Papo de Roda: sonho do próprio automóvel atrai empresários, visionários e… picaretas
Na briga com as multinacionais, só foram bem-sucedidos os franqueados ou que produziram modelos de nicho
É longa a história das fábricas pensadas para produzir automóveis projetados por brasileiros. Algumas jamais produziram coisa nenhuma e outras resistiram algum tempo, mas acabaram fechando as portas. Entretanto, existem as que desafiam as adversidades e continuam produtivas.
Os empresários bem-sucedidos no setor são os que investiram pesado para produzir modelos de marcas tradicionais no exterior, ou que se dedicaram a carros de nicho como jipes ou buggies.
Há também os que sonham em produzir seu próprio automóvel para enfrentar as poderosas multinacionais do setor. Alguns são visionários, outros, picaretas mesmo…
Sonho realizado
Foram vários os bem-sucedidos: Rino Malzoni e Anisio Campos responsáveis pela linha Puma, de esportivos. João Gurgel produziu milhares de jipes e Mário Araripe, com seu Troller, efetivamente puseram sua fábrica em operação. Mas não sobreviveram mesmo produzindo modelos de nicho de mercado.
O “case” mais famoso foi da Gurgel: não tivesse se arriscado num carrinho compacto (BR-800) para competir com Gol e Uno, talvez estivesse até hoje produzindo seus ótimos jipes.
Alguns empresários brasileiros foram mais objetivos, capitalizados, racionais, e decidiram produzir sob franquia. Eduardo Souza Ramos (Mitsubishi) e Carlos Alberto Oliveira Andrade (CAOA Chery e Hyundai) implantaram fábricas que competem hoje com as multinacionais.
Francisco Stedile, com sua Agrale, é outro exemplo de projeto brasileiro vitorioso, com fábricas no Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Argentina, produzindo jipes, pequenos caminhões e tratores.
Mas não faltam os visionários (bem ou mal-intencionados…) como Nelson Fernandes, que criou em 1963 a IBAP (Indústria Brasileira de Automóveis Presidente). Sapecou ações no mercado e quebrou logo depois…
O carro elétrico facilitou a chegada de novos “players”, pois dispensa dezenas de componentes de custo elevado e que tornam complexa a montagem do automóvel.
Mas não é tão simples assim: Elon Musk foi quase uma exceção entre as diversas fábricas de elétricos que pipocaram nos Estados Unidos. Até a poderosa Volkswagen está em apuros com sua linha a bateria e já recorreu a alianças com chineses e norte-americanos para se tornar competitiva no mercado internacional.
Atolados no caminho
Obvio! – Empresa criada no estado do Rio de Janeiro em 2001 pelo empresário Ricardo Machado, a partir do minicarro 828, projeto de Anisio Campos para a Dacon (concessionária VW e Porsche em SP).
Teria versões elétrica e a combustão, previsão de produção de 70 mil unidades anuais e com investimento de um fundo inglês, o Cappadocia Funds Brazil.
O projeto inicial foi abandonado e, hoje, a Obvio-FNM desenvolve caminhões elétricos. Mas ainda busca recursos para implantar sua linha de montagem.
Lecar – Quem pretende produzir seu próprio carro elétrico é Flavio Figueiredo Assis. O carro a bateria acalentou seu sonho, e ele anunciou o Lecar 459 que seria produzido no Rio Grande do Sul.
Depois de apresentar o protótipo e ainda “competir” com a BYD na compra das instalações da Ford em Camaçari (BA), Assis deu uma reviravolta em seus planos: o carro não será elétrico, mas híbrido.
Mercadologicamente correto, mas tornou ainda mais distante o seu sonho, pois de fabricação bem mais complexa. Um elétrico do tipo híbrido-gerador, pois o motor a combustão não traciona o carro, mas aciona um gerador que carrega a bateria. Mesma (boa) solução do sistema e-Power da Nissan.
Anunciou parceria com a Horse (leia-se Renault) como fornecedor do motor a combustão, mas por enquanto só assinou cartas de intenções. Assis se auto denominou “Elon Musk brasileiro”, mas, ao contrário do bilionário que montou a Tesla, diz depender de financiamentos para consolidar seu projeto.
Poderia ter alguma chance de sucesso se substituísse seu projeto doméstico por uma parceria com uma fábrica chinesa. Uma hipótese, pois ele tem viajado para a China, mas nada a esse respeito foi divulgado.
Bravo Motors Company – O argentino Miguel Angel Bravo montou sua empresa nos Estados Unidos, apresentou vários protótipos de buggies, carros urbanos e veículos alternativos de transporte público, nenhum deles concretizado.
Assinou protocolo de intenções com o governo de Minas Gerais em 2021 para estabelecer na Grande BH um mega empreendimento de R$ 25 bilhões para produzir veículos elétricos e baterias.
Chegou a anunciar parcerias, entre elas com a ABB e a Rockwell Automation, duas multinacionais do setor. A Rockwell confirma o contato inicial há dois anos e a possibilidade de ceder sua tecnologia para uma linha de montagem, e nada mais até hoje.
A Bravo iria construir sua fábrica, ou melhor, o “Parque Industrial Colossus Cluster” na região da Lagoa dos Ingleses, numa área cedida pela prefeitura de Nova Lima (MG). Mas os investidores não apareceram, e a obra prevista para ter inicio em 2023 não saiu do papel.
A empresa disse não ter recebido apoio em Minas, que o governador Zema declarou que o carro elétrico gera desemprego e decidiu levar seu Colossus para São Sebastião do Passé, na Bahia. Assinou novo protocolo de intenções, ganhou terreno de 400 mil metros quadrados e anunciou uma fábrica de baterias de lítio.
Um projeto, segundo executivos do setor, que dificilmente fecha as contas pelo volume ainda inexistente de demanda de células de lítio no Brasil e região.
Entenda as diferenças entre os carros híbridos e quais são elas