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    Phelipe Siani
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    Phelipe Siani

    Empreendedor, palestrante e âncora na CNN Brasil desde 2019

    Não é só sobre trabalhar menos horas. É sobre trabalhar melhor!

    A discussão de um possível fim da escala 6x1 não pode ser simplista a ponto de não levar em consideração que, exausto, o trabalhador rende menos, e isso não é bom pra ninguém

    O ano era 2001. Eu tinha a disposição de um adolescente que tava feliz demais porque tinha acabado de conseguir o primeiro emprego. Como empacotador de supermercado, lá em Santos, no litoral de São Paulo, eu ganhava menos de R$ 200 por mês, que era o salário mínimo da época. Pra melhorar esse valor pouco atrativo, eu contava com as gorjetas dos clientes, levando as compras até o carro ou entregando as sacolas plásticas na casa deles com uma bicicleta de carga.

    A lógica era simples, quanto mais eu trabalhasse, mais eu tinha chance de ganhar mais gorjetas e melhorar meus rendimentos. E isso era importante porque eu tava juntando dinheiro pra comprar um computador pros trabalhos que ia ter que fazer se realmente conseguisse o financiamento pra cursar a faculdade de jornalismo que eu tanto sonhava. Se, mais de 20 anos depois, você tá lendo agora esse texto aqui, nesse espaço da CNN Brasil, é porque esses planos deram certo, ainda bem.

    E sabe por que eu consegui passar por essa fase? Porque como eu trabalhava demais, eu batia todas minhas metas de ganhos. Mas era bastante puxado, mesmo pra um jovem ensaiando entrar na vida adulta. A rotina de trabalho era de segunda a sábado, e um domingo, sim, outro, não. Pois é, na prática, eu só tinha 2 folgas por mês.

    Os descansos já insuficientes ainda ficaram quase inexistentes depois que eu, de fato, entrei na faculdade. Eu trabalhava o dia todo e estudava de noite. E, aos fins de semana, a rotina era a mesma, porque eu trabalhava e ainda tinha que fazer trabalhos no computador novo, além de, claro, estudar pras provas. Fácil não foi, mas é a história que me trouxe até aqui.

    Eu não tô contando isso pra que você pense que eu sou um coitadinho, merecedor das próprias conquistas. Meu roteiro de vida ainda é bem leve perto da média das periferias brasileiras. Eu só tô falando isso pra que você entenda que, quando eu falo de escala 6 por 1, eu sei exatamente do que eu tô falando.

    Mesmo depois de muitos anos de formado, eu segui trabalhando em esquemas de plantão, varando madrugadas, perdendo feriados em família, abrindo mão de momentos básicos de descanso em busca dos meus objetivos profissionais. Hoje, com 40 anos de idade, eu não tenho mais o pique do garoto cheio de vontade de conquistar o mundo inteiro. A insistência com jornadas excessivas me custou episódios de burnout e prejuízos profundos pra minha saúde como um todo.

    Antes de você dizer que burnout é mimimi, e só prospera quem se mata de trabalhar, dá uma lida nessas informações que tão no site do Ministério da Saúde: “A Síndrome de Burnout envolve nervosismo, sofrimentos psicológicos e problemas físicos, como dor de barriga, cansaço excessivo e tonturas. O estresse e a falta de vontade de sair da cama ou de casa, quando constantes, podem indicar o início da doença. Os principais sinais e sintomas que podem indicar a Síndrome de Burnout são:

    • cansaço excessivo, físico e mental;
    • dor de cabeça frequente;
    • alterações no apetite;
    • insônia;
    • dificuldades de concentração;
    • sentimentos de fracasso e insegurança;
    • negatividade constante;
    • sentimentos de derrota e desesperança;
    • sentimentos de incompetência;
    • alterações repentinas de humor;
    • isolamento;
    • fadiga;
    • pressão alta;
    • dores musculares;
    • problemas gastrointestinais;
    • alteração nos batimentos cardíacos.”

    Era exatamente o quadro que eu tinha nos meus tempos de “dedicação profissional absurda”. Viver desse jeito NÃO pode ser considerado algo comum. No mesmo site do Ministério da Saúde, a orientação é bastante clara: a “conduta muito recomendada para prevenir a Síndrome de Burnout é descansar adequadamente, com boa noite de sono (pelo menos 8h diárias). É fundamental manter o equilíbrio entre o trabalho, lazer, família, vida social e atividades físicas”.

    Mas como você acha que alguém consegue manter esse equilíbrio tendo (quando muito) uma única folga por semana?

    Olha só, eu sei que a questão é bastante complexa. Eu também tenho empresas, e entendo bem os impactos que isso pode causar pra economia como um todo, mas o que muita gente não leva em consideração é o fato de que mais horas trabalhadas não significam necessariamente mais produtividade.

    Ou vai me dizer que, no fim do dia, você trabalha com o mesmo vigor do que quando começou de manhã cedo? É natural que o cansaço vá fazendo com que a gente fique menos produtivo. E se a folga não for suficiente pra repor o cansaço acumulado, o trabalhador volta pra rotina trabalhando mal, rendendo menos do que poderia se estivesse disposto.

    É claro que existem casos e casos. Há funcionários de fábricas, por exemplo, que fazem trabalhos repetitivos e montam uma mesma média de peças por hora. Mas até esses trabalhadores ficam bem mais sujeitos a acidentes ou afastamentos quando muito cansados, é natural.

    E é aí que a conta pode ficar cara demais pro empresário. Porque o profissional que precisa se afastar do trabalho tem que ser substituído por outro, o que representa mais custos pra empresa. Ou seja, é grande o risco de levar o trabalhador à exaustão. Risco de ferrar com a vida dessa pessoa e risco de ainda ter que gastar mais com uma substituta.

    E a situação tá piorando nos últimos anos. Todo mundo conhece o INSS, né, que é o Instituto Nacional do Seguro Social. É pra onde o trabalhador CLT corre quando precisa de auxílio-doença, por exemplo. Os dados do Instituto tão mostrando que aumentaram em mais de 1000% os afastamentos por burnout da última década pra cá. O Brasil de 2023 viu um INSS concedendo benefícios pra mais de 10 mil profissionais afastados do trabalho por causa de transtornos mentais ou comportamentais.

    Repito: essa não é uma discussão simples. Tanto que, lá em Brasília, a proposta, por enquanto, ainda é só isso… uma proposta. O texto da deputada federal Érika Hilton ainda tem que ser bastante discutido no Congresso Nacional pra, quem sabe, entrar em votação e talvez ser aprovado. Mas só o barulho que a proposta tá fazendo nas redes já vale a discussão e a nossa reflexão sobre o assunto.

    Que a galera tá adoecendo cada vez mais no trabalho é um fato, os números mostram isso. Mas ninguém acha que a legislação e o sistema tributário favorecem a vida dos empresários que geram os empregos. Os patrões precisam ter mais bom senso na mesma medida que os governos PRECISAM simplificar a vida de quem empreende e enfrenta duríssimas batalhas pra isso. Eu sinto essa dor todos os dias, não é fácil.

    O fato é que, quando eu topei trabalhar, lá atrás, com só duas folgas no mês, eu tinha 16 anos de idade. Tem gente que trabalha desse jeito com mais de 60, 70 anos e segue ganhando o mesmo salário mínimo que eu ganhava quando ainda era adolescente e não sustentava a minha família. Não dá pra ser feliz trabalhando tanto e ganhando tão pouco, a vida precisa ser mais que isso.

    Desse ponto de vista, a discussão nem é sobre produtividade… é sobre humanidade mesmo. Bora aguardar o desenrolar desse projeto no Congresso e aproveitar essa espera pra pelo menos tentar evoluir um pouco que seja como sociedade. Essa, sim, é uma causa que vale a pena a gente se dedicar todo santo dia.

    6×1, 5×2, 4×3: conheça os tipos de escala de trabalho

     

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