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    Boris Feldman
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    Boris Feldman

    Jornalista especializado em automóveis desde 1966, produtor e apresentador do programa Autopapo

    Papo de roda: Anfavea, otimista quanto ao futuro dos nossos carros?

    Não há legislação capaz de alterar a realidade tecnológica dos nossos combustíveis

    A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) divulgou no final de setembro uma pesquisa intitulada “Avançando nos Caminhos da Descarbonização Automotiva no Brasil”, que encomendou ao Boston Consulting Group (BCG) e que levou a diversos setores do governo, inclusive ao vice-presidente da República, Geraldo Alckmim.

    O levantamento foi compilado a partir de centenas de entrevistas com fornecedores, fabricantes de leves e pesados, consumidores, produtores de biocombustíveis e outros do setor.

    Por meio deste estudo, a entidade pretende contribuir para o desenvolvimento de um ecossistema coerente com os compromissos de descarbonização assumidos pelos países na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP), que terá lugar, em 2025, em Belém (PA).

    Segundo o estudo, as emissões do setor automotivo atingem 242 milhões de toneladas de CO2 por ano, mas podem atingir 256 milhões em 2040, caso não se implantem novas tecnologias e biocombustíveis. O que exige uma combinação de esforços que envolve todos os setores envolvidos.

    A pesquisa revela que, adotadas novas tecnologias de propulsão que envolvem híbridos e elétricos, além de biocombustíveis, nos próximos 15 anos, as emissões totais de gás carbônico (CO2) poderiam ser reduzidas em 280 milhões de toneladas. E cerca de 50% adicionais caso se adotem: renovação da frota, inspeção veicular e aumento do poder calorífico dos combustíveis (etanol e diesel).

    O estudo da Anfavea/BCG foi realizado de forma criteriosa, a partir de pesquisas abrangentes e revela um grande potencial do setor automotivo brasileiro em reduzir significativamente o nível de emissões de CO2.

    A pesquisa sinaliza que a venda de veículos híbridos e elétricos pode ser maior que a de veículos a combustão até 2030. E até 90% deles em 2040. E que o teor dos biocombustíveis será cada vez mais elevado. É aí que “a porca torce o rabo”.

    Previsões podem não estar corretas

    Da previsão de descarbonização, escapam alguns detalhes técnicos, e os números podem não refletir um quadro preciso do futuro do nosso mercado. Quais?

    • Afirmar que, até 2030, a venda de híbridos ou elétricos poderá superar a de veículos a combustão é apenas parcialmente correto. Elétricos e híbridos plug-in contribuem significativamente para a redução de emissões. Mas o ”Full-Hybrid” ou híbrido pleno (não plugável) reduz o consumo de combustível em percentuais apenas razoáveis. Mas maior distorção ainda está no “híbrido-leve”: a rigor, funciona somente a combustão pois o elétrico (de baixa potência) entra apenas como coparticipante de forma ainda mais discreta. Também chamado de “Mild-Hybrid”, é mais uma resposta das fábricas às exigências de descarbonização que solução do problema. E deveria ser classificado pelo BCG como automóvel com motor a combustão. Já o PHEV (hibrido plug-in), ao contrário, pode rodar grandes quilometragens (às vezes, dias ou semanas) apenas com a energia das baterias.
    •  Outra questão não levada em conta no estudo da Anfavea são os problemas causados pelo aumento da participação do biocombustível na gasolina e no diesel. O projeto de lei “Combustível do Futuro”, já praticamente aprovado pelo Congresso, sugere o aumento dos percentuais de etanol na gasolina e biodiesel no diesel. Mas nenhuma legislação é capaz de resolver as dificuldades técnicas resultantes.

    No caso do etanol, ao contrário dos flex, carros a gasolina não foram projetados para receber 35% de etanol na mistura. São aqueles produzidos antes de 2003 (início da tecnologia flex) ou os importados de qualquer época. E a Anfavea não cobrou do governo um estímulo de fato ao desenvolvimento de motores somente a etanol, uma real redução das emissões de CO2.

    No caso do diesel, a elevação do teor de biodiesel dos atuais 14% (B14) para 20%, em 2030 (B20), pode provocar entupimento e travamento destes motores, segundo os próprios frotistas. Pois o biodiesel absorve umidade, provocando borra no fundo do tanque.

    Existem soluções, mas de custo elevado. O HVO (Hydrotreated Vegetal Oil) ou “Diesel Verde”, por exemplo, tem exatamente a mesma molécula do diesel, mas custa quase o dobro.

    No frigir dos ovos, o estudo desenvolvido pela Anfavea é pertinente, adequado e oportuno. Mas algumas questões de ordem técnica precisam ser solucionadas, pois faltou rigor na classificação de carros a combustão e eletrificados. E no aumento do teor dos biocombustíveis.

    No caso do biodiesel, a própria Anfavea se manifestou oficialmente contra o aumento de seu teor no diesel. Em 2021, ela publicou um manifesto em conjunto com outras entidades do setor afirmando que “a elevação do teor de biodiesel deveria ser precedida de uma análise ampla e criteriosa, que garanta a viabilidade técnica e a segurança para seus produtores e usuários”.

    Mas, pelas decisões do governo federal, nosso ecossistema evolui mais focado na viabilidade política do que na técnica.

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