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    Iuri Pitta
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    Iuri Pitta

    Jornalista, mestre em administração pública e governo e professor universitário. Atuou como repórter, editor e analista em coberturas eleitorais desde 2000

    Como a ciência de dados põe resultado eleitoral na Venezuela em xeque

    Método estatístico contesta vitória de Maduro e aponta indícios de manipulação nos números oficiais

    Um grupo de pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Venezuela elaborou um método estatístico para aferir a veracidade dos resultados eleitorais no país sul-americano e que indicaria vitória da oposição ao presidente Nicolás Maduro.

    Estudiosos apontam também indícios de que os números oficiais, divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, apresentam coincidências muito improváveis de ocorrerem.

    Com o sugestivo título “O homem que não calculava: o caso de Nicolás Maduro”, os professores do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (DCP/UFPE) questionam se é possível confiar nos resultados oficiais, que foram divulgados da seguinte forma, com 80% das urnas apuradas:

    Eleições na Venezuela / CNE

    Ao reproduzirem o cálculo dos percentuais de Maduro, González e outros candidatos agrupados, os professores Dalson Figueiredo, Ernani Carvalho e Maria do Carmo Soares de Lima constataram um “padrão extremamente incomum de valores decimais exatos” até a sétima casa.

    A título de comparação, eles reproduzem o cálculo de aritmética básica com os resultados do segundo turno das últimas eleições gerais no Brasil. Ainda que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgue resultados oficiais com duas casas decimais, a reprodução do cálculo com sete casas decimais aponta números fracionados, o que é o esperado em uma conta desse tipo.

    Os autores fizeram o mesmo com as disputas em quatro estados (São Paulo, Alagoas, Rio Grande do Sul e Pernambuco), com diferentes forças políticas vitoriosas e em todas há fracionamento nas casas decimais.

    “Para a obtenção de [exatamente] 0,200000% do total de votos [na Venezuela], são necessários 20.118 votos”, explicam os professores da UFPE, o que significa uma probabilidade aproximada de 0,000049706730.

    Para isso ocorrer duas vezes, já que tanto Maduro quanto González registraram isso, é preciso multiplicar esse número por ele próprio – como os professores relembram a quem já passou pelo Ensino Médio ou, como eu, é pai de aluno nesta idade, a probabilidade de um evento A “e” um evento B ocorrerem ao mesmo tempo é o produto das probabilidades de ocorrência de cada um.

    Sendo assim, a probabilidade de Maduro e Edmundo ter a parte fracionária idênticas ao que tiveram seria de 0,000049706730*0,000049706730=0,000000002470759036%”, calculam os autores, tão ou mais improvável que ganhar em uma loteria.

    Esses autores reforçam que isso não é prova de fraude, mas “o que esse teste mostra é um padrão estranho com reduzida chance de ocorrer sem interferência humana”.

    Integridade eleitoral limitada

    Além desse artigo, Figueiredo é um dos autores de um estudo de caso mais robusto das eleições presidenciais de 2024 na Venezuela, ao lado do brasileiro Raphael Nishimura e do americano Walter R. Mebane Jr., ambos professores da Universidade de Michigan, e um pesquisador da Venezuela que, por motivos de segurança, assina o trabalho sob o pseudônimo de Jose Antonio Gomez Duarte.

    Em texto publicado antes da votação do domingo, eles apresentaram um método para “estimar rapidamente a contagem de votos em contextos com integridade eleitoral restrita”, ou seja, situações políticas como a da Venezuela, em que há dúvidas sobre a capacidade do sistema de refletir de fato a vontade dos votantes.

    Estudo recente citado pelos autores mostra a Venezuela com índice de percepção de integridade eleitoral de 31, em uma escala de 0 a 100 – quanto mais alto o valor, maior a percepção de que o sistema é íntegro.

    Dinamarca (90), Israel (88) e Suécia (86) lideram a classificação, na qual o Brasil registra 64, mesmo nível de Croácia e Peru e acima da média de 54, em uma amostra de 83 países.

    A metodologia consistiu em quatro etapas. Na primeira, os pesquisadores classificaram todos os centros de votação em uma escala de sete níveis, do mais opositor (0) ao mais governista (7), conforme dados de quatro votações: eleições presidenciais de 2013, parlamentares de 2015 e 2020, e regionais em 2021.

    Cada um dos sete grupos tinha aproximadamente o mesmo número de eleitores registrados para a votação deste ano.

    Em seguida, foram usados critérios da ciência política e da estatística para fazer uma seleção aleatória dos centros de votação em cada um dos sete grupos, de modo a se chegar a uma lista de 1.500 seções eleitorais que serviriam de amostra para estimar o resultado total.

    A terceira etapa foi a coleta dos dados propriamente ditos. Para isso, no domingo uma equipe de observadores coletou os dados das folhas de contagem das urnas pré-selecionadas, com o total de votantes, os votos recebidos individualmente pelos candidatos e os votos nulos ou brancos.

    São as atas que têm sido cobradas por presidentes como os do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e dos Estados Unidos, Joe Biden, mas ainda não apresentadas pelas autoridades venezuelanas.

    Por fim, após conseguirem verificar a autenticidade dos dados de 997 centros de votação – uma amostra de 400 locais já teria robustez estatística para o trabalho –, os acadêmicos chegaram a um resultado próximo ao reivindicado pela oposição.

    Pelo estudo, González teria obtido 66,12% dos votos, ante 31, 39% de Maduro e 2,49% pelos demais candidatos. Dos sete estratos da etapa 1, apenas o mais governista teria registrado mais votos para o atual presidente do que o candidato da oposição – ainda assim, com uma diferença inferior a 0,4% do total do grupo.

    Eleições na Venezuela / Reprodução CNN

    Todos os dados do estudo estão abertos, inclusive os códigos de programação, para o método poder ser reproduzido por outros pesquisadores ou mesmo contestado, seguindo preceitos do filósofo Karl Popper, como destaca Figueiredo. “Temos muita tranquilidade e confiança em relação à robustez dos resultados”, diz o professor da UFPE.

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