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    Pedro Côrtes
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    Pedro Côrtes

    Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.

    Garimpo ocupa área 45% maior do que a mineração convencional

    Estudo publicado pela Nature revela que, nos últimos 40 anos, o garimpo cresceu mais rápido que a mineração convencional, gerando diversos problemas sociais, ambientais e econômicos para o país

    Embora o garimpo possa ser considerado uma atividade de subsistência, há muitos anos ele se distanciou daquela figura alegórica de uma pessoa trabalhando isoladamente, utilizando uma bateia para separar eventuais pepitas de sedimento no leito de um rio.

    Hoje, os garimpos são empreendimentos de porte significativo, utilizando equipamentos como bombas e dragas, retroescavadeiras, peneiras vibratórias, dentre outros. Isso requer o aporte de recursos financeiros e a utilização de muitas pessoas.

    Ilegalidade

    Segundo estudo publicado pela revista Nature (Uncontrolled Illegal Mining and Garimpo in the Brazilian Amazon) e desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Pará, pelo menos 77% dos garimpos, há três anos, mostravam sinais explícitos de ilegalidade, situação essa que não deve ter sido alterada substancialmente.

    Como o garimpo ilegal é um empreendimento que exige recursos financeiros, não raro esse tipo de atividade é associado ao narcotráfico na região amazônica. O garimpo é uma forma de o narcotráfico obter recursos adicionais para financiar suas operações. E as rotas empregadas pelos narcotraficantes para trazer drogas para o território nacional podem ser utilizadas como via de contrabando do ouro para outros países.

    É claro que um empreendimento operando na clandestinidade não vai respeitar a legislação ambiental nem tampouco as leis trabalhistas. Grandes áreas são desmatadas. Os leitos dos rios são dragados sem qualquer controle ou preocupação ambiental.

    As margens são destruídas pelo chamado desmonte hidráulico, quando bombas muito potentes lançam jatos d’água que simplesmente dissolvem o solo ao redor. Todo esse material é processado mecânica e quimicamente, com o uso de mercúrio ou cianeto, gerando forte contaminação dos rios, dos peixes e das pessoas.

    Não raro, os garimpos ilegais se instalam em áreas indígenas, subjugando a população e gerando conflitos pela posse da terra. Há vários relatos de conflitos desse tipo, como em áreas onde vivem os Kayapos, Mundurukus e Yanomamis, segundo o trabalho publicado na Nature.

    Ineficiência

    Como se não bastasse esse rol de ilegalidades, os garimpos são altamente ineficientes quando comparados aos empreendimentos de mineração legalizada. Como não há nenhuma preocupação social ou ambiental, o que acarretaria custos adicionais de produção, os garimpos ilegais não procuram otimizar a exploração dos sedimentos, buscando obter também as frações mais finas do ouro existente.

    Em geral, os garimpos ilegais conseguem recuperar somente as frações mais grossas de ouro (as partículas maiores). As porções mais finas acabam se perdendo no fluxo das águas. Dessa forma, além dos impactos sociais e ambientais e do contrabando, recursos naturais pertencentes à União são perdidos por essa ineficiência.

    Fiscalização

    Medidas têm sido tomadas para coibir o mercado de ouro ilegal, como a obrigatoriedade da Nota Fiscal Eletrônica, o fim da presunção de boa-fé nas transações, rastreabilidade obrigatória de origem, limitação do número de permissões de lavra garimpeira por pessoa, maior rigor na compra de ouro por instituições financeiras, dentre outras.

    O relatório “Ouro em Choque: Medidas que Abalaram o Mercado”, do Instituto Escolhas, revela que isso resultou em uma queda de 84% na produção de ouro em garimpos da Amazônia entre janeiro e julho de 2024. Segundo o relatório, o Pará foi o estado mais impactado, com redução de 98% na produção, e as exportações nacionais caíram 35% no período.

    Entretanto, é necessário considerar que parte desse ouro pode ter sido contrabandeado para o exterior utilizando, por exemplo, rotas empregadas pelo narcotráfico.

    Passivo ambiental

    Mesmo com o aumento da fiscalização, ainda há um passivo ambiental considerável a ser resolvido. Quando uma área se torna improdutiva, o garimpo ilegal simplesmente abandona o local já desmatado, erodido e contaminado por mercúrio ou cianeto, contaminantes que se espalham pelos cursos d’água.

    Obviamente, não há nenhuma preocupação com a recomposição daquilo que foi destruído, nem há quem possa ser finalmente responsabilizado. Existe uma dificuldade de identificar os “donos da lavra”, pois eles se escondem em meio a uma cadeia difusa de comando. Quem acaba sendo autuado são aqueles que trabalham diretamente na extração do ouro. Os proprietários dos equipamentos e aqueles que financiam a operação, não são facilmente identificáveis.

    Portanto, coibir o garimpo ilegal — seja por medidas que inibam a comercialização do ouro ilegal, seja pela fiscalização direta — é questão de soberania nacional, ao evitar que terras e recursos da União sejam apropriados e utilizados indevidamente. Quando isso ocorre, nenhum centavo é arrecadado pelo Tesouro Nacional e o prejuízo fica para todos nós.

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