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    Fernando Nakagawa
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    Fernando Nakagawa

    Repórter econômico desde 2000. Ex-Estadão, Folha de S.Paulo, Valor Econômico e Gazeta Mercantil. Paulistano, mas já morou em Brasília, Londres e Madri

    Cresce o debate sobre o aumento do Bolsa Família e a perda do interesse em procurar emprego

    Roberto Campos Neto trouxe à tona discussão crescente entre economistas e empresários: a expansão do programa social retirou pessoas do mercado de trabalho?

    A elite econômica global se reúne a cada 12 meses em um vilarejo com vista para as montanhas no interior dos Estados Unidos. Mais precisamente no Wyoming, o estado menos populoso do país. Em três dias, são discutidos os rumos da economia e o que os bancos centrais pensam em fazer. Neste ano, um tema inesperado surgiu: o Bolsa Família.

    Ao discursar sobre como as decisões de bancos centrais chegam – ou não – à economia real, o presidente do BC brasileiro, Roberto Campos Neto, enumerou algumas hipóteses para a chamada perda de potência da política monetária e chamou atenção para o crescimento do programa social brasileiro.

    No painel “Reavaliando a Efetividade e a Transmissão da Política Monetária”, Campos Neto avaliou hipóteses para explicar a queda tão lenta da inflação pelo mundo. Globalmente, o brasileiro indicou algumas possibilidades relacionadas ao gasto público, intervenções no mercado financeiro e dívida pública.

    E, ao avaliar nossa própria economia, chamou atenção para o fato de que os programas sociais cresceram muito nos últimos anos no Brasil. O tema é, aliás e há algum tempo, debate entre economistas e empresários.

    Em Jackson Hole, Campos Neto destacou que o maior programa social brasileiro já beneficia 56 milhões de pessoas. Esse é o maior grupo da população brasileira, destacou, acima dos 43 milhões de ocupados e empreendedores.

    O discurso de Campos Neto trouxe à tona uma fala ouvida discretamente há vários meses entre economistas preocupados com a inflação e entre empresários que têm reclamado do estrangulamento do mercado de trabalho.

    Vários citam que a forte queda recente do desemprego pode ser explicada, sim, pelo crescimento da economia, mas lembram que não é possível ignorar o impacto da ampliação do programa social.

    De inquestionável importância para oferecer dignidade econômica e social aos mais pobres, o programa social federal cresceu em duas frentes no pós pandemia: número de beneficiários e, principalmente, valor pago.

    Antes da pandemia, o valor mínimo destinado a cada família era de R$ 89 como benefício principal. Havia, ainda, a possiblidade de valores adicionais de R$ 41 pagos a cada criança ou adolescente da família.

    Atualmente, o valor mínimo é de R$ 600, com R$ 150 pagos adicionalmente a cada criança de até seis anos. Houve, portanto, aumento de 574% no valor principal desde a pandemia.

    O aumento dos valores do programa social se confunde com a ação do governo para combater os efeitos da pandemia. Em 2020, com as cidades fechadas para evitar o vírus, o governo discutiu inicialmente o pagamento do chamado auxílio emergencial de R$ 400. Em uma articulação com o Congresso, o valor final aumentou para R$ 600.

    No bolso, passos dados à frente são praticamente impossíveis de voltar. E é por isso que o valor segue até agora.

    Economistas dizem que, como o valor do benefício já equivale a quase metade do salário-mínimo, muitos encarariam o pagamento como um desincentivo à busca por trabalho. Ou seja, diminui a mão de obra disponível.

    Em Brasília, a Secretaria de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social confirma a fala de Campos Neto. Houve forte aumento no número de beneficiários no programa social: atualmente, o Ministério cita 54,5 milhões de pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família. Em março de 2020, quando o coronavírus chegou ao Brasil, eram 40 milhões de pessoas.

    Aumento de 36% ou quase 15 milhões de indivíduos.

    Essa alta, porém, não é recente – e não tem a ver com o atual governo. Os grandes saltos aconteceram em 2022. Naquela época, o programa usava outro nome: era o Auxílio Brasil. O nome vigorou entre novembro de 2021 e fevereiro de 2023.

    Nos 12 primeiros meses da pandemia, o programa ganhou mais de 3 milhões de novos indivíduos beneficiados. Em janeiro de 2022, porém, houve o grande salto: 6,4 milhões. Depois, em agosto do mesmo ano, outro pulo: 3,5 milhões de pessoas a mais no Auxílio Brasil.

    No fim de 2022, ano das eleições presidenciais, 14,5 milhões de novas pessoas estavam sendo beneficiadas pelo Auxílio Brasil na comparação com o mês da chegada do vírus no Brasil.

    Ao mesmo tempo, os números do IBGE mostram que houve queda do número de pessoas com mais de 14 anos e que estão não estão mais dispostas a procurar um trabalho. O número de pessoas que são consideradas fora da força de trabalho era um pouco acima de 60 milhões nos vários anos antes da pandemia.

    Quando a Covid-19 chega ao Brasil, esse número explode para perto de 75 milhões de pessoas. Chegam as vacinas e a doença perde força, mas o número de pessoas fora do mercado trabalho nunca volta ao patamar anterior. O número atual gira em torno de 66 milhões – mais de 5 milhões acima do observado antes da pandemia.

    Muitos economistas e empresários dizem que esse contingente pode ter decidido desistir de procurar um emprego porque recebem o programa social.

    Curiosamente, o governo Lula alterou a curva do programa social. Além de mudar o nome do programa – e rebatizar para Bolsa Família, o número de beneficiários diminuiu.

    Em janeiro de 2023, primeiro mês do atual governo, era 55,8 milhões atrelados ao programa. Desde então, o grupo diminuiu em 1,26 milhão de pessoas. Talvez seja o início do pente-fino tão prometido pela equipe econômica.

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