?”, se eu era introvertida ou extrovertida e por aí vai. No fim, não tinha como dar muito errado, mas depois de poucas trocas com ela, veio um longo silêncio.
Eis que minutos depois chega o cara de TI e cerca de 45 minutos depois, chega um segundo rapaz que se senta ao meu lado. E logo de cara ele me chamou atenção pelo estilo. Certamente era ele quem trabalhava em alguma área criativa ou moda. E sim, acertei! Já fui logo puxando papo, perguntando o que ele achava da minha blusa, que tinha finalizado naquele mesmo dia e já resolvi usar. Todos gostaram e isso puxou assunto para mais um pouco, até que, cerca de 1h depois, resolvemos juntar duas mesas que estavam desfalcadas. Aí a coisa começou a ficar interessante.
Depois de um bom tempo, chegou uma pessoa muito atrasada, e isso mais me pareceu uma estratégia do que exatamente problema com horário, afinal quando você se encontra com estranhos para jantar, é melhor chegar atrasado e com mil desculpas para iniciar a conversa.
A comida chegou para as pessoas que já estavam na mesa. Diferentes de “nós”, da minha mesa original, eles resolveram pedir logo, mostrando uma certa pressa, enquanto “nós” tínhamos esperança que chegassem os 2 faltantes. Pedimos bebidas, e o moço que sentou ao meu lado desde o início, que foi com quem mais me identifiquei e conversei, já estava indo para o segundo drink.
Assim que juntamos as mesas eu já soltei logo uma pergunta, afinal, apesar do que é anunciado pelo app, que diz categoricamente não é um app de namoro, a impressão que eu tive desde o início do jantar, na mesa com 8 pessoas, é que todos eram solteiros e estavam, sim, atrás de companhia. Eu disse que era casada e que tinha até cancelado o jantar para não dar treta, e claro, todos responderam que eram solteiros. Bingo!
Mediação tecnológica e o desconhecido
O jantar correu bem, até ensaiamos usar algumas perguntas sugeridas pelo app, mas não foi necessário. Minha pergunta disparou o assunto principal, que ficou em torno de relacionamentos, desejos, disponibilidade, aflições, pós-pandemia e solidão.
Todos conversamos sobre isso, e o fato de eu ser a única pessoa casada (e com uma pessoa que conheci em um desses apps de namoro), fez a conversa fluir e até gerar uma certa esperança no pessoal. O que eu posso dizer é que nos divertimos e eu era o exemplo de que dá sim para conhecer pessoas muitos legais através de mediação tecnológica. Claro, se as pessoas envolvidas estiverem dispostas e abertas para a experiência, que no fundo é o que mais importa.
A tecnologia, apesar de ser parte do problema da solidão hoje, ao tornar as pessoas menos dispostas e até mesmo preparadas para estabelecer conexões no mundo no mundo físico, principalmente nesse pós-pandemia, ela também pode nos ajudar a ir além de experiências cotidianas em que encontramos geralmente as mesmas pessoas em alguma atividade, como uma aula de yoga. Nesse sentido, é bem clara a diferença se usamos a tecnologia como meio de se conectar com as pessoas e não somente para interagir com pessoas através da tecnologia.
E esse é um bom ponto: os aplicativos não resolvem todo o problema, mas ajudam muito nessa conexão, afinal, pra muita gente, oferecer sua vida social a um algoritmo pode ser parecer menos doloroso do que tentar fazer amigos organicamente em uma balada, bar ou café.
Um segundo ponto que chama atenção é a experiência com o desconhecido. Pra muita gente esse é o fator mais atrativo. Agora, imaginem vocês: pra quem vive em cidade grande, como eu, sabe a dificuldade de se criar conexões mais fortes se não tiver um empurrãozinho, que seja de amigos ou de contexto para isso. E nesse sentido a tecnologia ajuda, e muito.
Claro que usar um app que direta ou indiretamente, brinca com o nosso desejo de conhecer pessoas atraentes, tanto fisicamente quanto intelectualmente, dá uma direcionada no fluxo da coisa. Geralmente quem começa a usar essas mediações, ainda mais no comecinho, tem gosto pela aventura e geralmente se joga nela. E no fim das contas, independentemente do tipo de mediação, a experiência vai ser ruim pra quem não estiver disposto a se jogar de verdade. Sempre vai depender do outro para tudo ser mais divertido, mas dá pra ir direcionando o fluxo se tiver um pouco de abertura. No mínimo vai ser uma experiência antropológica interessante.
Para quem está viajando sozinho esse tipo de situação pode ser incrivelmente reveladora. Lembro que teve uma época em que eu fazia isso.
Mesmo não querendo date, eu usava Tinder e outros apps de namoro para encontrar mais facilmente pessoas e compartilhar momentos com quem estava disposto. Tendo opção de app não direcionados apenas para dates (hoje o Bumble tem opção para amizade), isso fica mais fluido.
Em Nova York, por exemplo, cheguei a ir em festas super privadas, como uma no Whitney Museum, porque conheci um italiano colecionador no Tinder. E foi demais.
Para os outros dias em que fiquei na cidade, marquei um encontro por dia, que no fim durava o dia todo, e todos foram legais. Não fiquei sozinha, fui nos museus, galerias, parques e restaurantes que queria, e geralmente engata um show ou uma baladinha à noite. E ambos se divertiam, apesar de alguma frustração (e que faz parte do jogo). Pra quem está mudando para uma cidade nova, isso também pode ser super útil. No fim do dia, acabava me juntando ao encontro de amigos da pessoa que eu estava saindo. E isso geralmente era melhor do que passar dias sozinha.
Já no caso do TimeLeft, o fato de ter mais pessoas envolvidas e não ser um encontro “one-on-one” pode ajudar muita gente que acha constrangedor ou até mesmo assustador sair com uma pessoa desconhecida. O mais interessante é que esse encontro mediado possibilita mais oportunidades e diversidade.
Solidão pós-pandemia
Tem outro fator importante que faz com que o app tenha sucesso. A própria plataforma diz, no site, que espera ajudar a combater a solidão e o isolamento social. E não faltam pesquisas e relatórios que revelam essa triste notícia, tanto que a gente consegue perceber isso no nosso dia-a-dia, principalmente entre os mais jovens, o que aumenta o desejo de conexão. E não é de surpreender que os pesquisadores afirmam que estamos vivendo uma “epidemia de solidão”.
Por isso mesmo, o TimeLeft faz parte de uma onda de clubes, aplicativos e grupos comunitários “anti-solidão” que surgiram recentemente. Fora do Brasil tem alguns bastante conhecidos, como o clube Groundfloor da Califórnia, para maiores de 30 anos.
O fato de ter tantas pessoas, em todas as fases da vida, se sentindo sozinhas, ou pelo menos precisando de mais conexões sociais, é preocupante, o que ratifica a necessidade de soluções inovadoras e tecnológicas que ajudem a dar conta disso. E se você tá achando isso um exagero, lembre-se de que não é todo mundo que tem cinco amigos com quem possa sair pra jantar.
Mas atenção! Claro que eu não acho que a tecnologia traz solução pra tudo. A solidão contemporânea tem mais a ver com a falta de profundidade e riqueza das conexões, e menos com a quantidade delas online. Por isso, a criação da intimidade é importante, e ela só vem com uma partilha real de si mesmo. A mediação tecnológica ajuda, mas ao mesmo tempo pode esconder aspectos menos desejáveis, que ficam de fora do digital. O corpo a corpo ainda é, em última instância, o que gera intimidade real.
Falar com desconhecidos é bom
Minha mãe me ensinou que não devemos dar muita atenção para estranhos. Mas desde pequena ouvia isso com desconfiança, afinal eu mesma sofria bem mais nas mãos de pessoas conhecidas e próximas do que com estranhos. E apesar de “estranho” ter virado sinônimo de perigo, ainda acho válido e muito divertido lidar com eles.
Em uma matéria bem interessante da BBC, o jornalista Joe Keohane nos mostra que conversar com estranhos, por exemplo, pode realmente nos trazer momentos felizes, e esse senso comum de que é perigoso, mais tirou a nossa confiança nas pessoas, essencial para a vida em sociedade, do que nos protegeu.
Em seu livro “The Power of Strangers: The Benefits of Connecting in a Suspicious World”, sem tradução para o português, ele discorre sobre o que perdemos com esse medo e o quanto ele nos prejudica, principalmente na vida adulta. Basta lembrar que falar com estranhos é essencial para a construção de cidades, países e governos, nos fazendo pessoas melhores. E se for pensar, de todo mundo que conhecemos, no início essa pessoa era uma estranha. ¯\_(ツ)_/¯
Eu mesma tive momentos muito importantes com estranhos. Quando eu comecei a usar o Tinder, estava em um dos piores momentos da minha vida, e confesso que foi melhor que a terapia. Qualquer outra pessoa próxima a mim que eu encontrava, só perguntava sobre o momento difícil que eu estava enfrentando. Ao começar a encontrar estranhos, eu me desviava da dor. Isso me fez entrar em contato com o que eu tinha de bom e bons momentos da minha vida. Como geralmente os encontros duravam horas, eram horas que eu conseguia escapar do sofrimento e olhar para o lado bom da minha vida e de mim mesma. Além disso, fiz amigos verdadeiros, que mesmo depois de 10 anos frequentam a minha casa até hoje.
Em tempos de pouco tempo para tudo, ter essa ajudinha tecnológica pode nos tirar do buraco. Basta só quebrar a barreira do medo, do constrangimento e da frustração. No máximo você vai ter um encontro ruim, caso não tenha caído em um golpe. E no final das contas, como tá todo mundo em uma avalanche de coisas, essa acabou sendo uma das melhores formas de conhecer pessoas e combater essa solidão que se tornou epidêmica.
Exaustão de aplicativos
Claro que nem tudo são flores. Em um artigo recente do Financial Times, a editora Bethan Staton traz à tona justamente a questão: será que um aplicativo pode realmente curar a solidão?
Ao descrever o TimeLeft, que surgiu no auge da nossa exaustão de aplicativos de namoro (e também do trabalho remoto), ela fala sobre o “paradoxo da escolha”, no qual quanto mais variedade se tem, menos feliz se é na escolha.
E toda essa quantidade enorme de opções também traz outro fator crucial na minha opinião: o tempo. Se conectar com alguém demanda muita energia e entrega, e isso pode se tornar exaustivo muito rapidamente, principalmente se não gera uma conexão real. Além disso, pode-se entrar facilmente no flow de vários encontros, que demandam um gerenciamento de contatos e agenda, e que também não gera conexão (na verdade só gera trabalho administrativo).
No fim até parece que estamos ok, sempre cercado de pessoas, mas caímos facilmente no que falei anteriormente: a solidão, só que em companhia. Isso nos traz a mais um questionamento: por que, muitas vezes, acabamos preferindo conhecer e sair com mais um grupo de estranhos ao invés de aprofundar mais as relações que já temos, mesmo que no início? Por que está cada vez mais difícil aprofundar relações e criar intimidade? Se tudo demanda tempo e energia, por que fazer com estranhos?
Segundo Maxime Barbier, fundador do TimeLeft, a ideia do app é também reduzir ao mínimo o esforço das pessoas para conhecer outras e viver uma nova experiência. E, de fato, esse é um ponto bastante interessante quando estamos falando de pessoas que estão pelos seus 30 anos, e que podem pagar uma quantia generosa (R$ 39,99, para um jantar, ou mensalidade por R$ 59,99) para o gerenciamento do encontro e depois desembolsar mais uma outra boa quantia no jantar em si (afinal, os restaurantes são bons, e isso custa).
Toda essa parte operacional de marcar com as pessoas, escolher restaurante, fazer reserva e deixar tudo certinho para um “after” com entrada gratuita (sim, sempre há possibilidade de esticar o encontro em um bar ou pub descolado), tem feito o app ser um sucesso aqui no Brasil, apesar de estar aqui há pouco tempo, como me relatou Jean Bortoletto, country manager do TimeLeft aqui no Brasil. O que mais vou querer saber em breve, é se as pessoas que se encontram voltam a se encontrar e criam algum tipo de conexão, ou se o fato de não podermos escolher, nos coloca com pessoas até que legais, mas não o suficiente para evoluir em algum tipo de relação.
E aí, funciona?
Eu diria que sim! Não vai ser um app recorrente, assim como outros, até pelo valor. Mas com certeza muita gente vai usar, nem que seja para conhecer pessoas e bons restaurantes quando se está viajando sozinho ou mudando para uma nova cidade.
Assim como muitas comunidades que surgem, por exemplo, em redes sociais perduram e continuam crescendo, a proposta do TimeLeft vai de encontro a necessidades meio básicas dos seres humanos, que é socializar e ir em busca de novidades. Por mais que as pessoas usem algumas vezes e exclua o app, ele terá cumprido sua função
O que eu acho mais interessante é que, depois que vencemos o medo do desconhecido, aceitamos que podemos nos frustrar e temos total abertura e disponibilidade para o outro, não importa quem seja, coisas boas acontecem, mesmo que não dure. E saber aproveitar esses momentos, pode trazer um bem-estar enorme. No mínimo vamos conhecer lugares legais, pessoas (sejam elas legais ou não) e do ponto de vista da dinâmica social, ir a um jantar onde ninguém conhece ninguém e estão todos sem âncora, a experiência acaba rendendo, pelo menos, uma história.
Talvez para algumas pessoas o jantar não tenha funcionado, mas para a maioria percebi que sim. E isso tem a ver com a disponibilidade e abertura das pessoas que estão na mesa.
Acredito que para aquelas com maiores expectativas, o jantar pode ter frustrado um pouco. Mas acho que mesmo que ninguém se veja novamente, aquelas horas que passamos juntos foram bastante agradáveis. Certamente vão ter pessoas que não vão pagar para ter mais jantares do tipo. Mas essa incerteza do que ainda é possível em um próximo jantar faz muita gente querer experimentar ainda mais outros encontros do tipo.
Antes de usar o app fui atrás de saber como era, e vi que muita gente não teve a mesma sorte que eu e acabou jantando com pessoas grosseiras e irritantes. Apesar disso, olhando o todo, isso não é um padrão e geralmente, como disse, quem topa está disposto e quer ter uma boa experiência.
Se antes os aplicativos de namoro nos davam a ilusão de que temos opções ilimitadas, e muitas vezes, as pessoas ficam passando para ver o que tem disponível, sem ter nem
interesse em sair com alguém, agora não vamos descartar uma pessoa só porque sua aparência inicial não agradou o suficiente. O bom de ser tudo no escuro nos obriga a ir, ficar e tentar, afinal, aquele encontro já foi pago. E essa descoberta, pode ser sim, reveladora.
Pra finalizar, acho bom que a tecnologia nos lembre que o desconhecido é muitas vezes mais atrativo do que aquilo ou alguém que já conhecemos. Ele não tem nada certo e decido e tudo é um potencial. Como lembrou bem o Jean, do TimeLeft, “a tecnologia é um facilitador para a mediação dos relacionamentos que, em última instância, é humano!
Eu sempre lembro da música Cérebro Eletrônico, do Gil. Ele ‘faz quase tudo, mas é mudo’ quem fala (e ouve) seja pelo app ou no jantar, são as pessoas”. Então vai aí um lembrete final. Aproxime-se de mais mistérios a serem desvendados e conhecidos, e boa sorte!