Ameaça de ataque do Irã faz EUA desguarnecer defesas contra China e Rússia
Ao matar o líder do Hamas em Teerã, Israel praticamente obriga os americanos a elevar envolvimento com sua defesa
A necessidade de mobilizar uma defesa robusta de Israel frente à ameaça iraniana obrigou os Estados Unidos a deslocar navios, aviões e sistemas de defesa antiaérea do Indo-Pacífico para o Oriente Médio. Isso desguarnece a presença militar americana na área de projeção da China. E reduz indiretamente o poder de dissuasão contra a Rússia.
Num sinal dos interesses em jogo, o secretário de Segurança Nacional da Rússia, Sergei Shoigu, reuniu-se nessa segunda-feira em Teerã com o novo presidente iraniano, Masoud Pezeskhian. O chanceler da Jordânia, Ayman Safadi, também se reuniu com Pezeskhian, para levar uma mensagem do rei Abdullah II, que por sua vez conversou com o presidente americano, Joe Biden.
Ao mesmo tempo, o general Michael Kurilla, chefe do Comando Central dos Estados Unidos, estava em Israel, revisando com comandantes israelenses os planos de defesa de um eventual ataque do Irã, considerado iminente.
O USS Abraham Lincoln foi despachado no sábado para o Oriente Médio, o que o tornará o quarto porta-aviões americano na região. Outro porta-aviões, o USS Theodore Roosevelt, também parece estar se dirigindo para lá. Essas embarcações deslocam consigo não só aviões, mas navios de guerra que compõem seus grupos de batalha e escolta.
Além disso, dois destróieres, o USS Laboon e o USS Cole, posicionaram-se no Mar Vermelho. No momento, são 12 navios de guerra americanos no Oriente Médio e Mediterrâneo. Isso representa uma super-extensão de ativos militares.
“Não estamos construindo uma força militar que possa lidar com três teatros simultaneamente”, analisa Mark Montgomery, pesquisador da Fundação para a Defesa das Democracias, com sede em Washington. Ele se refere ao Leste Asiático e ao Leste Europeu, além do Oriente Médio.
A três meses das eleições nos EUA, o governo Biden precisa demonstrar disposição inequívoca de proteger seu principal aliado no Oriente Médio e deixar em segundo plano as críticas que vinha fazendo à campanha de Israel na Faixa de Gaza, que destruiu o território e matou 40 mil pessoas, segundo as autoridades de saúde locais, embora o número seja provavelmente bem maior, dada a impossibilidade de retirar os corpos de baixo dos escombros sob o bombardeio contínuo.
Com o assassinato do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, obteve o triplo benefício de atender ao desejo de vingança pelas atrocidades cometidas pelo grupo palestino no dia 7 de outubro, que deixaram 1.200 mortos e 251 reféns; afastar um acordo de libertação dos reféns e cessar-fogo, que não lhe interessa politicamente; trazer de volta um apoio incondicional dos Estados Unidos.
Netanyahu enfrentava as maiores manifestações de protesto da história de Israel antes do ataque do Hamas, por causa de sua tentativa de reforma da Lei Básica do país para retirar autonomia da Corte Suprema, na qual tramita processo por corrupção e abuso de poder contra ele.
Daí a tática de prolongar o conflito em Gaza, que no entanto frustra, segundo pesquisas, a maioria dos israelenses, para quem a prioridade deveria ser a liberação dos reféns, e não a aniquilação absoluta do Hamas, embora também desejada pela opinião pública.
A prioridade dada à guerra reduziu ainda mais a popularidade de Netanyahu, criando um círculo vicioso que aumenta sua dependência da ala mais radical de seu gabinete, encabeçada pelos ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e da Segurança, Itamar Ben Gvir. O partido Sionismo Religioso, de Smotrich, tem sete cadeiras na Knesset, o Parlamento israelense, enquanto o Otzma Yehduit, de Ben Gvir, controla seis. Bem mais que o suficiente para derrubar Netanyahu, que reúne o apoio de 64 dos 120 deputados.
Líderes dos colonos judeus na Cisjordânia, Smotrich e Ben Gvir defendem a expulsão dos palestinos e a anexação desse território ocupado e também da Faixa de Gaza. O sistema eleitoral israelense favorece a fragmentação da Knesset e dá um peso desproporcional a grupos pequenos, que não representam necessariamente o pensamento de grandes parcelas da população.
Embora patrocine o Hamas e o Hezbollah, dois grupos armados que têm provocado conflitos com Israel, uma guerra direta com o país não interessa ao Irã, dada a superioridade militar israelense, ainda mais com apoio dos Estados Unidos. Por outro lado, depois do assassinato de Haniyeh em Teerã depois de ele participar da posse do novo presidente iraniano, a ausência de uma resposta desmoralizaria a impopular teocracia.