Carro do “Elon Musk brasileiro” não é elétrico e nem nacional
Dono da Lecar diz agora que, para “acelerar o projeto”, vai produzir o modelo 459 na China


O senhor Flávio Figueiredo Assis, que tornou-se milionário no mercado financeiro, vendeu a sua empresa (a Lecard) e criou uma outra, a Lecar, para realizar o sonho de fabricar o seu próprio automóvel.
Ao contrário de outros empresários brasileiros que produziram carros de nicho como jipe, buggy ou esportivo, ele se autointitula “Elon Musk brasileiro” e anunciou um projeto para produzir “o primeiro carro elétrico nacional”. Mas o primeiro de fato foi o Itaipu 400, produzido por João Gurgel em 1981.
A sede da Lecar é em São Paulo, mas a fábrica seria em Caxias do Sul (RS). Ao contrário de Elon Musk, da Tesla, que tem fôlego para montar suas próprias empresas, o sr. Flávio Assis tem capital 100% próprio, mas explicou que depende de um IPO (oferta pública de ações) e financiamentos.
No início de 2024, afirmou que o protótipo de seu Lecar 459 iria para homologações em Londres, na Inglaterra, para ser “submetido a avaliações de impacto, aerodinâmica e simuladores de segurança. Essa etapa terá duração de até nove meses. Depois disso, o produto entrará em linha de produção, devendo estar disponível ao mercado a partir de dezembro de 2024”.
O carro iria custar R$ 279 mil com autonomia de 400 km por carga. Em cinco anos, a Lecar produziria 50 mil carros por ano.
Do Rio Grande do Sul, a produção passou para o Espirito Santo. “O bom filho à casa torna”, pois ele é capixaba. E abandonou também a idéia do carro elétrico, pois o hibrido “atende melhor as necessidades do mercado” e reduziu seu preço à metade (R$ 143 mil), apesar de não ter sequer iniciado a construção da fábrica.
O projeto foi levado ao vice-presidente Geraldo Alckmin, e o sr. Flávio aproveitou para anunciar que, assim como a Tesla de Elon Musk, não vai produzir apenas um sedã, mas também uma picape. Que não será chamada Cybertruck, como a de seu “xará”, mas CyberCampo…
A Lecar divulgou que concorreria com a chinesa BYD na compra da fábrica que a Ford fechou em Camaçari, na Bahia, e protocolou o interesse na licitação. O governo da Bahia informou que a Lecar não tinha protocolado a documentação mínima exigida para participar da licitação e bateu o martelo para a chinesa BYD.
Ao perceber as dificuldades para instalar uma fábrica, o sr. Flávio anunciou que as “primeiras unidades” serão produzidas na China, para “acelerar o projeto”. Os protótipos estarão prontos em março de 2025, e o início das entregas, em agosto de 2026.
A Lecar anunciou que vai receber R$ 3 bilhões do governo. Uma noticia espantosa, se fosse verdadeira, mas não virá sequer um centavo dos cofres públicos. Num habilidoso jogo de palavras, o sr. Assis explicou que obteve a habilitação no programa Mover, de incentivos do governo a projetos de mobilidade.
Os R$ 3 bilhões resultariam do valor total de tributos que deixaria de recolher aos cofres públicos quando estivesse em plena operação. Se entrar mesmo em operação, se produzir mesmo no Brasil (e não na China) e se forem mesmo produzidas e faturadas as dezenas de milhares de unidades anuais anunciadas. A Lecar teria, então, uma isenção de parte dos impostos (IPI, Pis/Pasep, Cofins) devidos. Que poderiam chegar ao valor anunciado.
Na história da indústria automobilística brasileira, vários outros empresários se iludiram com o sonho de produzir o próprio carro: a IBAP, na década de 60, que produziu 5 (cinco) unidades do Democrata; a Obvio, que lançou o compacto 828 em 2001 e ainda tenta produzir caminhões elétricos até hoje.
Em 1998, surgiu a Megastar, em Pindamonhangaba, que anunciou um sedã com motor da inglesa Lotus, o Emme Lotus. Produziu poucas unidades e logo fechou as portas. A Bravo Motors é de um empresário argentino, que promete há quatro anos produzir baterias e veículos elétricos desde 2021, desde que consiga R$ 25 bilhões de investidores. Anunciou inicialmente a produção em Minas Gerais, mudou-se neste ano para a Bahia, mas ainda não obteve os aportes necessários para construir a fábrica.
A Lecar antecipou o início das vendas e anunciou uma pré-venda com sinal de R$ 1.300 para os interessados em reservar carros do lote inicial de mil unidades, para entrega em 2026. Mas, apesar de terem surgido apenas 26 interessados (segundo o seu diretor de marketing afirmou à CNN), ele anunciou que, “devido ao sucesso do plano”, está lançando o segundo lote com outras mil unidades.
Em resumo, o carro elétrico nacional anunciado pelo sr. Assis não será elétrico (mas híbrido), nem nacional (mas importado da China).
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