Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Fernanda Magnotta
    Blog

    Fernanda Magnotta

    PhD especializada em Estados Unidos. Professora da FAAP, pesquisadora do CEBRI e do Wilson Center. Referência brasileira na área de Relações Internacionais

    Análise: A disputa pela Groenlândia e os interesses dos EUA no Ártico

    Proposta de comprar/anexar território já havia sido feita por Donald Trump durante primeiro mandato

    A proposta de compra da Groenlândia, feita por Donald Trump já em 2019, durante seu primeiro mandato, causou perplexidade internacional. Na época, a ideia foi prontamente rejeitada pela Dinamarca, mas o episódio revelou uma faceta pouco explorada da política externa norte-americana: a crescente valorização estratégica do Ártico. Agora, com Trump de volta à Casa Branca, os interesses dos Estados Unidos na região retomam o centro das atenções.

    A Groenlândia, território autônomo da Dinamarca, ocupa uma posição geográfica privilegiada e concentra uma combinação de recursos e características que a tornam fundamental para os Estados Unidos.

    Em primeiro lugar, a região é rica em recursos naturais. Segundo o US Geological Survey, o Ártico abriga cerca de 13% do petróleo e 30% do gás natural não descobertos do mundo. A própria Groenlândia possui vastos depósitos de terras raras, minerais estratégicos essenciais para a fabricação de baterias, armamentos e tecnologias eletrônicas. Em um cenário de transição energética e de competição com a China, o acesso a esses recursos se torna cada vez mais relevante.

    O derretimento das calotas polares, impulsionado pelas mudanças climáticas, também tem aumentado o valor geopolítico da ilha. Novas rotas marítimas, como a Passagem do Norte, estão se tornando viáveis, encurtando significativamente o tempo de transporte entre os principais polos econômicos do mundo. Para os Estados Unidos, controlar ou ao menos influenciar o acesso a essas rotas, representa uma vantagem econômica e estratégica importante.

     

    Outro aspecto que reforça o interesse americano na Groenlândia é a competição global por influência no Ártico. A Rússia tem expandido sua presença militar na região, enquanto a China se declara uma “nação próxima ao Ártico” e busca parcerias econômicas na área. Nesse contexto, a Groenlândia, por ser ligada a um membro da OTAN, adquire valor como posto avançado de vigilância e defesa.

    A base aérea de Thule, localizada no norte da ilha, é a instalação militar norte-americana mais ao norte do planeta. Operada pela Força Espacial e pela Força Aérea dos Estados Unidos, ela desempenha papel essencial nas funções de defesa antimísseis, alerta antecipado, vigilância espacial e comunicações estratégicas, integrando o sistema de defesa continental norte-americano (popularmente conhecido como NORAD).

    Nos últimos anos, os Estados Unidos têm reforçado sua presença diplomática e econômica na ilha. Em 2020, reabriram o consulado em Nuuk, a capital da Groenlândia, algo que não acontecia desde 1953. Além disso, ofereceram investimentos em infraestrutura, mineração e educação — uma tentativa clara de conter o avanço chinês e equilibrar o tabuleiro estratégico no Atlântico Norte. Essa movimentação diplomática reflete uma mudança na percepção norte-americana sobre o papel da Groenlândia no cenário internacional.

    A proposta de compra/anexação de Trump, embora tratada por muitos como um capricho pessoal, tem precedentes históricos.

    Em 1946, o presidente Harry Truman já havia feito uma oferta formal pela ilha. Antes disso, os Estados Unidos compraram o Alasca da Rússia em 1867 e as Ilhas Virgens da Dinamarca em 1917. Segundo relatos — como os do ex-assessor de segurança nacional John Bolton em seu livro The Room Where It Happened — Trump teria sido lembrado dessa tradição por seus conselheiros e viu na Groenlândia uma oportunidade de deixar sua marca como o presidente que, nas últimas décadas, ampliou o território do país.

    Em seu novo mandato, porém, Trump herda um cenário particularmente mais competitivo, em que os polos se tornam arenas de disputa entre grandes potências e os impactos das mudanças na dinâmica global redirecionam a geopolítica para lugares que não parecem deixar muito espaço para ambições imperiais vindas de Washington.

    Tópicos