Narrativa de “guerreiro sobrevivente” pode mudar eleição nos EUA, apontam especialistas
Especialistas ouvidos pela CNN apontam que atentado pode ajudar a mobilizar a base trumpista e levar republicanos às urnas
Para além dos votos de eleitores centristas e moderados e da escolha por Biden ou Trump, a eleição nos Estados Unidos tem um fator que pode ser decisivo: a mobilização das pessoas.
Para analistas que acompanham a política internacional ouvidos pela CNN, é justamente neste ponto que Trump pode se favorecer depois do trágico atentado que quase levou sua vida durante um ato de campanha.
Há ainda a percepção de que nasce uma nova narrativa, a de um “guerreiro sobrevivente”, e isso pode mudar o jogo político americano.
Com essa narrativa, o esperado é que o país assista a uma trégua ao ex-presidente Donald Trump, que vinha sendo duramente atacado pelos democratas.
Para o professor de Relações Internacionais da FGV/Eaesp, Guilherme Casarões, o atentado produz dois efeitos principais.
“Em primeiro lugar, consolida, entre apoiadores de Trump, a narrativa de herói e vítima ao mesmo tempo. Já circulam nas redes teorias da conspiração de que o atentado seria uma tentativa do ‘deep state’ de eliminá-lo, percebendo a impossibilidade de vitória de Biden. Isso cristaliza e radicaliza a base trumpista”, diz ele.
O segundo efeito seria derivado desse primeiro, o que ele prevê como uma “mobilização dos eleitores”.
“Como o voto nos EUA não é obrigatório, um dos grandes desafios das candidaturas é levar os eleitores às urnas. É possível que o atentado possua esse poder de aumentar os votos em Trump, o que é crucial nos estados incertos [swing states]”, completa o professor.
A proximidade entre o atentado no último sábado (13) e o início da convenção republicana nesta segunda (15) também provoca efeitos práticos.
Para o professor em direito internacional da UFMG, Lucas Lima, Trump – cujo discurso está previsto para quinta-feira (18/7) – chega ao evento fortalecido.
“Nos grupos republicanos ele tem sido comumente descrito como um presidente ‘guerreiro’ e ‘sobrevivente’. Isso altera um pouco a narrativa que se tinha sobre o candidato. Se a campanha estava focada nas capacidades do Biden, nesse momento o foco se reconcentra em Trump e o coloca diametralmente em oposição ao seu adversário como líder do país”, aponta ele.
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Lima também entende que deve haver uma diminuição do tom dos discursos contra Trump, com mais moderação na classificação do ex-presidente como “ameaça à democracia”, especialmente nas próximas semanas.
“Por consequência, a campanha mais uma vez volta a ser sobre as capacidades dos candidatos e menos sobre as propostas que ambos possuem para a governabilidade dos EUA e para o mundo”, opina.
E o marketing eleitoral? Também muda?
Para Felipe Soutello, especialista no assunto, a resposta é: sim. Ele prevê mais agressividade nas redes apesar da trégua dos democratas.
“A comoção que o caso gera e a correta solidariedade ao ex-presidente serão travas. O uso político que cada um terá ainda não está absolutamente definido. Mas a postura de aguerrimento de Trump e as imagens impactantes captadas por diversos ângulos e olhares são um combustível poderoso aos Republicanos. A situação vai gerar um rastro enorme de impactos nas democracias ao longo do mundo”, defende Soutello.
O professor Carlos Gustavo Poggio, do Berea College, lembra da quantidade de armas que estão nas mãos das pessoas nos EUA e relaciona o fato com a escalada de violência, inclusive na política. Para ele, o ódio segue mobilizando o voto.
“[Em 2016 funcionou muito politicamente] a instrumentalização do ódio enquanto o cabo eleitoral. O ódio é um grande instrumento de estímulo ao voto, principalmente num país em que o voto não é obrigatório”, sustenta Poggio.
“[Há] dois caminhos possíveis: um caminho que é o caminho da conciliação, de buscar mudar um pouco o clima político, colocar panos quentes, baixar a poeira, mas há outro caminho, é o caminho de [o atentado] simplesmente reforçar diferenças de visões já existentes […] então imediatamente já é colocado na roda da polarização política no ambiente de muita desinformação”, completa.