Polywork: nome chique que a geração Z deu pra rotina do pai do Chris
Será que dá pra ter dois ou mais empregos sendo um bom profissional em todos eles? Já há quem diga que sim na prática!
É importante você já ser alertado que esse é um texto de um cara que faz 40 anos em setembro. Ou seja, é grande a chance de serem palavras carregadas daquele ressentimento que uma geração costuma ter com a outra, bem naquela pegada do papo do tiozão da família que vive dizendo “no meu tempo que era bom”. Um saco!
Eu jamais vou assumir que sou esse cara, mas não nego o fato de talvez já ser visto assim por quem vem atrás, tudo bem, é do jogo. Mas, especificamente nesse assunto de agora, eu acho que, mesmo sendo mais velho que muitos, eu já tenho algum lugar de fala porque já faço isso há algum tempo.
Polywork é o nome que a geração Z tá dando pra uma possível nova rotina de trabalhar ao mesmo tempo em dois lugares pra ganhar mais grana.
Antes de continuar a conversa, eu preciso dizer que é complexo esse negócio de tentar conceituar onde termina uma geração e começa outra. Se você pesquisar em várias fontes confiáveis, meio que cada uma fala uma coisa. Então, a gente tem que se apegar a pelo menos uma dessas fontes e eu decidi usar aqui o conceito de uma publicação gringa que eu gosto bastante, o Visual Capitalist.
Eles entendem geração Z como os nascidos a partir de 1997, ou seja, a galera que tá começaaaando a entrar numa fase de alguma maturidade no mercado de trabalho, perto dos vinte e muitos anos.
Dito isso, a gente precisa levar em consideração que, no inconsciente coletivo do mercado, essa é uma geração que chegou cheia de exigências e querências.
“Eu só trabalho se for com propósito, qualidade de vida é fundamental, mais importante que ter coisas é ter experiências, só trabalho em empresas que me entendem e não admito chefe que me dê ordens”, e por aí vai… olha só, não é uma crítica, tá?! Mas é fato que é assim que as pesquisas e os contratantes enxergam a média dessa galera. E outra… tá errado?
A referência da geração Z é a minha, que tá no auge da produtividade. Graças ao bom Jesus de Nazaré, eu consegui construir um caminho que eu considero minimamente saudável, mas a maioria dos meus amigos tão extremamente frustrados profissionalmente, trabalhando em empresas que eles não admiram, vendendo tempo com a família pra um CNPJ que paga bem, mas obriga o funcionário a achar que só vai ser “bem-sucedido” se virar chefe, tendo que gastar boa parte do salário com ansiolítico, terapia semanal e psiquiatra caro.
Assim, minha geração tá, em grande parte, toda ferrada da cabeça, sem vontade de levantar da cama, querendo vender tudo que conquistou porque disseram que sucesso era ter estabilidade, casa e carro. A gente conquistou tudo isso e sente um vazio bizarro no CPF. É natural que a geração que viesse depois olhasse pra gente dizendo: “mano do céu, eu não quero isso pra mim”.
Só que abrir mão da lógica do capitalismo tem seu preço, né?! É menos complexo decidir ser assim quando se tem o suporte de uma família que banca suas decisões. Quando começa a chegar a necessidade de andar com as próprias pernas, pode ficar mais tenso querer ter tantas exigências.
Simplesmente porque isso pode fazer com que, talvez, o profissional não fique muito tempo em lugar nenhum, porque eu concordo que as empresas obrigatoriamente precisam ter e praticar o próprio propósito, mas aluguel de prédio e folha de pagamento não se quitam com propósito, se quitam com lucro. E, pra dar lucro, as empresas precisam equilibrar propósito e faturamento… muita gente não entende e/ou não concorda. É um jogo realmente difícil.
Se você tem esse comportamento legitimamente altruísta e autêntico, talvez seja difícil crescer na carreira rápido como você gostaria. De novo, eu não tô aqui pra dizer que você tá certo ou errado, eu também não acho que dizer amém pra tudo que um contratante diz é o melhor caminho.
Mas jogar um jogo se colocando sempre como o astro da partida pode ter um preço… de conseguir empregos que te deem o que você quer no preço que você exige. Ter outro trabalho ao mesmo tempo pode ser uma saída? Talvez, até mesmo porque muitas empresas já tão abertas a modelos de trabalho baseados em entrega, e não em horas na frente do computador.
Até mesmo porque produtividade é algo muito relativo. O mesmo trabalho pode ser executado em 15 minutos ou em 4 horas, dependendo das habilidades e da experiência de quem faz. Eu mesmo já vi muito isso acontecer nas redações por onde eu passei e vejo isso na prática com os funcionários das minhas empresas.
Se a pessoa é boa a ponto de entregar bem em menos tempo, ela pode fazer isso pra dois contratantes em paralelo sem crise… mas ela tem que ser MUITO boa pra isso.
Esse assunto a gente viu primeiro no Valor Econômico, que mostrou dados bem legais da PNAD Contínua, que é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, o nosso Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Os últimos números, que são do terceiro trimestre do ano passado, tão mostrando que quase 550 mil brasileiros de 14 a 29 anos disseram que tinham 2 empregos e quase 30 mil tinham 3 ou mais trabalhos.
Como esses números levam em consideração empregos formais e informais, certamente nessa base tem muita gente que faz bico em vários lugares e coisas do tipo, mas já é um dado que não aparecia com tanta força nos últimos anos.
Um ponto bem importante que também aparece na reportagem do Valor é que a CLT não exige exclusividade, ou seja, teoricamente ninguém é impedido de trabalhar em dois lugares, mas um não pode afetar o desempenho do outro, senão você corre o risco de ficar sem nenhum, né?!
As novas regras já permitem algum nível de flexibilização, que veio com a pandemia. O teletrabalho e o home office já tão minimamente regulamentados e cabem bem nessas discussões.
Mas, diante de tudo isso, deixa eu perguntar um negócio aqui… será que esse antídoto não pode virar um veneno, não? Se a ideia é ter mais qualidade de vida ou propósito, ter mais empregadores não pode exigir além da conta do seu psicológico a ponto de você bugar?
Será que, em vez disso, não é melhor pensar logo em empreender, em vender a sua força de trabalho em forma de consultorias ou serviços específicos? Sei lá, trabalhar em mais lugares não parece a solução na cabeça do tiozão aqui. Mas essa é só a minha opinião.
Eu, real, fico preocupado com quem vem depois de mim. Essa galera já tá trabalhando comigo, e eu fico muito empolgado com tanta cabeça nova ajudando todo mundo a olhar pra frente de um jeito mais diverso, como tem que ser. Tomara que todo mundo consiga chegar num denominador comum. Palavra de um quase quarentão com várias ocupações ao mesmo tempo, ou seja, talvez eu nem seja a melhor pessoa pra falar sobre isso. Mas fico feliz se eu consegui te fazer pensar sobre!
Ah, se você não entendeu a referência do título, o pai do Chris é um personagem que o Terry Crews fez numa série super famosa pra minha geração, a “Todo Mundo Odeia o Chris“. Ele tinha dois empregos. Mas certamente não chamava isso de polywork.