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    Iuri Pitta
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    Iuri Pitta

    Jornalista, mestre em administração pública e governo e professor universitário. Atuou como repórter, editor e analista em coberturas eleitorais desde 2000

    Tempus Veritatis: a hora da verdade em tempos de pós-verdade

    Se a verdade deixa de ter relevância, os fatos perdem influência na formação de opinião

    Tempus Veritatis foi o nome em latim dado pela Polícia Federal (PF) à operação que prendeu preventivamente quatro homens – dois oficiais militares e dois auxiliares diretos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – e cumpriu mandados de busca e apreensão contra quatro ex-ministros, entre outros alvos.

    Significa tempo ou hora da verdade, um momento definitivo para que se esclareça o que de fato ocorreu. O que ainda rende debate são os efeitos políticos e eleitorais de se revelar a verdade em tempos de pós-verdade.

    As primeiras informações sobre a operação da PF que mais abalou a cúpula do governo Bolsonaro foram noticiadas por volta das 7h30 do dia 8 de fevereiro.

    Menos de quatro horas depois, o site do Supremo Tribunal Federal (STF) publicava a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que atendia o pedido da PF e acolhia parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR) para que fossem cumpridas as prisões, buscas e apreensões.

    A decisão transcreve parte de uma reunião ministerial de 5 de julho de 2022 que, nas palavras do magistrado, revela o “arranjo de dinâmica golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a Justiça eleitoral”.

    No dia seguinte, “diante de inúmeras publicações jornalísticas com a divulgação parcial e editada de trechos do vídeo”, Moraes torna a íntegra da gravação pública.

    São esses os fatos disponíveis por ora aos interessados em saber a verdade. Pode-se acrescentar na lista os eventos públicos da época, como a fala de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas diante de embaixadores 13 dias após a reunião do gabinete ministerial, transmitida pela TV estatal.

    Entretanto, mesmo sem a investigação ter sido concluída, parece já haver quem tenha opinião formada a respeito. Um dia após a Tempus Veritatis, foi divulgada pesquisa Atlas, feita exclusivamente online: 42,2% dos entrevistados veriam “perseguição política” a Bolsonaro e 40,5% discordariam dessa afirmação.

    O próprio PL – cujo presidente nacional, Valdemar Costa Neto, foi alvo de busca e apreensão e ficou dois dias detido por posse de uma arma com registro vencido – planeja encomendar uma pesquisa de abrangência nacional, para consumo interno, a fim de avaliar o impacto da operação da PF. Querem saber principalmente se Bolsonaro será ou não um bom cabo eleitoral para seus candidatos a prefeito – o partido quer passar de mil eleitos entre os 5.569 municípios que vão às urnas em outubro.

    Essas e outras prováveis pesquisas sobre a percepção dos brasileiros acerca da Tempus Veritatis podem contribuir com um debate que só cresceu de 2016 para cá. Foi quando o Dicionário Oxford detectou o crescimento do uso do termo “pós-verdade” e o escolheu como palavra do ano em que Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos e o Reino Unido decidiu deixar a União Europeia.

    O uso do prefixo pós não é igual ao de expressões como pós-guerra, com um significado temporal. O sentido aqui é de crítica e perda de importância, como em pós-modernismo.

    Se a verdade deixa de ter relevância, os fatos perdem influência na formação de opinião, ao passo que o apelo às emoções e às crenças se torna preponderante, argumentam os estudiosos de Oxford.

    Dificilmente as investigações da PF serão concluídas antes das eleições de outubro – e mesmo que fossem, haveria outras etapas do processo judicial antes do veredito.

    Os aliados de Bolsonaro contam com o “julgamento das urnas” para preservar ao máximo o capital político do ex-presidente – para isso, têm como recorrer ao discurso da “perseguição”, sem precisar entrar no mérito da trama revelada. Às instituições, cabe perseguir os fatos independentemente das narrativas, leve o tempo que for para se chegar à verdade.