Análise: Quem disse que o Brasil não está em guerra?
Médica da Marinha perde a vida numa guerra que não escolheu disputar
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A médica Gisele Mendes de Souza e Mello, oficial da Marinha atingida dentro de um hospital no Rio • Reprodução
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A médica Gisele Mendes de Souza e Mello (primeira mulher à esquerda) durante evento no Hospital das Forças Armadas • Divulgação/Marinha
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A médica Gisele Mendes de Souza e Mello, da Marinha, morreu aos 55 anos após ser atingida por bala perdida dentro de hospital • Reprodução
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A médica Gisele Mendes de Souza e Mello (primeira à esquerda) durante evento no Hospital Naval de Brasília • Divulgação/Marinha
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A médica Gisele Mendes de Souza e Mello (primeira à esquerda) durante evento no Hospital Naval de Brasília • Divulgação/Marinha
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Médica Gisele Mendes de Souza e Mello foi atingida por bala perdida dentro do Hospital Naval Marcílio Dias, na zona norte do Rio de Janeiro • Divulgação
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As balas cravejadas nas colunas do Hospital Marcílio Dias revelam uma realidade perversa. A Marinha Brasileira amanheceu nesta quarta-feira (11) em luto por ter se despedido de uma das suas mais promissoras profissionais. Mulher, mãe, esposa e “Capitão do Mar”, Gisele Mendes de Souza e Mello deixa quase três décadas à serviço da pátria para virar mais uma estatística do assombroso cenário de guerra que acabou se tornando uma das mais lindas cidades do Brasil.
Encrustado no Complexo de Lins, onde o Comando Vermelho se armou com fuzis de guerra vendendo iogurte, carne e produtos roubados de caminhões, o hospital da Marinha virou o centro de uma guerra num país que se diz pacífico e pacifista.
Não é exclusividade dos militares. Os civis também morrem todos os dias vítimas de acidentes do destino. Mas será que são acidentes mesmo? Será que a gente não está enxugando o gelo?
Para a família da doutora Gisele – ou comandante Giselle – devem ser oferecidas as honrarias fúnebres, disseram fontes da Marinha. Tiros de festim, escolta especial, pavilhão nacional sobre o caixão…
Mas bandeira nenhuma é capaz de esconder a verdade que a morte revela. Sim, estamos em Guerra. E nem o mais astuto dos Almirantes, Generais ou Brigadeiros seria capaz de sugerir quando essa guerra vai acabar.
É que a guerra brasileira não é uma briga entre nações, embora tenha muitas semelhanças com essas guerras internacionais que a gente assiste pela televisão. Aqui, a luta também é por território – e cada metro vale muito.
O tráfico tem usado armas de guerra, roupa de guerra, veículos de guerra… Eles usam estratégias de dominação de território… de guerra! E inocentes morrem todos os dias, exatamente como nas guerras.
É impressionante olhar o que diziam sobre a médica morta em pleno expediente, trabalhando dentro de um hospital. Dentro de um hospital!
“Foram plantões e mais plantões sem nunca ter sido abalada pelo cansaço”, disse uma pessoa. “Excelente esposa, mãe, amiga, médica, oficial e diretora, doutora Gisele estava sempre disposta a ajudar. Pessoa doce, daquelas poucas que se confia”, disse outra.
“Operações no horário de entrada, tiros na madrugada, impedidos de entrar e sair por confrontos na comunidade, essa é nossa rotina diária”, comentou outro médico que trabalhou com Gisele.
E antes que alguém questione a comoção, alegando que ela era branca ou militar, portanto, privilegiada, vale lembrar: Gisele deixa a família e a história pra virar uma lembrança – ou um dado, um pedaço de papel, uma estatística criminal, como tantas e tantas outras que a gente só assiste aumentar.
A Marinha foi a primeira das três Forças a abrir espaço para mulheres, na década de 1980. Gisele Mendes de Souza e Melo, me contaram oficiais superiores, tinha tudo, absolutamente tudo para ser a quarta mulher a ocupar o posto de Almirante, o mais alto na hierarquia da força militar dos mares. Mas, em vez de promovida, a Capitão do Mar e Guerra acabou morta, durante o expediente, dentro de um hospital, numa guerra que ela nunca escolheu participar.
Questionamos o Secretário de Polícia Civil e o Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro sobre o caso, os convidamos para darem entrevistas aqui e falar das investigações. A essa altura, a principal resposta que verdadeiramente todo mundo quer é: afinal de contas, quando essa guerra vai acabar?