Repensando o papel global dos EUA: o que esperar de Trump 2.0
Segundo mandato do republicano começa dia 20 de janeiro após cerimônia na parte interna do Capitólio
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A política externa de Donald Trump em seu primeiro mandato (2017-2020) representou uma ruptura significativa com o internacionalismo liberal que caracterizou a política externa americana desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Sob o lema “Make America Great Again”, sua administração articulou uma visão das relações internacionais fundamentalmente orientada pelo curto prazo, em que alianças e instituições multilaterais foram reavaliadas sob uma lógica permanente de retorno sobre o investimento norte-americano.
O primeiro mandato de Trump caracterizou-se por cinco elementos estruturantes:
- Redefinição de prioridades estratégicas do país no campo externo;
- Abordagem pragmática das relações internacionais;
- Uso de instrumentos econômicos para objetivos políticos;
- Cautela no emprego direto da força militar;
- Reavaliação sistemática dos compromissos institucionais dos Estados Unidos.
Este último aspecto manifestou-se na redefinição da relação com organismos multilaterais, na renegociação de acordos comerciais como TPP e NAFTA, na discussão sobre o papel americano na Otan, e no reposicionamento em temas como meio ambiente e não-proliferação nuclear.
Para o segundo mandato de Trump que começa amanhã, 20 de janeiro de 2025, um levantamento do Council on Foreign Relations (CFR), baseado nas manifestações do então ainda candidato durante a campanha eleitoral, indica uma agenda que aprofunda e expande estas diretrizes, sugerindo que teremos, daqui em diante, um presidente que se sente mais confortável para dobrar apostas na tentativa de criar legado.
Na dimensão econômica, Trump deve adotar um protecionismo ainda mais duro. Internamente, isso poderá incluir redução de impostos corporativos para empresas que produzam nos Estados Unidos e, na política comercial mais ampla, podem ser impostas tarifas universais sobre importações, além de reciprocidade em relação a tarifas impostas por outros países sobre produtos norte-americanos.
Nesse sentido, a China deve ocupar, de novo, papel central. Trump chegou a falar em um plano de quatro anos para eliminar a dependência dos Estados Unidos em setores essenciais em relação a esse país, prometeu uma possível triplicação das tarifas existentes e até a revogação do status de “nação mais favorecida”.
No campo tecnológico, Trump tem falado sobre criar uma estratégia nacional de Inteligência Artificial também focada na competição com a China, incluindo diretrizes para adoção por agências federais e investimentos em P&D não relacionados à defesa.
Na área de segurança, Trump indica uma reavaliação do papel norte-americano na Otan, embora deva manter o compromisso com aumento nos gastos militares e modernização das forças armadas.
Sobre a Ucrânia, especificamente, sugere uma abordagem focada em resultados rápidos, questionando o atual nível de apoio militar norte-americano. Na área de cibersegurança, planeja expandir a flexibilidade do U.S. Cyber Command particularmente em operações ofensivas.
Em política energética e climática, a ideia é expandir significativamente a produção doméstica de combustíveis fósseis, retirar, novamente, os Estados Unidos do Acordo de Paris e reavaliar regulamentações ambientais. Simultaneamente, deverá manter o apoio à energia nuclear.
A novidade da vez vem com arroubos imperiais envolvendo declarações cada vez mais ousadas sobre o Hemisfério Ocidental. As aspirações de Trump têm se manifestado em seu renovado interesse pelo Canal do Panamá e emerge de preocupações com a influência chinesa na região.
Seus comentários sobre uma eventual “integração” do Canadá aos Estados Unidos e a insistência em comprar a Groenlândia da Dinamarca – agora com tom mais agressivo devido a interesses estratégicos no Ártico – refletem uma visão de política externa que remete ao Destino Manifesto do século XIX, mas que ainda não permitem identificar com clareza até que ponto fazem parte de bravatas visando maximizar condições negociais ou se realmente podem desembocar em uma nova jornada imperial dos Estados Unidos em pleno século XXI.
Como observou Ravi Agrawal, editor-chefe da Foreign Policy em recente artigo, o que sabemos, até o momento, é que a volta de Trump ao poder e sua abordagem de política externa representam um movimento em direção a um mundo cada vez mais transacional, em que capacidade de barganha e resultados concretos ganham precedência sobre arranjos institucionais tradicionais.
Trata-se de um modelo em que prevalece a ambição mais ampla de remodelar a ordem internacional em direção a um sistema menos institucionalizado e potencialmente mais volátil.
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