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    Pedro Côrtes
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    Pedro Côrtes

    Professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais renomados especialistas em Clima e Meio Ambiente do país.

    Brasil assina protocolo para importar gás natural da Argentina

    Gás é obtido com a técnica de fraturamento hidráulico que gera grandes impactos ambientais

    O Brasil não utiliza todo o gás disponível em campos petrolíferos pela falta de infraestrutura de transporte e distribuição. Mesmo assim, o governo optou pela compra de gás argentino obtido com a técnica de fraturamento hidráulico que causa enormes impactos ambientais.

    No Brasil, a maior parte do gás natural está presente em reservatórios de petróleo e é produzida juntamente com ele. Devido à falta de infraestrutura de transporte e distribuição, parte desse gás é queimada nas plataformas. Outra parte é reintroduzida nos reservatórios para aumentar a pressão nos campos petrolíferos e obter uma maior produção de óleo.

    Internacionalmente, estima-se que a taxa de reinjeção fica ao redor de 25%. Isso significa que um quarto do gás obtido durante a exploração de petróleo é reintroduzida nos reservatórios para aumentar a pressão. Por aqui, entretanto, a prática de reinjeção de gás natural em campos petrolíferos excede a média mundial. Não raro, esse índice supera os 40% no Brasil.

    A elevada taxa de reinjeção no Brasil deve-se, em parte, à falta de infraestrutura adequada para escoamento e processamento do gás natural, o que limita sua comercialização e utilização no mercado interno. Em resumo, há gás natural sobrando no Brasil.

    Combustível de transição

    Embora seja um combustível fóssil como o petróleo e o carvão, o gás natural é considerado um combustível de transição para fontes mais limpas, pois a sua queima emite menos dióxido de carbono do que o óleo combustível ou o carvão. Em 2022, a União Europeia (EU) incorporou o gás natural em sua taxonomia de fontes de energia consideradas ambientalmente sustentáveis, dentro de certas condições. Com essa decisão, projetos que tenham como base o uso do gás natural passaram a ter acesso a investimentos privados destinados a acelerar a transição energética da UE.

    No Brasil, ainda há muitas usinas termoelétricas que utilizam carvão e óleo e que poderiam, em tese, beneficiar-se de uma maior oferta de gás natural. A migração do óleo ou carvão para o gás natural seria uma alternativa para reduzir as emissões das termoelétricas. Com o protocolo firmado, isso poderá ser feito com o gás argentino.

    Fraturamento hidráulico ou fracking

    Em um campo petrolífero convencional, o óleo e o gás encontram-se armazenados em rochas permeáveis. Isso permite que a retirada desses combustíveis fósseis seja feita por bombeamento. Pode ocorrer do petróleo e gás estarem armazenados a alta pressão, o que faz com que essa mistura acaba jorrando após a perfuração. Essa é uma cena clássica em filmes que falam sobre os primórdios da exploração comercial do petróleo, mas não é a regra.

    Por vezes, tanto o óleo quanto o gás encontram-se armazenados no subsolo em rochas muito pouco permeáveis, onde as técnicas convencionais não funcionam. Nesses casos, utiliza-se a técnica do fraturamento hidráulico (fracking). Basicamente, ela consiste na injeção de uma mistura de água, areia e produtos químicos sob alta pressão no subsolo, para criar fraturas nas rochas e liberar os hidrocarbonetos armazenados. Essa é a técnica utilizada no campo de Vaca Muerta, na Argentina.

    Impactos ambientais

    O fraturamento hidráulico não é técnica isenta de problemas ambientais. Com a introdução de produtos químicos no subsolo, ocorre a contaminação do lençol freático, o que acaba afetando os cursos superficiais de água (rios, riachos e lagos). Há diversos relatos comprovados de problemas de saúde em populações no entorno das áreas onde o fracking é utilizado.

    A extração do gás natural a partir de rochas permeáveis – tal como é feito hoje no Brasil – é uma técnica muito mais limpa do ponto de vista ambiental. A queima dos dois gases irá resultar na mesma quantidade de emissões, mas ao considerar os impactos na extração, aquele obtido pelo fraturamento hidráulico já nasce com um passivo ambiental considerável.

    Alternativa

    O governo opta pelo gás de Vaca Muerta para substituir o gás importado da Bolívia, cuja produção está declinando. Essa importação poderá ser facilitada pela utilização da infraestrutura já existente para transporte do gás boliviano. Não seria o caso de se considerar o desenvolvimento de uma infraestrutura para, finalmente, aproveitarmos boa parte do gás que é reinjetado em nossos campos petrolíferos?

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