Lourival Sant'Anna

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Lourival Sant'Anna

Analista de Internacional. Fez reportagens em 80 países, incluindo 15 coberturas de conflitos armados, ao longo de mais de 30 anos de carreira. É mestre em jornalismo pela USP e autor de 4 livros

Análise: Em 100 dias, o reality show de Trump começa a cansar os americanos

Pesquisas registram baixos índices de aprovação do governo, com frustração maior na economia
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, chega antes da posse no Capitólio dos Estados Unidos  • Melina Mara - Pool/Getty Images
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No início de seu primeiro mandato, em 2017, o presidente Donald Trump explicou para um assessor que seu governo deveria ser como um reality show de televisão: a cada dia uma novidade, um constante suspense, um drama contínuo, que domine a atenção do público. O objetivo é manter os adversários sempre correndo atrás e reagindo, enquanto Trump detém a iniciativa e domina a narrativa.

No segundo mandato, que nesta terça-feira (29) completa 100 dias, o presidente demonstra ter dominado ainda melhor essa técnica, e escalado um elenco mais afinado com o seu enredo. A revista The Atlantic perguntou a Trump se seu segundo mandato parecia diferente do primeiro. Ele respondeu que sim. “Da primeira vez, eu tinha duas coisas para fazer — governar o país e sobreviver; eu tinha todos aqueles caras corruptos”, disse ele. “E, da segunda vez, eu governo o país e o mundo.”

Por meio da guerra tarifária, Trump procura concentrar em suas mãos o poder de determinar os preços dos produtos. Em outra entrevista, à revista Time, o presidente comparou o mercado americano a uma loja de departamentos: “Sou essa loja gigante. É uma loja gigante e bonita, e todos querem fazer compras lá. Em nome do povo americano, sou o dono da loja, defino os preços e digo: ‘Se você quer comprar aqui, este é o preço que tem que pagar’.”

Diante não só do tamanho do mercado americano, mas principalmente da interdependência da cadeia de valores na economia globalizada, esse preço, traduzido em tarifas, acaba afetando o mundo todo. E Trump se regozija com esse impacto, potencializado pelas idas e vindas nas tarifas, que reforçam a noção de que só ele controla a situação.

Internamente, esse poder quase absoluto se expressa nas detenções e deportações sumárias de imigrantes, sem tempo para a Justiça analisar os casos. Mesmo quando os advogados dos detentos conseguem acionar a Justiça, e os juízes ordenam a suspensão das deportações, elas acontecem de qualquer maneira. O presidente ameaçou enviar cidadãos americanos para prisões em El Salvador, esclarecendo depois à Time que faria isso se a lei permitisse.

O poder de Trump é exercido também por meio das demissões em massa de servidores públicos, incluindo os inspetores-gerais, encarregados de fiscalizar o governo e receber denúncias de corrupção. A finalização de contratos com escritórios de advocacia que atuam em processos contrários aos interesses do governo e a suspensão de verbas para universidades que se recusam a mudar seus quadros de professores, currículos e liberdade de protestos que incomodam Trump completam esse quadro de ampliação dos poderes.

O presidente havia prometido fazer precisamente essas coisas. Mesmo assim, muitos americanos estão descontentes. As pesquisas de opinião para marcar esses 100 dias atribuem a ele avaliações ligeiramente melhores do que no mesmo momento de seu primeiro mandato. Mas estão muito aquém das luas de mel que os americanos concederam a seus antecessores.

A Fox News, uma emissora favorável a Trump, registrou 44% de aprovação entre os eleitores e 55% de desaprovação. Números muito parecidos dos obtidos pelo Instituto Gallup: 44% de aprovação e 53% de desaprovação.

O pior índice de Trump nas pesquisas recentes vem de uma pesquisa da ABC News/Washington Post/Ipsos divulgada no domingo (27), que apontou 39% de aprovação e 55% de desaprovação. Pesquisa da CBS News/YouGov divulgada no domingo registrou 45% de aprovação e 55% de desaprovação.

A economia, o principal motivo da eleição de Trump, é também uma das principais causas de frustração popular, por causa da perspectiva de aumento do custo de vida e desaceleração econômica, associada às tarifas. A imigração continua sendo sua maior fonte de aprovação, mas até nesse quesito ele vem perdendo apoio.

Pesquisa do New York Times/Siena College divulgada na sexta-feira (25) constatou que metade dos eleitores acredita que a situação econômica piorou com Trump; 27% disseram que a economia continua igual e 21%, que ela melhorou.

A aprovação do desempenho econômico de Trump em pesquisa da CNBC em abril, de 43%, está entre as mais baixas do seu primeiro mandato, marcado pela pandemia. Essa sondagem revelou que 57% dos americanos acreditam que os Estados Unidos estão prestes a entrar ou já entraram em uma recessão.

The Atlantic perguntou a Trump se era verdade, como dizem fontes próximas, que ele está se divertindo muito nesse segundo mandato. “Estou me divertindo muito, considerando o que eu faço”, confirmou ele. “Você sabe, o que eu faço é algo muito sério”.

Parece que os americanos concordam que o que ele faz é muito sério. E por isso mesmo não estão se divertindo tanto quanto ele.