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    Lourival Sant'Anna
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    Lourival Sant'Anna

    Analista de Internacional. Fez reportagens em 80 países, incluindo 15 coberturas de conflitos armados, ao longo de mais de 30 anos de carreira. É mestre em jornalismo pela USP e autor de 4 livros

    Escolha de vice-presidente prioriza legado de Trump

    Novo e não deve atrair votos moderados: J.D. Vance é um dos maiores defensores do movimento Faça a América Grande

    Ao escolher o senador James David Vance para seu vice na chapa, o ex-presidente Donald Trump priorizou preservar seu legado em detrimento de ampliar o seu apoio eleitoral.

    J.D. Vance, como é conhecido o ex-executivo do setor de tecnologia, de 39 anos, é um dos maiores defensores do movimento Faça a América Grande de Novo (Maga, na sigla em inglês), criado e liderado por Trump.  

    Com metade da idade do ex-presidente, e apenas no segundo ano de seu primeiro mandato eletivo, Vance tem o perfil anti-sistema e anti-política de Trump, que tanto agrada seu eleitorado, mas não necessariamente os americanos mais moderados que Trump precisa conquistar.  

    A exceção talvez sejam os profissionais do Vale do Silício, onde Vance trabalhou com investimentos de risco em startups de alta tecnologia. Esse segmento bastante especifico se distanciou de Trump por causa de suas posições protecionistas e contrárias à imigração. O setor depende da mão-de-obra de imigrantes e da integração das cadeias de valor.  

    Além de ter trabalhado nessa indústria, Vance é casado com a advogada Usha Chilukuri Vance, filha de imigrantes da Índia, justamente de onde vem a força de trabalho estrangeira mais contratada pelas empresas de alta tecnologia. O setor não oferece um contingente grande de eleitores mas tem grande influência e doadores de peso. 

    O agora candidato a vice pelo Partido Republicano ficou conhecido pelo seu best-seller “Hillbilly Elegy”, que deu origem ao filme cujo título foi traduzido no Brasil como “Era Uma Vez um Sonho”.

    De caráter autobiográfico, o livro mostra a realidade da classe operária branca do chamado Cinturão da Ferrugem, a região do Norte e Nordeste dos Estados Unidos que perdeu suas indústrias para a gobalização. O livro ajuda a entender por que esse segmento da população abandonou os democratas por Trump. 

    Nas questões de costumes, política externa e comércio, Vance é ainda mais radical do que Trump. Ele defende a proibição do aborto até mesmo em casos de estupro, e sugeriu que as mulheres deveriam preservar o casamento mesmo sob relações abusivas. Ele também é contra a ajuda a Ucrânia e a favor do protecionismo.  

    Primeiro candidato milennial à chapa presidencial, sua escolha marca a troca geracional no Partido Republicano — algo que os democratas não promoveram ainda. Kamala Harris, a vice de Biden, tem 59 anos. A vitalidade de Vance reforça o contraste com Biden, considerado frágil física e mentalmente.

    Um contraste que ficou ainda mais evidente com a reação de Trump ao atentado de sábado. Com a orelha ensanguentada pelo tiro de raspão, ele ergueu o punho direito num gesto de desafio e gritou “Lutem” para os que assistiam a seu comício.  

    Implicitamente Vance representa uma percepção trumpista de virilidade, perante sua oponente, a vice-presidente Kamala Harris. Numa tentativa de restabelecer alguma civilidade na política americana, Harris telefonou para Vance para parabenizá-lo pela indicação.

    Ele não atendeu e ela deixou mensagem na caixa postal. Na noite de sábado, Biden também ligou para Trump, que chamou de “Donald”.  Ambos não se cumprimentaram no debate da CNN, dia 27.  

    Trump tinha a alternativa de políticos de peso e mais bem aceitos pelo establishment republicano, como o senador Marco Rubio, da Florida. Entretanto, nessa frente, Vance tem a credencial de ter lutado como fuzileiro naval na Guerra do Iraque, o que é bastante valorizado por esse establishment. 

    Antes um crítico agressivo de Trump, que chamou na campanha de 2016 de “Hitler da América”, “desastre moral” e “fraude total”, Vance disse que mudou de opinião porque considerou que ele fez um bom governo. Trump endossou sua candidatura ao Senado em 2022. Vance por sua vez o apoiou nas primárias. 

    Vance encampou a tese — não comprovada — de fraude nas eleições de 2020, e afirma que o então vice Mike Pence poderia ter impedido a certificação da vitória de Joe Biden, como queriam Trump e seus seguidores, que invadiram o Capitólio para tentar interromper a sessão. Como vice, Pence presidiu a sessão.  

    Ao comentar a escolha do vice, Eric Trump, filho do ex-presidente, declarou que Vance não trairia seu pai, como Pence supostamente teria feito, quando na verdade estava apenas seguindo a Constituição americana, que prevê que o vencedor no Colégio Eleitoral deve ser diplomado presidente. 

    Outro filho do ex-presidente, Donald Trump Jr., que defendeu perante o pai a escolha de Vance, realçou a capacidade dele de falar na TV. Vance foi comentarista da CNN de 2017 a 2018.

    O filho de Trump também revelou que o pai “rasgou” o discurso que havia preparado antes do atentado de sábado para a Convenção Republicana, que teve início nessa segunda-feira em Milwaukee, Wisonsin.  

    De acordo com Trump Jr., que tem uma retórica bastante abrasiva,  o pai disse a ele que o momento agora seria de unir o país. O atentado de sábado certamente uniu o Partido Republicano.

    O clima na convenção é de euforia, com vários oradores chamando Trump de “o melhor presidente de todos os tempos”, num partido que sempre enalteceu o legado de Abraham Lincoln e, mais recentemente, Ronald Reagan. 

    Para fortalecer essa união, depois do atentado, Trump chamou de última hora sua principal oponente nas plenárias, Nikki Haley, para discursar na convenção. Mais do que o Partido Republicano, no entanto, esse é o partido de Trump. E a escolha de Vance serviu para sublinhar isso.