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    Fernanda Magnotta
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    Fernanda Magnotta

    PhD especializada em Estados Unidos. Professora da FAAP, pesquisadora do CEBRI e do Wilson Center. Referência brasileira na área de Relações Internacionais

    Trump, Zelensky e a crise da aliança EUA-Europa

    Aliança de décadas foi abalada por atritos recentes, desde o retorno de Donald Trump

    O recente encontro entre o presidente Donald Trump e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na Casa Branca não é apenas um episódio diplomático isolado – é o sintoma mais visível de uma crise profunda que ameaça uma das mais longevas alianças globais: a parceria entre os Estados Unidos e a Europa.

    A aliança transatlântica foi construída ao longo de décadas. Os laços coloniais iniciais estabeleceram conexões que persistiram após a independência norte-americana, mas foram as grandes convulsões do século XX que sedimentaram esta parceria, com a entrada dos Estados Unidos nas duas Guerras Mundiais redefinindo o equilíbrio de poder global.

    O Plano Marshall, com seus mais de $13 bilhões em ajuda econômica, representou um investimento estratégico dos norte-americanos na estabilidade europeia. Ao mesmo tempo, a fundação da OTAN em 1949 institucionalizou esta ligação, criando uma estrutura de segurança coletiva que se fortaleceu durante a Guerra Fria diante da ameaça soviética.

    O sucesso desta aliança baseou-se, ao longo de décadas, em pilares fundamentais: valores compartilhados (democracia liberal, economia de mercado, direitos humanos), interesses estratégicos comuns e interdependência econômica, que transformou os Estados Unidos e União Europeia na maior relação comercial bilateral do planeta.

    A sustentação ao longo das décadas também se deveu às instituições multilaterais compartilhadas – não só a própria OTAN, mas também o G7 e estruturas como a ONU e a OMC – que proporcionaram mecanismos permanentes de cooperação.

    No centro das tensões atuais está a questão do chamado “burden sharing” – o compartilhamento de encargos entre os membros da aliança. Esta discussão ganhou contornos particularmente acrimoniosos durante o primeiro mandato de Trump (2017-2021) e agora ameaça atingir níveis sem precedentes.

    Desde a formalização do compromisso de 2% do PIB em gastos de defesa pelos membros da OTAN em 2006, essa métrica se tornou o símbolo do debate sobre contribuições equilibradas. A crítica norte-americana ao suposto subinvestimento europeu encontrou em Trump seu mais vocal porta-voz, chegando a questionar o próprio compromisso do país com o Artigo 5 da OTAN – a cláusula de defesa mútua que é a espinha dorsal da aliança.

    O encontro entre Trump e Zelensky encapsula esta deterioração. O presidente ucraniano tal qual diversos líderes europeus ao longo da semana, foi recebido com exigências públicas de que a Europa “pague sua parte justa” no conflito. Este episódio epitomiza uma transformação fundamental na abordagem de Washington à segurança europeia. A mensagem implícita é clara: a proteção norte-americana tem um preço, e os compromissos históricos estão sujeitos a renegociação constante.

    As reações europeias variaram entre expressões diplomáticas de “preocupação” e declarações sobre a necessidade de “autonomia estratégica europeia”.

    Apesar dos aumentos nos orçamentos de defesa europeus desde a invasão russa em 2022, e iniciativas como o Fundo Europeu de Defesa, a lacuna de capacidades permanece substancial.A “Zeitenwende” (virada de época) proclamada pelo então chanceler alemão Olaf Scholz ainda está em seus estágios iniciais. Assim, o horizonte transatlântico parece excepcionalmente turbulento.

    O episódio de Zelensky na Casa Branca deve servir como um alerta, não como um epitáfio. A capacidade da aliança de superar este momento dependerá da visão de suas lideranças e da renovação do consenso público sobre seu valor em um mundo perigosamente incerto.

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