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    Priscila Yazbek
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    Priscila Yazbek

    Correspondente em Paris, Priscila é apaixonada por coberturas internacionais e econômicas — e por conectar ambas. Ganhou 11 prêmios de jornalismo

    A “TikTokenização” das eleições europeias e a viralização da extrema direita

    O TikTok foi visto como fator decisivo para a vitória de políticos de extrema direita, como Jordan Bardella na França, em uma tendência global que pode chegar ao Brasil nas eleições municipais

    A extrema direita foi considerada a grande vencedora das eleições europeias de 2024 nos países mais populosos do bloco: Alemanha, França e Itália  – mesmo com os partidos de centro assegurando a maioria dos assentos no Parlamento Europeu. E as redes sociais foram apontadas como um elemento decisivo para o resultado, com destaque para o TikTok.

    Na ausência, por ora, de uma pesquisa que comprove a relação direta entre as plataformas e a ascensão de partidos extremistas, alguns fatos foram amplamente citados na mídia europeia para justificar a influência dessas ferramentas. Entre eles, a vitória de Jordan Bardella, na França. A estrela do TikTok, de 28 anos, obteve o dobro dos votos do partido do presidente Emmanuel Macron.

    Uma pesquisa do Politico, veículo especializada em notícias da União Europeia, analisou em fevereiro e março as contas dos eurodeputados e concluiu que a plataforma chinesa ganhou muita relevância no bloco. Mais de 140 milhões de pessoas, dos 27 países da União Europeia, usam o TikTok.

    Políticos de todos os espectros migraram para a rede, com um terço dos eurodeputados franceses, italianos e alemães presentes na plataforma.

    Mas a maioria é dos extremistas: 46% dos políticos de extrema direita e extrema esquerda estão na plataforma, contra apenas 19% de representantes de partidos de centro-direita, segundo a pesquisa do Político.

    E enquanto partidos de extrema direita acumulavam, até março, 28 milhões de curtidas e os de extrema esquerda 17 milhões, os de centro direita tinham apenas 3 milhões.

    Na Alemanha, por exemplo, o chanceler alemão Olaf Scholz entrou no Tiktok em abril, mas a líder do partido de extrema direita AFD, Alice Weidel, é mais ativa e dá mais audiência. Enquanto o chanceler tem 282 mil seguidores, Weidel tem 295 mil.

    Algumas das estrelas do TikTok ganham “likes” pela habilidade em espalhar sua mensagem política, mas outras simplesmente compartilham vídeos de pets e hobbies.

    Graças a vídeos cuidadosamente selecionados, regados a álcool e críticas ácidas em debates televisivos, Jordan Bardella se tornou a terceira personalidade política francesa mais seguida no TikTok, com 1,6 milhão de usuários, atrás apenas de Emmanuel Macron (4,5 milhões de seguidores) e do líder do partido de esquerda La France Insoumise, Jean-Luc Mélenchon (2,4 milhões).

    Mas em likes, Bardella supera Macron, com 37 milhões de curtidas, contra 35 milhões do presidente – e bem perto dos 40 milhões de Melenchon.

    O “genro ideal” da extrema direita, como é conhecido pelo estilo engomado e linguagem mais suave do que outros políticos extremistas, Bardella, de 28 anos, é um nativo digital e está muito à frente de outros eurodeputados de extrema direita porque não fala apenas sobre política.

    Nos últimos meses, os vídeos que mostram Bardella com uma taça de vinho ou bebendo cerveja acumularam 13,5 milhões de visualizações. Em um deles, Bardella “bebe o veneno” dos jornalistas que fizeram uma reportagem crítica a ele. Resultado: 3,2 milhões de visualizações e 351 mil curtidas.

    @jordanbardellaSanté ! 🍻♬ son original – Jordan Bardella

    A maioria dos usuários do TikTok tem menos de 35 anos, o que ajuda os políticos a alcançar o eleitorado jovem, que normalmente não é o mais ativo nas eleições.

    Outro fenômeno associado ao TikTok é a simplificação excessiva das questões políticas, com seus vídeos de poucos segundos. O uso de um tipo de linguagem sarcástica, irônica e com memes, sobretudo pela extrema direita, também propicia a criação de visões estereotipadas da política.

    Outra característica ainda da “Tiktokenização” das campanhas é a formação de bolhas ideológicas ainda mais fechadas. Com algoritmos mais eficientes do que os de outras redes, o que começa com um pequeno interesse se transforma em um círculo vicioso.

    A rede chinesa captura algo que desperta a atenção e bombardeia o usuário com conteúdos que o levam a acreditar que aquele ponto de vista é o mais confiável.

    Nina Santos, diretora do Aláfia Lab e pesquisadora do Instituto de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital da universidade francesa Panthéon-Assas, avalia que o uso do TikTok se insere em um contexto de aproximação das estratégias de campanhas políticas e das estratégias de comunicação digital, que teve como grande ponto de partida as eleições americanas de 2008, de Barack Obama.

    “A estratégia passou a ser pensada para o digital e deixou de ser apenas uma transposição das estratégias offline para o mundo online”, diz.

    O TikTok, prossegue ela, é mais um capítulo da transformação das campanhas digitais, mas com elementos novos, como a rapidez dos vídeos, o tipo de informação consumida e a forma de distribuição dos conteúdos.

    O ambiente digital passa a ser usado para aproximar os políticos dos seus eleitores. Eles mostram no TikTok um lado mais humano, que não tinha espaço em meios de comunicação tradicionais, diz a pesquisadora.

    “Isso tem uma grande influência na própria lógica partidária e no papel dos partidos políticos, que aparecem não apenas como representantes de uma corrente ideológico ou partidária, mas como seres humanos nas suas mais diversas vertentes de vida, na sua vida familiar, seus hábitos esportivos”, afirma.

    As eleições europeias são apenas o exemplo mais recente dessa nova dinâmica. Mas Nina lembra que o uso do TikTok foi intenso nas eleições de países como Indonésia, Argentina, México e África do Sul, o que sugere uma tendência global.

    No Brasil, com o uso crescente da rede, o TikTok também pode ter um papel relevante nas eleições municipais de 2024, com um avanço na distribuição de conteúdos políticos em relação a 2022.

    A julgar pelas eleições europeias, os vídeos de 15 segundos de pets e dancinhas podem deixar de viralizar apenas na internet e passar a ter um impacto real nas urnas.

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