Há questões didáticas no Caso Carrefour. Elas serão consideradas?
Quem acompanha as negociações internacionais envolvendo commodities agrícolas não deve ter se surpreendido com o “Caso Carrefour”. Era certo que um dia isso aconteceria. Será que outros interessados aprenderão algo com isso?
O agronegócio brasileiro tem sido altamente competitivo no exterior. Isso incomoda diversos países. Alguma reação contra os produtos brasileiros era esperada há anos. Portanto, não houve surpresa no “Caso Carrefour” e ele apresenta questões didáticas que devem ser consideradas.
O agronegócio brasileiro, aqui entendido como toda a escala de produção, desde os pequenos produtores reunidos em cooperativas até grandes empreendimentos de cultura extensiva, tem sido altamente competitivo no exterior. Isso se reflete não apenas em preços mais baixos, mas também em qualidade e quantidade. É claro que isso incomoda, há um bom tempo, países que não conseguem a mesma produtividade.
O que aconteceu com o Carrefour é apenas uma amostra do que pode ocorrer. É verdade que é uma amostra pouco significativa em relação ao volume comercializado, mas é muito simbólica em relação aos princípios envolvidos.
Meio ambiente
Há vários anos, países da União Europeia sinalizavam com a possibilidade de boicote a produtos agrícolas brasileiros. Não era um movimento oficial de governos específicos, mas era uma ação ensaiada por grupos de consumidores que acabavam encontrando ressonância em alguns políticos.
Geralmente, partiam de alegações ambientais como o desmatamento e as queimadas ou o uso de agrotóxicos banidos em alguns países. Tomavam a parte pelo todo. É claro que nem toda a produção agrícola está associada a desmatamento ilegal ou ao uso de produtos proibidos no território brasileiro. Grande parte não está vinculada a processos ou procedimentos ilícitos.
Mesmo assim, durante alguns anos, o Brasil se notabilizou em fornecer “as desculpas corretas” com a falta de fiscalização do desmatamento e das queimadas e a desestruturação do Ministério do Meio Ambiente, do IBAMA e do ICMBio. A falta de cuidado com a questão ambiental era destaque em vários países.
Os consumidores têm a liberdade de decidir o que comprar e consumir, com base nos critérios que considerarem mais apropriados, o que é claro. No entanto, a preocupação ambiental expressa por certos grupos começou a ser utilizada por alguns políticos como “a justificativa conveniente” para a proibição de produtos agrícolas brasileiros.
Embora as questões ambientais não estejam em uso como o motivo da vez, é muito importante não as perder de vista. Esses temas podem ser resgatados, pois o protecionismo não cessará.
Questões sanitárias
A produção de proteína animal é fortemente fiscalizada no Brasil, pois qualquer problema pode levar ao embargo pelos importadores. Isso já ocorreu e por vezes é necessário cursar um longo caminho até que essa proibição seja levantada. A cadeia produtiva é plenamente ciente disso.
Entretanto, a recente declaração do presidente do Carrefour tangenciava essa questão, alegando que a qualidade do produto brasileiro era inferior à dos equivalentes europeus e não atenderia às exigências e normas francesas.
Nada de concreto foi apresentado. Foi “apenas” uma ideia lançada ao vento, mas com potencial de operar estragos. Essa argumentação pode ser retomada, pois o protecionismo continuará presente.
Planejamento estratégico
Os produtores brasileiros, com a forte cooperação do governo e dos políticos, devem se preparar estrategicamente para enfrentar esse tipo de movimentação. É necessário planejamento e ações integradas. Não se trata apenas de reagir aos eventos, mas se antecipar a eles e criar estratégias para desestimular esse tipo de ação. Campanhas junto a grandes compradores, cadeias de supermercados e consumidores devem ser empreendidas nos países importadores.
A pronta resposta dos produtores de proteína animal, boicotando o fornecimento ao Carrefour e empresas associadas no Brasil, é um desestímulo para que isso ocorra novamente. Mas, o protecionismo não foi debelado. Agricultores franceses continuam protestando contra a entrada de produtos estrangeiros a preços mais competitivos e políticos locais estão atentos a esses apelos. Esse é um movimento que chega a outros países europeus.
O Carrefour divulgou uma nota fazendo uma espécie de “mea culpa”. O governo brasileiro, por enquanto, deu a questão por encerrada. Políticos e associação de produtores, por outro lado, consideraram a resposta insatisfatória. O “Caso Carrefour” não está totalmente encerrado.
É necessário planejar estrategicamente os próximos passos e antever novas movimentações. O Brasil ganhou uma batalha, mas a guerra contra o protecionismo continua. Ele não foi eliminado e se fará presente em futuras mesas de negociação.