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    Priscila Yazbek
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    Priscila Yazbek

    Correspondente em Nova York, Priscila é apaixonada por coberturas internacionais e econômicas — e por conectar ambas. Ganhou 11 prêmios de jornalismo

    Tarifas de Trump alimentam sentimento antiamericano no mundo

    Vaia a hino americano no Canadá, bandeira americana queimada no Panamá e pesquisas de opinião na Europa explicitam insatisfação com os EUA

    O presidente dos Estados Unidos tem falado grosso com aliados históricos e ameaçado parceiros comerciais com a imposição de tarifas, apostando na superioridade da economia norte-americana.

    Donald Trump acredita que está vencendo o jogo ao forçar melhores condições de negociação para os EUA, seja ao discutir transações econômicas ou soluções para guerras.

    A abordagem transacional de Trump se baseia na ideia de que há um vencedor e um perdedor, priorizando o desempenho da balança comercial e o superávit americano.

    A estratégia de Trump visa obter resultados de curto prazo, sob o risco de prejudicar relações diplomáticas estabelecidas há décadas.

    Há sinais de que a política da atual gestão na Casa Branca tem gerado reações contrárias em diversos países, como no Canadá.

    Torcedores canadenses passaram a vaiar o hino nacional norte-americano em jogos esportivos; “cafés americanos” se transformaram em “cafés canadianos” nos cardápios; e bebidas dos EUA foram retiradas de gôndolas. Até mesmo aplicativos foram criados para mostrar a origem de produtos no supermercado e facilitar o boicote dos canadenses incomodados com Trump.

    O próprio ex-primeiro-ministro Justin Trudeau, que acabou de deixar o cargo, afirmou que as ações de Trump visam estrangular a economia canadense para abrir caminho para uma anexação do Canadá aos EUA.

    A retaliação dos canadenses, portanto, é mais visceral porque não diz respeito apenas às tarifas, mas à independência do país.

    Indo ao centro do continente, depois das ameaças de Trump de retomar o Canal do Panamá, panamenhos queimaram bandeiras dos EUA.

    No outro lado do Atlântico, um carro alegórico de Carnaval em Dusseldorf, na Alemanha, desfilou com bonecos gigantes de Trump e o presidente russo Vladimir Putin apertando as mãos, com uma placa dizendo “Pacto Hitler-Stalin 2.0”.

    No Reino Unido, mesmo os políticos conservadores criticam Trump. Nigel Farage, um dos principais representantes da ultradireita britânica, disse que o vice-presidente JD Vance estava “errado, errado, errado” ao criticar a falta de apoio militar dos ingleses aos EUA e supostamente acusar o país de desempenhar um papel “aleatório” na Ucrânia.

    Vance negou que se referia aos britânicos, mas o estrago estava feito. O tabloide The Sun destacou uma caricatura do vice-presidente acompanhado de expressões como “vergonha”.

    Até mesmo dentro dos Estados Unidos já se admite o crescimento do antiamericanismo. O jornal The Washington Post publicou um guia sobre como lidar com a hostilidade no exterior, recomendando aos americanos se vestir “de forma neutra, não patriótica”.

    Uma pesquisa da empresa britânica de análises YouGov revelou que o percentual da população que tem impressões favoráveis sobre os EUA diminuiu entre os países europeus.

    A maior redução, de 48% para 20% da população, entre agosto de 2024 a fevereiro, foi na Dinamarca, onde cidadãos rechaçam a intenção de Trump de anexar a Groenlândia.

    Em nenhum país europeu o sentimento positivo passa de metade da população.

    Está sobrando inclusive para o “Primeiro Amigo” da Casa Branca, o bilionário Elon Musk, que tem endossado as visões mais provocativas de Trump.

    A Associação Chinesa de Veículos de Passeio afirmou que o envolvimento de Musk na política americana pode agravar ainda mais a queda das vendas da sua fabricante de veículos elétricos Tesla. As entregas em fevereiro despencaram 49% na China, 71% na Alemanha e 44% na França.

    As ações da empresa registraram sete semanas seguidas de perdas na Bolsa americana.

    Analistas econômicos alertam que consumidores podem evitar a marca por receio de represálias, abrindo espaço para montadoras como BYD e Volkswagen.

    Agentes da divisão

    Em um artigo da agência notícias Bloomberg, o colunista britânico Adrian Wooldridge afirma que os norte-americanos são cada vez mais vistos como agentes de divisão, em vez de criadores de uma rede global.

    “Viver com os Estados Unidos é como dividir quarto com adolescentes malcriados que exigem atenção constante e acham que resolveram os mistérios do universo.”

    O protecionismo já foi testado por outras gestões americanas. Em 1930, o então presidente Herbert Hoover criou as chamadas tarifas Smoot-Hawley, que elevaram a taxa média sobre as importações americanas de 40% para 60%.

    A política contribuiu para amplificar a Grande Depressão e incentivou países a formar alianças para reduzir a dependência do comércio com os americanos.

    Mesmo em nações que não anunciaram retaliações formais as importações dos EUA caíram de 15% a 20%, segundo um estudo da Leavey School of Business, Sciences Po e da Universidade de Viena.

    Ainda que Trump tenha recuado sobre algumas tarifas, diversos países passaram a considerar os EUA um parceiro comercial menos confiável.

    E o setor produtivo dos Estados Unidos alerta sobre os impactos do antiamericanismo para a economia doméstica.

    A Associação Americana dos Produtores de Soja pediu que o governo reconsidere as tarifas sobre a China e afirmou inclusive que a medida pode levar os produtores brasileiros a ganhar mercado.

    Na primeira gestão de Trump, a guerra comercial já levou chineses a estreitar laços comerciais com países como o Brasil. E o mesmo pode se repetir agora.

    O passado mostra que as relações tendem a se rearranjar, visando diminuir a importância dos Estados Unidos. Trump defende que o seu país tem robustez suficiente para ser feliz sozinho. Mas em um mundo globalizado, o vácuo deixado pelos americanos pode ser facilmente preenchido.

    Trump pode agradar sua base interna ao se mostrar um líder duro e impassível nas negociações.

    Mas especialistas alertam que o efeito rebote do mundo pode levar a política de “America First” (Estados Unidos em primeiro lugar) a desencadear um “America Last” (Estados Unidos em último lugar), como consequência de um forte isolacionismo do país.

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