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    Pedro Côrtes
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    Pedro Côrtes

    Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.

    Non ducor, duco. Mas, há quem pense o contrário

    A divisa “Non ducor, duco” (Não sou conduzido, conduzo), adotada pela cidade de São Paulo e gravada em seu brasão, simboliza protagonismo e liderança. Contudo, ao aprovar em primeira instância o adiamento em 30 anos da meta de frota 100% limpa, a Câmara dos Vereadores ignora a Crise Climática, contradiz o lema de São Paulo e compromete sua liderança na transição energética

    A divisa Non ducor, duco foi adotada há mais de 100 anos pela cidade de São Paulo e significa: Não sou conduzido, conduzo. O lema que indica o protagonismo e a liderança da cidade se aplicaria à Crise Climática. Entretanto, projeto aprovado em primeira votação pela câmara dos vereadores desconsidera esse dístico e planeja adiar em 30 anos a adoção de uma frota de ônibus 100% elétrica.

    Lei de Mudanças Climáticas

    Em 2009, na administração do então prefeito Gilberto Kassab, foi aprovada a Lei de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo (Lei nº 14.933) que, dentre outras deliberações, determinava uma redução de 100% das emissões totais de dióxido de carbono (CO2) de origem fóssil num prazo máximo de vinte anos. Isso significava que, daqui a cinco anos, toda a frota de ônibus da cidade de São Paulo deveria ser movida a energia elétrica ou biocombustível.

    Em 2018, esse prazo foi revisto pelo então prefeito João Doria e passou para 2038 o limite para as empresas substituírem a sua frota. Dessa forma, foram acrescidos nove anos a mais do que o originalmente previsto pela Lei de Mudanças Climáticas do município.

    Agora, um projeto prevê uma nova alteração desse prazo, que passaria para 2054. Seriam acrescidos 25 anos em relação ao prazo originalmente considerado em 2009. A alteração foi aprovada, em primeira votação, pela Câmara dos Vereadores da cidade de São Paulo. Será necessária uma nova votação e, caso seja aprovada, precisará contar com a sanção do prefeito Ricardo Nunes.

    Ônibus municipal trafega em faixa exclusiva na cidade de São Paulo
    Ônibus municipal trafega em faixa exclusiva na cidade de São Paulo • André Ribeiro/The News 2/Estadão Conteúdo – 17.dez.2023

    Ônibus elétricos

    No momento, a única tecnologia que atende a esses requisitos é a dos ônibus elétricos operando com baterias recarregáveis. Embora a ampliação do uso de biodiesel esteja prevista na Lei do Combustível do Futuro, com sua adição ao diesel derivado de petróleo, não há tecnologia comercialmente disponível para a produção de ônibus movidos apenas com biodiesel.

    No Brasil, a produção de ônibus elétricos está consolidada e em expansão. Empresas como a Eletra, Marcopolo, BYD, Mercedes-Benz e Scania já produzem ônibus elétricos no país. Algumas dessas empresas tem capacidade de produção de mais de mil unidades por ano, valor esse que pode ser expandido conforme a demanda. Portanto, elas teriam condições de atender com facilidade à renovação de uma frota de pouco mais de treze mil veículos a uma taxa arrojada de 20% ao ano.

    Mercado Livre de Energia

    As empresas de ônibus podem se beneficiar do Mercado Livre de Energia, que apresenta a possibilidade de contratação de energia diretamente com as empresas geradoras, dependendo do nível de consumo. Esse é um mercado regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e as empresas podem obter uma economia de mais de 25% em sua conta mensal.

    Mesmo que empresas individualmente não se enquadrem nos requisitos de consumo necessários à adesão ao Mercado Livre de Energia, nada impede que elas se associem para ter acesso a essa possibilidade. É uma questão de aproveitar uma oportunidade existente.

    Além da economia, as empresas de ônibus podem comprar a energia produzida por fontes renováveis, como a eólica e a solar. Isso garantiria que sua frota de ônibus elétricos seria carregada com energia livre de emissões diretas de CO2.

    Infraestrutura

    São Paulo e região abrigam diversas indústrias de médio e grande porte que dependem do fornecimento de energia elétrica para suas atividades. O suporte necessário para atender essas empresas também está acessível para aquelas que operam ônibus elétricos.

    Em grande parte, não se trata de uma infraestrutura que precise ser totalmente implementada para a distribuição de energia elétrica. Há a necessidade de instalação de postos de recarga nas garagens, mas isso pode ser negociado com os fabricantes de ônibus elétricos. Não há nenhum grave impeditivo para que o fornecimento e a instalação de postos de recarga sejam viabilizados.

    Vista dos prédios na região central da cidade de São Paulo
    Vista dos prédios na região central da cidade de São Paulo • Cris Faga/NurPhoto via Getty Images

    A justificativa do adiamento

    Verifica-se, portanto, a existência de empresas – inclusive marcas já tradicionais no mercado nacional – que produzem ônibus elétricos. Há infraestrutura disponível para o abastecimento de energia elétrica, cujo fornecimento poderia ser contratado com desconto no Mercado Livre de Energia.

    A justificativa para a dilatação do prazo para 2054 considera que “Atualmente, a concretização dessas metas está intrinsecamente vinculada à adoção de veículos elétricos, tecnologia que ainda não alcançou maturidade suficiente no mercado brasileiro para atender à demanda em larga escala”. Esse argumento carece de sustentação, pois há pelo menos cinco empresas – já mencionadas – capazes de atender até uma meta arrojada de renovação da frota.

    A justificativa prossegue: “Essa limitação é agravada pela ausência de investimentos essenciais por parte da concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica, que não promoveu a construção da infraestrutura necessária para abastecimento e recarga, como subestações e redes de distribuição”. Percebe-se aqui, também, uma fundamentação pouco robusta, considerando que muitas indústrias na cidade consomem energia em volumes significativamente superiores aos das empresas de ônibus. Há infraestrutura disponível e operando regularmente.

    Há um claro distanciamento do lema “Non ducor, duco”, gravado como cláusula pétrea no brasão da cidade. É necessário que a Câmara dos Vereadores e a Prefeitura estejam atentas à manutenção da missão inovadora da cidade. Não podemos renunciar a esse compromisso.

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