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    Phelipe Siani
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    Phelipe Siani

    Empreendedor, palestrante e âncora na CNN Brasil desde 2019

    #CNNPop

    A Ansiedade virou personagem de filme infantil e eu espero que as pessoas entendam o que isso significa

    O assunto de saúde pública é urgente e que bom que a Disney olhou pra isso com tanta força. Cabe a nós entender a mensagem

    Você já deve ter ouvido falar que Divertida Mente 2, da Disney, vai trazer a Ansiedade como um dos principais personagens do roteiro. Esse anúncio gerou uma conexão imediata com muuuuita gente num país como o nosso, com quase 10% da população sofrendo com transtorno de ansiedade. Isso dá pro Brasil o troféu dos troféus pra quem não sabe viver o dia de hoje… A gente é o país mais ansioso do mundo.

    Olha pro lado aí, cutuca os contatos mais presentes no seu WhatsApp ou em qualquer uma das suas redes sociais… Eu tenho certeza que a maioria dessas pessoas tá se sentindo meio zuada da cabeça, principalmente se a gente tiver falando de quem vive em grandes cidades e/ou com grandes responsabilidades e/ou com uma atuação intensa no digital.

    Aliás, esse excesso de contatos à disposição já é um indicativo que traz um cheiro do porquê tanta gente tá bugando aparentemente “do nada”. Já faz tempo que eu acho importante falar sobre esse assunto e uma fonte de muitos anos da minha agenda é a Anny Maciel. Ela é psiquiatra e terapeuta interpessoal pela Unifesp e diz que a nossa máquina humana não foi feita pra tantas interações ao mesmo tempo: “Você consegue elencar o que você tomou no café da manhã, com quantas pessoas você se conectou nas ultimas horas? Hoje, em 24 h, falamos com mais gente que alguém que viveu na Idade Média ao longo de toda a vida. (…) Sim, a arte tem que falar sobre ansiedade, a doença mais prevalente no mundo. Estamos acostumados a esta personagem que bate na tela de nossas vidas diariamente”, me disse ela.

    O modelo de mundo que a gente criou com a tecnologia tá adoecendo geral e isso é um fato que não dá pra fingir que não existe. O filme é justamente sobre isso. Eu acho genial em várias camadas a Disney decidir tratar desse assunto de um jeito mais “lúdico”, mesmo sendo um negócio tão sério.

    Eu sou um grande defensor da tecnologia, mas é inegável que, no momento em que ela cada vez mais conecta tanta gente entre si e a absolutamente todo e qualquer tipo de assunto, a tela azul do Windows na nossa cabeça é meio que inevitável cedo ou tarde.

    Nessa esteira, aparecem conceitos como o tal do FOMO, que é o “fear of missing out“, ou o medo de tá perdendo alguma coisa sempre. Tem tanta informação chegando o tempo todo e numa intensidade tão forte que eu não consigo distinguir pra onde eu tenho que apontar a minha atenção. As redes sociais me bombardeiam com algoritmos que parecem entender o meu gosto melhor do que eu e só me mandam conteúdo de pessoas que fazem o que eu faço com muito mais habilidades, de um jeito mais bonito, mais produtivo, mais feliz, mais rico, mais descolado e em meio a tantos “mais” a gente se sente cada vez menos, bugando por não tá conseguindo acompanhar tudo que chega e, muitas vezes, se sentindo um fracassado ou uma fracassada por “não dar conta”.

    O filme traz a ansiedade como um personagem que, quando decide se manifestar, domina tudo e expulsa os outros sentimentos. E é assim mesmo que funciona. Quando a ansiedade aparece, ela toma conta da nossa cabeça e faz com que praticamente todas as outras emoções não tenham mais voz. É por isso que não adianta falar pra alguém com essa doença “você só precisa ter calma”. A ansiedade bota a calma no bolso.

    O também famoso “vai passar, tudo passa” também não tem nenhum efeito prático. Ser um ansioso agudo é viver o amanhã e ter medo de tudo de ruim que pode acontecer lá. Nesse processo frágil de tentativa de analisar variáveis intangíveis, inúmeros quadros catastróficos aparecem na sua cabeça mais visíveis que um filme nas mais gigantescas telas de cinema do mundo.

    É nesse momento que grita na sua imaginação em alta resolução tudo que de pior pode e possivelmente vai acontecer se você falhar. O problema é que esses cenários quase sempre são extremamente exagerados e falsos. Mas o ansioso não consegue perceber.

    É por isso que a ansiedade é uma doença. Ela causa sentimentos físicos. A dor no peito é real. A falta de ar acontece. A vontade de chorar é incontrolável e, muitas vezes, outras vontades piores aparecem. É por isso que é algo que precisa de tratamento, ajuda. É por isso que falar sobre ansiedade é MUITO urgente e fundamental pro futuro de todo mundo.

    Já deu pra sacar por que eu conheço tão bem esses sintomas, né?! Sim, eu sofro e muito com isso. Tenho um TDAH severo e já tive diagnósticos (no plural) de depressão e transtorno de ansiedade generalizada.

    Confesso que uma pontinha minha tem um pouco de vergonha de falar sobre o assunto, de assumir que, há anos, eu luto todos os dias só pra conseguir me sentir minimamente bem. Mas eu sei que, pelas estatísticas, muitos que tão lendo também passam por isso. Eu sei que, se você é essa pessoa, quando eu digo que sofro com esse problema você se sente um pouco melhor, acolhido… você percebe que eu não sou melhor do que você. Nos recortes das minhas redes sociais eu só mostro o que é bom. No fim do dia, o que muitos absorvem como verdade absoluta é só isso mesmo… um recorte! Sabe a história do “ninguém solta a mão de ninguém”? Então, tá na hora da gente aplicar de verdade isso pra além dos memes.

    Que o filme faça a gente pensar de verdade que os conceitos de resultado e sucesso precisam passar por uma cabeça menos nociva pra pessoa que é dona dela. A dra. Anny resumiu bem isso, esperando “que a arte nos auxilie a reduzir o estigma da doença mental e consiga nos fazer repensar nas relações de trabalho, nas interrelações de forma leve e divertida pois está pesado pra gente, né?!”.

    O próprio diretor do filme chegou a dizer que essa é uma oportunidade de ajudar quem assiste, independentemente da idade dessa pessoa. Ele disse pro New York Times uma coisa que é muito real, tem muita gente que sofre com o problema, mas não sabe nem que ele tem esse nome. Identificar e dar nome pras coisas é muito importante. Mas é só o começo do processo de pedir socorro.

    O assunto é tão sério que os cineastas tiveram uma ajuda constante de psicólogos e professores pra trabalhar no roteiro. Tá tudo bem sentir tudo isso, mas tá nada bem sofrer sozinho. Eu sei que você pode se sentir um fracassado por não tá feliz o tempo todo, como mandam o Instagram e o TikTok. Mas deixa eu te contar um segredo? Ninguém, absolutamente ninguém é tão feliz quanto parece. Mas não é por isso que a gente tem que se conformar com uma sociedade de pessoas com cabeças baixas. Um meio termo existe, tem que existir… e precisou de uma animação no cinema pra fazer a gente refletir. Por favor… pede ajuda!

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