Falar sobre Inteligência Artificial generativa é preciso. Mas será que as pessoas tão entendendo?
A resposta pode tá num estudo preocupante do governo federal: menos de um terço dos brasileiros não sabem, por exemplo, nem copiar um arquivo no computador


Desde muito cedo eu decidi dedicar a minha carreira de comunicador a uma causa um tanto quanto básica: fazer as pessoas entenderem os assuntos que eu levanto. E, acreditem, eu já fui muito criticado por isso.
Ao longo das últimas duas décadas, eu venho ouvindo de alguns colegas coisas do tipo: “ah, mas você tá subestimando a audiência”, “ah, mas você não precisa explicar toda vez o que é um assunto x ou y” e por aí vai. E quanto mais eu faço isso, mais eu recebo mensagens de seguidores e telespectadores dizendo: “pela primeira vez eu entendi de verdade a diferença entre um deputado e um senador”, “nunca ninguém tinha me explicado de um jeito tão simples pra que serve a taxa básica de juros da economia” e coisas do tipo. Eu acredito que é pra isso que eu sirvo como comunicador e pesquisas como essa que o governo federal acabou de divulgar mostram que essa minha mania de explicar sempre pode fazer algum sentido.
Os dados foram divulgados via Anatel, que é a Agência Nacional de Telecomunicações. Pra quem não sabe, a Anatel é o braço do governo que tem a responsabilidade de desenvolver o setor de telecomunicações do país, garantindo, por exemplo, que a operadora vai entregar pra você a velocidade de internet que você tá pagando e que o sinal de celular vai chegar com qualidade em tudo que é canto.
Nessa pesquisa, eles descobriram que só 29,9% dos brasileiros têm habilidades digitais básicas, tipo copiar ou mover um arquivo de um lugar pro outro no computador, mandar um e-mail com um material anexado e por aí vai. Se a gente for pra habilidades intermediárias, a fatia de brasileiros não chega nem a 18%. Aí a gente tá falando de quem consegue tipo usar uma fórmula básica num Excel da vida, conectar ou instalar equipamentos com ou sem fio… um modem, impressora, câmera, microfone, essas coisas.
É nesse contexto de sociedade que, muitas vezes, a gente vê reportagens e artigos que se propõe a popularizar a informação a respeito de inteligência artificial com linguagens que até os mais entendidos têm que ler duas ou três vezes pra tentar entender. De 14 países que participaram da pesquisa, o nosso tá na posição de número 12, lá embaixo. Olhando pra isso, vocês entendem a necessidade de ser mais simples nas explicações? Entendem que ser didático e se preocupar com a compreensão de quem tá do outro lado é pensar em inclusão e na educação de uma população que, se for ler artigos ou assistir a reportagens complexas, vai achar que aquilo é só pra especialista?
Participar das discussões sobre inteligência artificial generativa (aquela que cria conteúdos do zero a partir de ordens simples) é participar ativamente de um processo que já tá em andamento e vai mudar pra sempre o jeito que a gente entende as relações de trabalho, o jeito que a gente entende as relações humanas. Como sociedade, esse movimento é um caminho sem volta e enquanto a gente continuar falando em algoritmo sem explicar o que é algoritmo, em prompt sem explicar o que é prompt, em machine learning sem explicar o que é machine learning, a gente vai continuar posicionando essas discussões só no olimpo dos já letrados nesse idioma tecnológico.
Mas não são só essas pessoas que vão ser impactadas por essas mudanças, todo mundo vai passar pela mesma revolução. Todo mundo já tá passando, mesmo que às vezes sem saber. Mas só vai tá preparado pra se movimentar na direção da mudança quem entende minimamente o que tá acontecendo.
A propósito, de um jeito bem genérico, em termos de tecnologia, algoritmo é simplesmente um conjunto de ordens meio que automatizadas que resolvem algum problema. Prompt é a junção de várias ordens (normalmente em texto) que a gente dá pra alguma plataforma de inteligência artificial criar algum conteúdo pra gente. E machine learning é literalmente a tradução do termo, um processo de aprendizado das máquinas que vão sendo alimentadas com informações e dados pra criarem novos conteúdos a partir dessa nutrição digital.
É claro que não é só tão simples quanto isso, os conceitos são muito mais complexos e cheios de variáveis. Mas colocar os termos de um jeito MINIMAMENTE didático é promover a inclusão real de cada vez mais pessoas nos primeiros degraus da discussão. Porque quando a gente quer explicar absolutamente tudo de uma única vez, quase sempre, quem acompanha e não manja desses assuntos, vai se perder nos primeiros termos esquisitos que aparecerem e isso é altamente excludente.
Tudo bem se você não concorda comigo nessa discussão, é o seu direito. Mas entende que, continuar se mostrando aparentemente inteligente simplesmente falando um idioma que só você e seus colegas geniais entendem é seguir ignorando que a gente vive num país onde quase 70 milhões de pessoas, infelizmente, ainda não sabem nem anexar um arquivo num e-mail.