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    Iuri Pitta
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    Iuri Pitta

    Jornalista, mestre em administração pública e governo e professor universitário. Atuou como repórter, editor e analista em coberturas eleitorais desde 2000

    Lições do PL do aborto após 22 semanas sobre a política e o poder das mulheres

    Diante da alta taxa de conhecimento sobre o debate, segundo pesquisa da AtlasIntel, pode-se assumir que as respostas dos entrevistados são significativamente convictas

    No debate sobre criminalizar ou não mulheres que abortam após a 22ª semana de gestação, mesmo nas situações que o Código Penal não considera crime a interrupção da gravidez, prevaleceu a opinião da maioria da população. E ficaram lições de que os vácuos na política podem ser eventualmente ocupados pela sociedade.

    Dados coletados pela AtlasIntel para o programa GPS CNN mostram que o assunto de fato mobilizou a opinião pública: 9 em cada 10 brasileiros tomaram conhecimento do PL 1904/2024, cuja urgência foi aprovada em questão de segundos pela Câmara dos Deputados, mas agora tornou-se tema para debate ao longo do segundo semestre, como anunciado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

    Não foi só disputa de narrativa nas redes sociais, início da reação contrária ao protesto, como mostram levantamentos de empresas como Quaest e Palver em plataformas abertas e aplicativos de mensagens. De fato, o PL foi assunto na Praça da Sé, nas praias de Norte a Sul, entre homens e mulheres, ricos e pobres, religiosos e agnósticos ou ateus.

    E prevaleceu a opinião de que não, uma grávida que interrompe a gestação após 22 semanas não deve ser considerada uma assassina: 71% responderam assim, com maior percentagem dos que têm essa visão em casos de estupro ou risco à vida da mãe (39,9%) ante os que pensam assim em quaisquer circunstâncias (30,9%).

    Restam, conforme os dados da pesquisa Atlas/CNN, 29% que veem o aborto após a 22ª semana como um ato equivalente a um homicídio.

    Diante da alta taxa de conhecimento sobre o debate, pode-se assumir que as respostas são significativamente convictas – poucos entrevistados pensaram no assunto previamente em seus círculos sociais. Provavelmente, chegou ao conhecimento de parcela relevante da população dados que mostram o risco corrido por meninas de 10 a 14 anos de serem vítimas de estupro e precisarem recorrer ao direito ao aborto legal.

    Quem apoia criminalizar o aborto em quaisquer circunstâncias?

    Importante, então, olhar em quais segmentos há alguma adesão majoritária à proposta bancada por parte dos deputados evangélicos – nem todos deram apoio público ao projeto, e o novo coordenador da frente parlamentar do segmento, Silas Câmara (Republicanos-AM), disse à analista de política Jussara Soares considera a discussão “de volta à estaca zero”.

    Entre os evangélicos, a adesão à criminalização do aborto após 22 semanas chega a 57,7%, praticamente o mesmo número visto entre eleitores de Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno (58,5%) ou no segundo (57,6%). O apoio à punição da mãe que aborta, mesmo em casos de estupro, diminui conforme avançam a idade, a escolaridade e a renda.

    E, como esperado, há maior rejeição ao PL entre as mulheres, mais diretamente afetadas pela proposta, do que homens (27,5% delas concordam com a equivalência ao homicídio em qualquer circunstância, ante 30,6% deles).

    Esse episódio mostra o quanto pode ser pantanoso avançar o sinal nas pautas de costumes, mesmo diante de um momento de fragilidade política do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de reação, capitaneada pelo próprio presidente, às disputas no Congresso. Mas a reação errática e tardia do campo petista, explicitada por aliados do presidente, também ilustra os receios e as tensões diante da proximidade das eleições municipais e da sucessão nos comandos da Câmara e do Senado.

    O clichê de que não existe vácuo na política se encaixa no caso: quando os políticos só pensam nas próximas eleições – sejam as diretas, como as que vão eleger prefeitos e vereadores, sejam as interna corporis, como as sucessões no comando da Câmara e do Senado –, outras forças preenchem esses espaços. Desta vez, foram as mulheres, fenômeno que deveria ser mais recorrente em um país majoritariamente feminino e no qual mães costumam pensar muito mais nas famílias do que os homens.

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