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    Maurício Noriega
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    Maurício Noriega

    Mauricio Noriega é um dos jornalistas esportivos mais reconhecidos do país. Ganhou o prêmio ACEESP de melhor comentarista esportivo de TV seis vezes.

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    30 anos do Tetra: a indignação seletiva de Jorginho

    Lateral campeão do mundo de 1994 fez discurso contra postura dos jogadores atuais tendo na plateia um ex-presidente da CBF banido do futebol por corrupção

    Durante a festa dos 30 anos do tetracampeonato da Seleção Brasileira de futebol, um desabafo do ex-lateral Jorginho chamou a atenção. Em discurso inflamado, o titular da lateral direita na maioria dos jogos da campanha de 1994 (foi substituído na final por causa de uma lesão), criticou duramente jogadores da seleção atual por postarem fotos das férias pouco após a eliminação da Copa América.

    O discurso de Jorginho teve como testemunha, convidado para a festa, o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) Ricardo Teixeira, banido do futebol por corrupção. Teixeira, que era o mandatário da CBF em 1994, não pode deixar o Brasil, sob pena de ser preso pela Interpol.

    Cabe perguntar se a indignação de Jorginho ignora os impactos da corrupção no futebol para centrar fogo na vaidade dos jovens atletas da atualidade, que adoram ostentar em redes sociais.

    Vou além. Na volta da Copa de 1994, houve o episódio que ficou conhecido como “Voo da Muamba”. Jogadores, comissão técnica e dirigentes trouxeram toneladas de equipamentos eletrônicos dos Estados Unidos, sem passar pela alfândega. Ricardo Teixeira, inclusive, comprou equipamentos para uma cervejaria que montaria no Rio de Janeiro.

    Em 1990, Jorginho estava no grupo de jogadores que, antes de viajar para a Copa do Mundo na Itália, fez um protesto escondendo a marca de um patrocinador da CBF. Alguns estavam descontentes com os valores de premiação em caso de título — que não veio. Faltou compromisso? Muita gente chamou os jogadores de mercenários, quando eles apenas defendiam seus direitos.

    As críticas de Jorginho, que foi um dos melhores laterais da história do futebol brasileiro e atualmente é um treinador sem destaque, chamam atenção pelo contexto. Foram feitas em festa particular, que celebrava uma das maiores conquistas do esporte nacional. Não havia conexão alguma com a CBF, a não ser o espectro de Teixeira, o ex-presidente banido por corrupção.

    Um campeão mundial atacando duramente uma geração que carregará, em 2026, o peso de 24 anos sem conquistas de uma Copa do Mundo. A história teima em se repetir. Durante a Copa de 1994, o time do Brasil foi severamente criticado por jogadores campeões mundiais em 1970, que trabalhavam como comentaristas em emissoras importantes de TV. Entre eles, o Rei Pelé. O atrito era constante entre as gerações.

    Após a conquista do tetra, muitos atletas campeões direcionaram suas baterias para ex-jogadores do time de 1982, que encantou, mas não ganhou.

    A falta de união e a guerra de vaidades entre gerações de jogadores de futebol não é novidade. No Brasil e no mundo.

    O fato de um atleta que foi campeão mundial e atualmente é treinador criticar abertamente o estilo de vida de jovens jogadores em seus momentos de descanso talvez encontre abrigo nas próprias redes sociais em que os craques da atualidade ostentam. Jorginho faz uso do peso histórico de vencedor. Porém, omite fatos de sua geração, como a crise de 1990, o Voo da Muamba e as famosas escapadas de Romário durante as folgas na Copa de 1994.

    Se Romário podia fazer o que bem entendesse nas folgas (e podia mesmo, porque estava de folga), por que os jogadores da atualidade não podem curtir suas férias e compartilhar em rede social, como é costume de sua geração?

    Jorginho foi assistente de Dunga, capitão do tetra, na Seleção que disputou a Copa de 2010, na África do Sul. Dunga foi chamado por Ricardo Teixeira para limpar a imagem da seleção, manchada pela bagunça da preparação do time que jogou a Copa de 2006, na Alemanha. Bagunça, registre-se, bancada pela CBF de Teixeira, que liberou a presença de patrocinadores e torcedores VIPs na concentração brasileira, na cidade de Weggis, na Suíça. O período ficou conhecido como Carnaval Suíço.

    O estilo bedel de escola da dupla Dunga e Jorginho à frente do time brasileiro resultou na eliminação nas quartas de final do Mundial de 2010.

    Em 2013, Jorginho foi bastante criticado por uma suposta mistura de religião com futebol. Evangélico, ele sugeriu ao assumir o comando do América do Rio que o clube trocasse de mascote, um diabinho estilizado. O treinador foi atacado por pessoas que entenderam que ele misturou religão com esporte. Isso no país que em 1958 venceu a Copa do Mundo jogando de azul, com ispiração no manto de Nossa Senhora Aparecida.

    Pode parecer que uma coisa nada tem a ver com a outra. Mas tem.

    Quando, em fevereiro deste ano, Jorginho fez críticas à qualidade dos laterais do futebol brasileiro, ele tinha o embasamento técnico e a bagagem histórica para falar. Afinal, foi craque da posição. Ao tentar explicar a eliminação da Seleção na Copa América pelo comportamento de alguns jogadores, embarca numa furada.

    Muitos dos grandes craques da atualidade são ostentadores em redes sociais. Cristiano Ronaldo é um deles. Vários são exibicionistas. Os jovens craques da Espanha tetracampeã da Europa adoram postar dancinhas em redes sociais, usam cabelos extravagantes e jogam muita bola.

    Quando optou por julgar o comportamento de jogadores utilizando sua baliza moral, Jorginho perdeu grande oportunidade de reverenciar a excelência técnica e a competência do grupo campeão de 1994.

    Em tempo: a Seleção Brasileira que venceu a Copa de 2002 foi até mais festeira e soltinha na pista que a tão criticada equipe de 2006. Bebida, cigarro e jogos eram liberados nas concentrações, e as folgas eram animadas. Ninguém deixou de treinar e jogar bola, havia acesso total dos jornalistas aos jogadores, e no final o que valeu foram a qualidade dos atletas e o comando técnico correto.

    Fora de campo, cada um cuidou da sua vida.

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