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    Phelipe Siani
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    Phelipe Siani

    Empreendedor, palestrante e âncora na CNN Brasil desde 2019

    Tá todo mundo achando que estourou a bolha de shows no Brasil

    A questão é que preço de ingresso e demanda são só alguns dos pontos que a gente tem que levar em consideração na hora de fazer essa avaliação

    Eu entendo o porquê de muita gente tá com esse discurso nesse momento. Nos últimos dias, a gente recebeu a informação do cancelamento de duas turnês gigantescas de dois fenômenos da nossa música.

    Tanto Ludmilla quanto Ivete não vão mais fazer os shows que queriam nos próximos meses encher estádios pelo país todo. Foi o suficiente pra começar o zumzumzum. Tem muita gente jurando que “a bolha de shows no Brasil estourou”.

    Ok, ir a um show ou a um festival de música no nosso país virou um evento caro. Principalmente depois que as portas de casa foram abertas no pós-pandemia. Muita gente ao mesmo tempo com vontade reprimida de pertencer a uma multidão na mesma vibe musical.

    Mas é lógico que essa euforia ia passar. Nessas horas de excesso de demanda, inocente é o empresário que acha que esse é um movimento que não vai ter fim. Não ia ser diferente com o mercado de shows.

    Mas, voltando ao que motivou essa discussão, os cancelamentos da Lud e da Veveta tem componentes que vão muito além da relação oferta e demanda. As duas turnês seriam feitas com a mesma produtora, que entrou há poucos anos no mercado e deu passos cavalares pra produzir eventos monstruosos.

    No comunicado oficial, a equipe da Veveta falou que “a produtora responsável pela realização dos shows não conseguiria garantir as condições necessárias para que as apresentações da artista acontecessem da forma como foram concebidas com a excelência e segurança prometidas e acordadas”.

    Já do lado da Ludmilla, a nota falou que a “decisão foi tomada mediante o não cumprimento por parte da produtora responsável pela turnê das condições previstas no pré-contrato para a viabilidade dos shows planejados há meses”.

    O que colocou bastante fermento no argumento de estouro de uma suposta bolha foi a resposta da produtora, que falou que chegou a sugerir readequação da estrutura dos shows e citou “questões de demanda“, o que pode apontar, inclusive, um possível erro de cálculo na hora de dimensionar o gigantismo da coisa… do preço do ingresso aos custos de produção (que também aumentaram muito nos últimos anos), aos cachês negociados.

    Mas a gente precisa entender que esses são dois casos – que não representam necessariamente todo um mercado – e que tão relacionados com a mesma produtora. De qual demanda a produtora tá falando? Demanda é um negócio que pode ser muito relativo.

    A gente tá falando sobre o interesse do público em pagar por um produto. Pra pagar o preço cobrado, o público avalia a relação custo-benefício. O benefício é o show em si, o custo é o preço do ingresso, que é determinado dentro de todos os custos que a produtora tem pra contratar o artista e bancar toda a estrutura acordada pra fazer tudo acontecer.

    Se todas essas contas não forem muito bem azeitadas, o que sobra de dinheiro no fim pode frustrar a expectativa de qualquer um dos lados responsáveis pelos shows: contratantes e/ou contratados.

    A Anitta também ajudou um pouco a engrossar o coro dos mais catastróficos quando falou que tá pensando em como trazer a turnê gringa dela pra cá porque “a galera não está muito a fim de pagar para ir em eventos desse tipo”, falando sobre a grandeza do show dela.

    Mas entendem como a questão é mais complexa do que parece, e falar simplesmente em “estouro de bolha” pode parecer simplório demais? Tudo bem, eu entendo que o momento é de uma certa cautela.

    A gente teve alguns festivais cancelados no Brasil esse ano, o que reforça a tese de uma suposta bolha. Mas vamo olhar pros números? O projeto Mapa dos Festivais fez um levantamento super legal, que identificou que o Brasil teve 298 festivais de música em 2023. Isso dá 138% a mais que em 2022.

    E mais, 71 tavam sendo realizados pela primeira vez. Esses números mostram que a oferta de festivais mais que dobrou no Brasil em um ano! A gente ainda tá no primeiro semestre de 2024, será mesmo que uma suposta bolha teria estourado tão rápido?

    Movimentação de fãs da banda Britânica Nothing but Thieves no Festival Lollapalooza Brasil 2024
    Levantamento apontou aumento de 138% no número de festivais no Brasil entre 2022 e 2023 /Foto: Ettore Chiereguini/AGIF/Estadão Conteúdo

    Vamo entender uma coisa, se existe demanda, o mercado avança pra atender. Claramente é o que aconteceu pelos números. Se em 2024 começaram cancelamentos ou adequações de grandeza, não necessariamente isso signifique crise, mas provavelmente um indicativo que a gente esteja perto do ponto de equilíbrio. Mais do que existe hoje pode ser arriscado sem um diferencial competitivo muito claro, ou seja, esse panorama atual deve ser o tamanho do mercado brasileiro nesse momento.

    Como logo depois da pandemia a oferta de eventos era menor e tinha muita gente querendo se divertir, todo mundo ficou menos exigente, tava muito mais fácil vender ingresso caro. Como a oferta cresceu absurdamente, é natural que o mercado se ajuste.

    O Mapa dos Festivais também mostrou que o preço médio de um festival de música no Brasil em 2023 foi de R$ 329. Essa foi a média. Os grandes eventos têm ingressos que, facilmente, custam perto de um salário mínimo ou mais. É bastante grana.

    Bolha estourada seriam eventos muito esvaziados, fracassos consecutivos e comportamentos claramente repelentes a esse tipo de evento. E, definitivamente, não é o que se vê em linhas gerais.

    A própria produtora que entrou nessa treta com a Lud e com a Ivete acabou de fazer uma turnê com os Titãs que encheu, sim, estádios e, aparentemente, deu muita grana.

    Olhando pra tudo isso, me parece muito raso dizer que “a bolha de shows estourou”. A leitura mais inteligente, na minha opinião, é entender que, diante da concorrência, tanto produtoras quanto artistas precisam ou oferecer mais ou cobrar menos, o que, sim, é um desafio imenso. Bem-vindos ao capitalismo feroz, que, definitivamente, não poupa nenhum mercado!